Título: Três cabeças na bandeja
Autor: Campos, Ana Maria ; Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2010, Cidades, p. 22

A cassação dos deputados flagrados em vídeo recebendo dinheiro de Durval Barbosa é vista pelos demais parlamentares como uma resposta à sociedade. Mas serviria também de manobra para tentar salvar a pele de outro cinco investigados

Ribeiro estava sendo pressionado a elaborar parecer que pedia o arquivamento de todas as representações

A prisão do governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) provocou uma reviravolta nos planos dos deputados. Se tudo corresse dentro do programado, o feriado de carnaval seria prorrogado até domingo e os distritais só retornariam às sessões em 23 de fevereiro. A folga extra serviria para abafar a repercussão negativa provocada pelo arquivamento de todas as oito representações por quebra de decoro(1) parlamentar contra os investigados no inquérito da Operação Caixa de Pandora, que deveria ter ocorrido na última sexta-feira. A ação teria sido orquestrada pelo próprio Arruda para encerrar o assunto. O agravamento da crise, no entanto, colocou um freio na estratégia montada com a ajuda de vários deputados da base governista.

Mais do que nunca, a situação de Eurides Brito (PMDB), Leonardo Prudente (sem partido) e Júnior Brunelli (PSC) se agravou. O trio filmado recebendo dinheiro de Durval Barbosa, o colaborador dos investigadores na Operação Caixa de Pandora, poderá virar bode expiatório. A intenção dos deputados é cortar a cabeça dos mais enrolados no caso, como forma de dar uma resposta à opinião pública, ao Ministério Público Federal, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O maior temor dos distritais é a decretação, pelo STF, de uma intervenção federal na capital do país, que casse as prerrogativas da Câmara Legislativa até as próximas eleições. As consequências de uma medida drástica como essa são imprevisíveis.

O corregedor ad hoc da Câmara Legislativa, Raimundo Ribeiro(2) (PSDB), um dos deputados mais próximos de Arruda, estava sendo pressionado a elaborar um parecer que pedia o arquivamento de todas as representações, por falta de provas ou por considerar que as imagens de deputados recebendo dinheiro foram registradas antes das eleições, durante a campanha de 2006. Não seria, então, segundo a argumentação, motivo para acusação de quebra de decoro parlamentar na atual legislatura. Os relatórios seriam aprovados na Comissão de Ética e os casos, arquivados.

Já na última sexta-feira, a base governista recuou. Numa reunião, Eurides Brito foi pressionada pelos colegas a renunciar para evitar um prolongado desgaste que resultaria na cassação de seu mandato e, consequentemente, na perda dos direitos políticos por oito anos. Mas ela bateu o pé. Não admite a possibilidade de abdicar do cargo, o que na sua visão significaria um

reconhecimento de culpa. Eurides é uma das que enfrenta desgaste maior. Foi filmada colocando dinheiro na bolsa. Só perde para o ex-presidente da Câmara, que guardou o dinheiro entregue por Durval em todos os bolsos na roupa e até nas meias. Além disso, Leonardo Prudente é acusado de vincular o mandato parlamentar a seus interesses empresariais.

Símbolo Prudente ainda participou da chamada oração da propina na qual reza, com Júnior Brunelli (PSC), pela vida de Durval. As cenas fortes viraram um dos símbolos da Operação Caixa de Pandora. Na opinião de vários deputados, cassar o mandato desses distritais seria emblemático. Eurides e Prudente foram ainda alvo de ação de busca e apreensão em suas casas e gabinetes, além de terem sido incluídos na lista dos que tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados por autorização do ministro Fernando Gonçalves, relator do Inquérito nº 650, em curso no STJ.

Filiado ao PSC, partido do ex-governador Joaquim Roriz, Brunelli também protagonizou vídeo em que recebe um maço de dinheiro de Durval Barbosa. Mas terá o apoio do grupo rorizista na Câmara Legislativa para tentar escapar da cassação cirúrgica dos colegas. Para se diferenciar de Eurides e Prudente, Brunelli tem sustentado que a Polícia Federal (PF) não vasculhou a sua casa nas operações de busca e tampouco foi alvo dos pedidos feitos pela subprocuradora-geral da República Raquel Dodge de quebra de sigilos das contas bancárias e da declaração do imposto de renda. Ele, no entanto, é quem puxa a prece mais comentada durante o escândalo: ¿Sabemos que somos falhos, que somos imperfeitos, mas queremos agradecer aos santos que nos purificam. Olha, nós somos gratos pelo amigo Durval, que tem sido um instrumento de bênção para as nossas vidas e para essa cidade, que o Senhor contemple as questões do seu coração¿.

A assessoria de imprensa dos deputados Eurides Brito e Leonardo Prudente informaram que eles não foram localizados. A reportagem tentou falar com ambos por celular durante todo o dia, mas não recebeu retorno. Brunelli não atendeu as ligações. Seu assessor de imprensa disse que tentaria encontrá-lo, mas não retornou o telefonema.

1 - O papel da OAB As representações contra os oito deputados distritais e dois suplentes ¿ Eurides Brito (PMDB), Leonardo Prudente (sem partido), Rôney Nemer (PMDB), Rogério Ulysses (sem partido), Júnior Brunelli (PSC), Benedito Domingos (PP), Benício Tavares (PMDB) e Aylton Gomes (PR) ¿ foram protocoladas em dezembro pela então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), Estefânia Viveiros.

2 - Antigo aliado Um dos deputados mais próximos de Arruda, Raimundo Ribeiro só não conseguiu presidir a Câmara Legislativa porque era identificado demais com o chefe do Executivo. Os deputados temiam que a Câmara ficasse na mão do governador, sem margem de negociações. Ribeiro foi secretário de Justiça e Cidadania, assessor de Arruda no Congresso e gerente regional da Secretaria do Patrimônio da União no governo Fernando Henrique, por indicação do aliado.

Eurides Brito (PMDB)

Globo.com.br/Reprodução de Internet-30/11/09

Foi flagrada em vídeo gravado por Durval recebendo maços de dinheiro, durante a campanha de 2006. Ela guarda o dinheiro na bolsa. A deputada é também citada em depoimento de Durval como beneficiária de pagamento mensal no valor de R$ 30 mil em troca de apoio para o governador

Júnior Brunelli (PSC)

Ig.com.br/Reprodução de internet

Filmado recebendo um maço de dinheiro de Durval Barbosa na campanha de 2006. O ex-secretário de Relações Institucionais também declarou em depoimento que Brunelli recebia mesada no valor de R$ 30 mil desde 2002. Ele é o autor da Oração da Propina, na qual ele e Prudente rezam pela vida de Durval

Leonardo Prudente (sem partido)

Folha.com.br/Reprodução de internet - 29/11/09

Aparece em dois vídeos gravados por Durval Barbosa. Num deles, recebe dinheiro de Durval e guarda em todos os bolsos e nas meias. Em outro, reza pela vida de Durval Barbosa. Também é citado em conversas como beneficiário de contratos com o governo e de pagamentos mensais de R$ 50 mil

O processo

As representações de quebra de decoro parlamentar contra deputados são recebidas pela Mesa Diretora da Câmara Legislativa e encaminhadas à Corregedoria da Casa.

O corregedor notifica o investigado a se defender em até 10 dias úteis. Após receber tais documentos, o corregedor tem 15 dias para dar parecer prévio à Comissão de Defesa de Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar.

Os integrantes da Comissão de Ética se reúnem para analisar o parecer e decidir se abrem os processos contra os colegas denunciados.

Caso os processos sejam abertos, cada representação fica com um relator. A partir daí, o processo não pode ser interrompido pela renúncia do deputado.

O distrital investigado tem 30 dias para apresentar defesa escrita. Se não o fizer, a comissão nomeará um defensor para atuar no prazo de 15 dias. Entregue a defesa, a comissão analisa o caso durante 30 dias. Pode haver prorrogação pelo mesmo período.

A comissão terá prazo de cinco sessões ordinárias da Câmara para emitir o parecer pela procedência ou pelo arquivamento da representação. Na primeira hipótese, é oferecido o projeto de resolução de perda do mandato. Mas o deputado poderá receber punições leves, como advertência e censura.

Se o parecer da Comissão de Ética for pela perda do mandato, será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça para análise dos aspectos jurídicos.

Caso o processo prossiga, o pedido é lido em plenário. A perda de mandato é decidida em votação aberta, por maioria simples. Se o deputado for cassado, ficará oito anos sem poder se candidatar a cargos eletivos.