Título: Brasil propõe barganha de carnes por trigo à Russia
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2009, Internacional, p. A6

O Brasil vai propor hoje à Rússia uma barganha envolvendo carnes e trigo, em meio a um cenário de queda na demanda e nos preços que sufoca produtores agrícolas globalmente.

Uma delegação brasileira acenará com importação de 500 mil toneladas do trigo russo, desde que exportadores do Brasil recebam de volta uma cota de 50 mil toneladas para a carne suína com tarifa mais baixa, este ano.

O Brasil quer recuperar também cota para exportar 60 mil toneladas de carne de frango, que a exemplo da de suínos foi retirada pela Rússia para beneficiar produtores americanos.

Para estimular a barganha, a delegação brasileira coloca na mesa hoje em Moscou também a promessa de aumentar a importação de fertilizantes da Rússia. A ideia é aproveitar o retorno dos navios fretados para o transporte de soja para o mercado russo.

Essa negociação entre o Brasil e a Rússia segue o que vários outros países estão fazendo, com o objetivo de recuperar ou manter as exportações em meio à dramática crise financeira e à queda livre do comércio internacional.

O encontro dos principais ministros de Agricultura, que se realiza na Itália, resultou em sucessivas reuniões bilaterais que focam basicamente comércio, em vez do tema de segurança alimentar, com cada um tentando garantir mercado para seus exportadores. "É tudo cobrança direta por seus produtores, ninguém perde tempo", afirmou o ministro italiano, Luca Zaia.

A nova ministra russa da Agricultura, Elena Skrinnik, faz uma aparição discreta na reunião do G-8. Mas avisou em Moscou que pretende estimular a produção interna de carnes para reduzir a dependência das importações.

No caso do trigo, um quer vender e o outro precisa comprar. A Rússia pretende exportar 2 milhões de toneladas do estoque governamental. E o Brasil necessita importar 1,5 milhão de toneladas, já que a Argentina reduziu a oferta do produto.

Porém, o máximo que os brasileiros pensam comprar da Rússia será 500 mil toneladas. O preço é "atrativo", mas a qualidade do trigo só permite que ele seja destinado à produção de biscoitos.

Em todo caso, apenas uma barganha entre trigo e carne suína envolve US$ 100 milhões de vendas para cada lado, pela cotação atual dos produtos.

O Brasil concentra esforços no caso da carne suína, pelo impacto da crise e pela dependência em relação ao mercado russo, que representou 50% das exportações totais do setor em 2008.

No fim de 2008, a Rússia reduziu de 197 mil toneladas para 177 mil toneladas a cota destinada a "outros países" para carne suína, que era aproveitada pelo Brasil. Além disso, também acabou com a cota destinada a retalhos de carne suína, que era de 32 mil toneladas. Essa redução no acesso brasileiro serviu para aumentar em 50 mil toneladas a cota dos EUA.

O ministro de Agricultura da Argentina, Carlos Alberto Cheppi, também veio à reunião do G-8 agrícola, antes de afrontar esta semana o tema do trigo e do leite, que serão levantados na visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Buenos Aires.

O governo brasileiro reclamará que a Argentina reduziu drasticamente a exportação do trigo e passou a subsidiar a produção interna de farinha, que entra no Brasil com preço baixo, provocando uma "concorrência desleal", na visão de Brasília.

O Brasil pedirá ainda para a Argentina pôr fim ao dumping (venda com preço abaixo do valor da produção) na exportação de lácteos, que causa problema ao produtor brasileiro. O problema de lácteos está se tornando global. Na reunião do G-8, os italianos não cessam de reclamar de que a Alemanha está exportando leite barato demais procedente da Europa do Leste, desestabilizando assim o mercado. Recentemente, a União Europeia (UE) voltou a subsidiar a exportação de lácteos.

A China enviou ao G-8 agrícola seu vice-ministro, Niu Dun. Os chineses estão conscientes de que na visita do presidente Lula a Pequim, dia 19 de maio, será feita a cobrança para Pequim enfim importar carne bovina brasileira. As guias de importação estão sendo dadas a "conta-gotas" por Pequim, decepcionando os brasileiros.

Além disso, Brasília autorizou a importação de tripas de ovinos e caprinos da China, mas Pequim não cumpriu sua parte na importação de frango. O governo chinês está mais preocupado em exportar. Na sexta-feira, a China abriu a primeira disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os EUA no governo Obama, para tentar derrubar barreira a suas vendas de frango no mercado americano.