Título: Obama consegue aplacar inimigos
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Fonte: Valor Econômico, 20/04/2009, Internacional, p. A6

Sem acordo sobre um documento final a ser assinado por todos os líderes, a Cúpula das Américas, com 34 dos 35 chefes de Estado e governo da região (Cuba não participa) chegou ao fim ontem com um resultado comemorado com alívio por todos: a distensão nas relações entre os Estados Unidos e os países mais críticos da política americana para o continente. "Muita gente esperava que essa reunião fosse terminar numa batalha campal", resumiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao fim do encontro, onde, segundo disse, "o presidente Obama deve ter tomado um banho de América Latina".

"Vamos ser francos, todo mundo esperava que o [presidente da Venezuela, Hugo] Chávez e o Obama fossem se atacar", resumiu Lula. Ele citou a afirmação de Chávez de que quer ser, além de parceiro comercial, "amigo" de Obama.

Obama fez uma estreia consagradora entre os líderes da América Latina e do Caribe, tornando difícil para Chávez justificar hostilidades contra o popular presidente americano, que foi o mais aplaudido na sessão de abertura do encontro, na sexta-feira, e só recebeu elogios dos colegas, que mesmo ao criticar as ações do governo americano, faziam questão de anunciar a expectativa de mudanças com o novo presidente na Casa Branca.

"Tenho grandes diferenças com Hugo Chávez, em assuntos de política econômica e política externa, sua retórica dirigida aos EUA tem sido inflamada", disse Obama, ao falar sobre a cúpula e a cena mais comentada, o aperto de mãos trocado com Chávez no primeiro dia. "Não vejo como os interesses estratégicos dos EUA possam ser ameaçados em consequência de termos relações mais construtivas com a Venezuela", comentou, questionado sobre como o público americano receberia a aproximação com Chávez. Republicanos nos EUA criticaram ontem essa aproximação com líderes antiamericanos.

Chávez anunciou a decisão de aceitar um novo embaixador dos EUA no país - o último foi expulso por ele, sob alegação de ingerência nos assuntos internos do país.

A acusação de ingerência indevida foi levada não apenas por Chávez, mas por parceiros dele na Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), como Bolívia e Nicarágua. O presidente nicaraguense, Daniel Ortega, fez longo discurso sobre o histórico de intervenções americanas de apoio a ditaduras no continente, ao falar em nome dos países centro-americanos na abertura da Cúpula, na sexta-feira.

Obama, na ocasião, agradeceu não ter sido acusado de ações cometidas "quando tinha três meses de idade", e, em comentário repetido ao longo da cúpula, pediu que ela se concentrasse na discussão sobre o futuro, e não nas queixas contra o passado. Na última entrevista antes de deixar Port of Spain, reafirmou a intenção de iniciar negociação com Cuba. Obama, de 47 anos, voltou a dizer que seu governo não ficará preso a políticas estabelecidas "antes de [ele] ter nascido", em referência ao embargo econômico dos EUA contra Cuba.

Mas também destacou que os EUA não podem ser culpados por todos os problemas da região.

Um dos gestos de Obama, o oferta de uma linha de US$ 100 milhões de apoio ao microcrédito no continente, para reduzir os efeitos da crise internacional, foi criticado por líderes como Cristina Kirchner, da Argentina, que cobraram um aumento dos recursos disponíveis para instituições regionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Lula, no encontro entre Obama e os presidentes sul-americanos, reclamou do pouco espaço dedicado à crise no esboço do documento final, e obteve o compromisso dos dirigentes para uma reunião de ministros da Fazenda do continente, em julho, em Santiago, dedicada a discutir soluções para a crise.

A discussão sobre a crise foi um dos pontos de divergência entre os países latino-americanos. Chávez, Ortega e o boliviano Evo Morales divulgaram documento acusando de "clube excludente" o G-20, que reúne as economias mais influentes, entre elas a Argentina e o Brasil. Lula, um dos entusiastas do G-20, defendeu o grupo na reunião da Unasul com Obama e argumentou que as Nações Unidas, em reunião a ser realizada em julho, serão o melhor espaço para ampliar a discussão, que começou entre as economias maiores.

A cúpula foi ameaçada todo o tempo de ser tomada pela discussão sobre o fim do embargo americano a Cuba, reivindicado por todos os líderes a Obama, "em tom respeitoso", como enfatizaram os diplomatas. Obama reafirmou a disposição de discutir o tema com o presidente cubano, Raúl Castro, mas anunciou que esperava um sinal positivo, como a libertação de presos políticos ou a redução das taxas oficiais sobre as remessas de dólares de imigrantes cubanos ao país. Ele chegou a ironizar um discurso de Morales contra capitalismo, lembrando que lhe reivindicavam a inclusão de Cuba na economia capitalista.