Título: Remédio fracionado e cidadania
Autor: Oded Grajew
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2005, Empresas &, p. B2

Hoje, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quero falar de uma assunto que interessa a toda a sociedade brasileira e, se implementado com cuidado e eficiência, pode mudar a saúde pública do nosso País. Trata-se do fracionamento de medicamentos, autorizado pelo decreto nº 5348, de 20/1/2005, que permite aos laboratórios e farmácias vender remédios na exata dosagem solicitada pelo médico. Todos nós precisamos comprar medicamentos e sabemos quanto dinheiro gastamos a mais porque o conteúdo das embalagens disponíveis nas farmácias dificilmente combina com a receita médica. O Brasil é um dos países do mundo que ainda não adota o modelo de remédios fracionados, utilizados há várias décadas na Europa, EUA e, em nosso continente, no Chile e na Argentina. A questão, no entanto, está na pauta das lutas dos órgãos representativos dos profissionais da saúde e de defesa dos consumidores há várias décadas. A última tentativa de se criar uma legislação sobre a matéria foi feita em 1993, sem sucesso. Nem mesmo quando houve o movimento pela aprovação dos medicamentos genéricos, o fracionamento entrou na pauta das discussões do Congresso Nacional. A idéia tomou corpo a partir de uma sugestão que fiz ao presidente Lula, há tempos, levando em conta quanto dinheiro era gasto desnecessariamente com remédios. Dinheiro público, inclusive. Estimativas preliminares feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) indicam que o fracionamento de remédios pode trazer entre 12% e 20% de economia no gasto público com compra de medicamentos. Indiretamente, a implementação do decreto trará também melhoria na balança de pagamentos, porque todos os insumos dos medicamentos são importados. Para a saúde pública, os benefícios são enormes: como o fracionamento deverá ser processado por um farmacêutico e em locais previamente determinados pelos órgãos públicos, as farmácias adquirem um papel importante na cadeia das entidades responsáveis pelo bem estar da população. O farmacêutico também terá uma função bem mais relevante como agente de saúde.

Há obstáculos e a adesão da indústria é voluntária

Para os consumidores, principalmente os de menor poder aquisitivo, as vantagens são inúmeras. Também de acordo com estimativas da Anvisa, o fracionamento traz economia para o bolso de mais de 20%; assim, será possível garantir que o tratamento prescrito será feito integralmente, pois o preço em unidades deve ser proporcional ao da caixa completa. Haverá mais segurança, pois terminam as "farmácias domésticas" (feitas com as sobras dos remédios não utilizados), a automedicação e, em muitos casos, o envenenamento dela decorrente. A indústria farmacêutica, a princípio relutante, está mudando de atitude, pois reconhece que a medida vai trazer muitos benefícios para a saúde dos brasileiros, como já acontece lá fora. Todos sabemos que existem muitos obstáculos para implementar a medida, cuja adesão da indústria, vale frisar, é voluntária. No entanto, as dificuldades podem ser superadas, como já foram em outros países. E o mercado brasileiro costuma oferecer várias e excelentes oportunidades para cada problema superado. No caso do fracionamento, a melhor oportunidade é a de aprofundar o processo de implementação da responsabilidade social empresarial (RSE) neste segmento - ou seja, tornar mais sólida uma cultura de gestão do negócio que visa maximizar os efeitos positivos sobre os grupos sociais impactados por suas ações - neste caso específico, os consumidores de remédios, beneficiados por melhores condições de saúde e por significativa economia no orçamento doméstico. Estamos falando de uma maneira diferente de gerir negócios, que torna a empresa comprometida com o desenvolvimento da sociedade em que atua e com o bem estar dos cidadãos. As empresas que incorporam os princípios da ética e da transparência e os aplicam corretamente obtêm, como recompensa, resultados sustentáveis e duradouros. Por fim, vale lembrar que a Anvisa abriu consulta pública sobre a regulamentação da venda fracionada de remédios. Até 4 de abril, os termos da proposta estarão disponíveis na íntegra, na internet. Qualquer cidadão poderá dar sua opinião, acessando www.anvisa.gov.br/divulga/consulta/index.htm, ou encaminhando uma carta para: Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Gerência Geral de Medicamentos SEPN 515, Bloco B, Edifício Omega, Asa Norte, Brasília (DF). Informe-se e participe. Sua opinião vai contribuir para mudar a nossa sociedade.