Título: Lorentzen mantém empreendedorismo que criou a Aracruz
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2009, Especial, p. A12

Uma vida dividida entre a Noruega e o Brasil. Esta é a saga de Erling Lorentzen, que aos 86 anos, dos quais 56 em terras brasileiras, pretende enfrentar o desafio de um novo negócio, depois de vender, no ano passado, suas ações na Aracruz Celulose, a companhia que ajudou a criar. O grupo Lorentzen Empreendimentos S.A. ainda está analisando o que fará com as centenas de milhões de reais que receberá da VCP em seis parcelas até julho de 2011.

Mas, o patriarca dos Lorentzen adiantou ao Valor que está comprando terras em Minas Gerais, onde pretende plantar florestas de eucalipto e produzir carvão vegetal para fazer ferro- gusa. Planeja abraçar a nova atividade junto com o grupo Plantar, criador do gusa verde, atuante na área de gestão florestal e de créditos de carbono.

O ex-controlador da Aracruz não vê contradição entre sua militância no Instituto BioAtlântica, que desenvolve projetos de preservação da Mata Atlântica, e o plantio comercial de eucalipto. Em seu escritório, no centro do Rio, onde recebeu o Valor, ele respira o clima da Noruega. As paredes de madeira estão repletas de fotos da família Lorentzen, os porta-retratos invadem também a mesa do empresário e nos vários ambientes repousam muitas miniaturas de barcos de cores fortes.

Um enorme mapa mundial, por detrás de sua mesa, está sempre a lembrar Lorentzen de suas origens vikings. Revistas e livros revelam que ele cultiva a leitura de assuntos sobre a biodiversidade amazônica e mudanças climáticas, que confessa ser um dos seus temas preferidos. O fato surpreenderia os ambientalistas mais radicais que o acusavam de predador da natureza por causa do "deserto verde", como denominavam a floresta de eucaliptos da Aracruz.

Na agenda do lendário empreendedor está a criação uma fundação na região de Pedra Azul, no Espírito Santo, onde tem casa e abriu uma escola para ensinar para crianças os segredos do hipismo. Montar é outro hobby deste cunhado do rei da Noruega, que sobretudo ama navegar.

Herói da Segunda Guerra por sua atuação na resistência contra Hitler aos 21 anos, casado com uma princesa e migrante no Brasil dos anos 50, dada a pobreza que sacudiu a Europa no pós-guerra, sua vida daria um romance. Mas, modesto garante não estar nos seus planos escrever sua biografia. Ele confessa que se orgulha hoje de ver seu filho Haakon administrar as empresas do grupo. E confessa que sua maior satisfação na vida, além de viajar para Oslo duas vezes ao ano (e usar suspensórios azuis ), é "ter criado valor para os outros". A seguir, trechos da entrevista com Lorentzen.

Valor: Onde o senhor pretende investir o dinheiro ganho com a venda da Aracruz?

Erling Lorentzen: O meu grupo, a Lorentzen Empreendimentos S/A, está iniciando a análise do que vai fazer. Primeiro vamos receber estas parcelas de dinheiro [são seis], o que não será de um dia para outro. Hoje, quem comanda o grupo é meu filho Haakon Lorentzen. Não foi ainda definido o que nós vamos fazer. Mas, vamos procurar investir em atividades aqui no Brasil.

Valor: O senhor pretende abrir novos negócios?

Lorentzen: Já temos comprado áreas em Minas Gerais com a ideia de produzir carvão vegetal para a indústria de ferro-gusa. As terras são mais para o Oeste de Minas, perto de Diamantina. O Geraldo Alves Moura, do Grupo Plantar, está junto conosco. O projeto que vem sendo amadurecido é investirmos em florestas plantadas de eucalipto para o carvão vegetal alimentar a fabricação de ferro gusa. A atividade florestal é uma atividade onde temos bastante experiência por causa da Aracruz.

Valor: Há projetos para fortalecer as indústrias do grupo?

Lorentzen: A Navegação Norsul, maior empresa do grupo depois que vendemos as ações da Aracruz, trabalha com cabotagem e vai ser fortalecida e expandida. Vamos renovar parte da frota que é antiga pois a empresa deve continuar na cabotagem apesar de ter sofrido com a crise devido a queda no preço do frete. A navegação é uma atividade que está no nosso sangue norueguês. Também vamos manter nossa participação (10%) na IdeiasNet.

Valor: E na vida privada, o senhor planeja algo novo?

Lorentzen: Gosto de criar coisas de valor para os outros. Isso me dá grande prazer. Tenho uma casa de campo em Pedra Azul, no Espírito Santo, onde possuo um haras com 35 cavalos do "fjord" da Noruega. Lá estou desenvolvendo uma escola de hipismo para as crianças do lugar aprenderem a tratar de cavalos e a montar. Estou até pensando em criar uma fundação. Não estou parado. Depois da navegação [Lorentzen gosta de navegar no seu barco Saga], o hipismo é um dos meus hobbies preferidos.

Valor: E sua atividade no Instituto BioAtlântica?

Lorentzen: Pessoalmente, estou trabalhando ativamente como presidente do conselho do IBIO (Instituto BioAtlântica) que tem planos para recuperar a Mata Atlântica no Sul da Bahia e em Minas Gerais. Estamos tendo bastante sucesso.

Valor: O fato de o senhor querer continuar na área florestal e plantar eucalipto para fazer carvão para o setor de ferro gusa não confronta sua atuação na área ambiental? O senhor não vê contradição nisso?

Lorentzen: Acho que o ferro-gusa produzido com madeira plantada é menos poluente que quando as siderúrgicas usam o carvão de fóssil, mineral. Não me sinto constrangido de lidar com florestas comerciais de eucalipto. Este é um assunto do qual entendo. O eucalipto é usado para fazer carvão que libera CO2, mas ao replantarmos as árvores elas novamente captam CO2, o que neutraliza a liberação do gás. Também o plantio de florestas estimula a chuva e é muito positivo. Estou convencido disto.

Valor: O senhor pensa em permanecer no Brasil ou avalia se mudar para a Noruega?

Lorentzen: Não tenho planos de me mudar para a Noruega. Todos os dois países [Noruega e Brasil] têm os seus encantos. Eu sou norueguês, mas já estou no Brasil há mais de 56 anos. E trabalho bastante para a Noruega utilizar suas riquezas para coisas positivas. Agora, por exemplo, o governo norueguês decidiu investir muito em preservação de florestas no mundo. E fizeram um acordo com o Brasil para doar US$ 100 milhões para o Fundo da Amazônia. Tive muito contato com o ministro que estudou o fundo. E achei positivo o sistema adotado por ele de só direcionar o dinheiro do fundo para quem puder provar que não desmatou a Amazônia. Também o fato do BNDES ter sido indicado pelo governo brasileiro para administrar o fundo foi uma ótima decisão, pois dá mais tranquilidade aos doadores destes recursos.

Valor: Qual a maior satisfação de sua vida, hoje?

Lorentzen: Minha maior realização é ver meu filho Haakon Lorentzen assumir a direção dos negócios do grupo.

Valor: O senhor pensa em escrever sua biografia? Sua história é muito rica. O senhor foi herói da Segunda Guerra Mundial, na qual atuou na resistência contra o nazismo durante a ocupação da Noruega por Hitler. Depois casou-se com uma princesa, veio para o Brasil, teve três filhos e criou a Aracruz, a maior empresa de celulose do país. E é cunhado do rei da Noruega.

Lorentzen: Não penso nisso, apesar de adorar ler biografias.

Valor: Como foram as negociações da venda da sua participação na Aracruz para a Votorantim?

Lorentzen: Em julho começamos as conversas. A VCP fez uma oferta e em agosto nós a aceitamos. A proposta foi de R$ 2,7 bilhões, direta, que achamos boa. Também avaliamos que uma consolidação da indústria de celulose seria vantajosa para todos, incluindo o Brasil. Era evidente que este seria o caminho certo para o setor de celulose. Apesar de acharmos um pouco duro vender uma coisa que participamos desde o início no projeto.

Valor: Na primeira rodada de negociações ficou conversado que o Safra ficaria como controlador da Aracruz junto com a VCP.

Lorentzen: Isso foi o que eles (Safra) declararam inicialmente. Mas o Safra, evidentemente mudou de ideia e acabou vendendo recentemente sua parte como aconteceu conosco. Assim, a Votorantim acabou tendo o controle absoluto da companhia [84% do capital votante após fechar no próximo mês a compra das ações do grupo Safra].

Valor: Como o senhor viu isso?

Lorentzen: Eu, pessoalmente, acho que foi certo a compra pela VCP, porque companhias e grupos com atividades como a da Aracruz, têm de ter um controle definido e não dividido demais. Uma fusão com diferentes culturas de gestão exige um processo longo de adaptação. A partir de agora a Votorantim será o controlador absoluto da companhia que surgirá da junção das operações da VCP com a Aracruz. Baseado no contato que tenho tido com o grupo Votorantim, acho que eles se sairão bem na gestão de controle da empresa.

Valor: A Arapar, holding que abrigava a participação da família Lorentzen, dos grupos Moreira Salles e Almeida Braga e do Gávea Fund na Aracruz, fechou a negociação em agosto e logo depois veio a crise financeira que arrastou o mundo para o buraco. Com o agravamento da crise, falou-se até que os sócios da Arapar queriam cobrar uma multa de US$ 1 bilhão da VCP , conforme contratado, por receio dela não cumprir sua parte no acordo.

Lorentzen: Obviamente foi um fato que levou preocupação aos dois lados. Mas, o grupo Votorantim reconheceu que foi um contrato de entendimento já estabelecido e manteve o acordo fechado em agosto.

Valor: Até as partes se entenderem, no final de novembro, a Aracruz foi sacudida por uma verdadeira tempestade: a questão dos derivativos. Como o senhor viu esse momento ruim da companhia, cuja ação chegou a cair para R$ 2?

Lorentzen: Tivemos uma certa tranquilidade. Nós tínhamos confiança que, apesar dessa infeliz fase da Aracruz, o contrato de venda, o entendimento [com a VCP] se manteria. Não devemos esquecer que o que aconteceu foi um abalo financeiro. Os ativos da companhia - florestas, fábricas, mercado, organização e pessoal com grande capacidade - continuavam a existir e isso garante que o valor da companhia no longo prazo não será destruído.

Valor: O senhor sabia da operação de derivativos?

Lorentzen: O conselho foi informado pela diretoria executiva sobre os derivativos lá em setembro. O diretor financeiro da Aracruz [Isac Zagury] saiu logo e foi substituído. A Arapar soube da operação quando foi avisada no conselho sobre o problema. Antes disto, não tínhamos nenhuma noção dos derivativos .

Valor: Vocês foram avisados da existência em reunião do conselho, mas não foram chamados anteriormente para votar e aprovar esse tipo de operação?

Lorentzen: Não.

Valor: Quem votou ? A diretoria da companhia?

Lorentzen: Esta é uma coisa que está sendo analisada agora juridicamente. Eu não quero opinar sobre isso. Não quero falar sobre isso.

Valor: Como o senhor vê a Aracruz daqui para frente sob o comando da VCP, depois que ela amargou elevados prejuízos com a operação de derivativos?

Lorentzen: Não tenho muita preocupação com a Aracruz. Porque, como já disse, a companhia mantém seus ativos, tem florestas fantásticas, tem fábricas e tem uma organização de pessoal, uma base humana muito grande. Esta crise que estamos passando, que afeta todo mundo, é difícil dizer se ela vai demorar um ano ou dez anos. Mas, os ativos que a companhia tem ninguém pode tirar. Estou com muita confiança no futuro da companhia. Mesmo com a crise, a Aracruz tem a vantagem de ter o menor custo de produção de celulose do mundo.

Valor: O senhor acha que não existe mais risco da Stora Enso vir a comprar a participação de 50% da Aracruz na Veracel?

Lorentzen: Acho que este perigo já passou. Não conheço a situação da Votorantim em detalhes, mas minha impressão, pelo tamanho do grupo, é que eles não vão vender os ativos da Aracruz.