Título: Despesa maior em ano de eleições, a eterna tentação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2009, Opinião, p. A8
A redução oficial da meta de superávit primário do setor público foi maior do que a esperada e o compromisso agora é economizar 2,5% do Produto Interno Bruto. A recessão é uma ameaça real à economia brasileira e há motivos suficientes para se realizar uma política contracíclica, desde que se atente para seus limites. A diminuição do esforço fiscal não comprometerá a relação dívida líquida/PIB que, com a exclusão da Petrobras, atingirá 39,5% em 2009 e não desarrumará a princípio nenhum dos indicadores econômicos relevantes. Pelo contrário, seu objetivo principal é aumentar os gastos públicos e suavizar a queda na taxa de crescimento. Necessária, a medida foi tomada em um ambiente que não privilegia a racionalidade. A ampliação dos gastos públicos é uma velha arma em anos pré-eleitorais e uma senha para gastos dispensáveis e desperdícios. A fúria com que municípios e Estados recorrem à União atrás de recursos é um sinal preocupante. A aparente disposição do governo em atendê-los é outro.
Com a redução da meta e a exclusão da Petrobras dos cálculos, os três níveis de governo, mais as estatais, terão cerca de R$ 40,2 bilhões adicionais para gastar. Para a União, a folga de recursos chega a R$ 23,2 bilhões. Que todo esse dinheiro se transformará em despesas não há muitas dúvidas, mas o corte do superávit foi feito em primeiro lugar para acomodar a redução da arrecadação provocada pela retração.
Estimativas do governo indicam que as receitas exclusivas da União declinarão cerca de R$ 34 bilhões - a grosso modo, 1% do PIB. Por outro lado, os gastos com pessoal e Previdência, que refletirão o bom aumento do salário mínimo e os reajustes generalizados para os servidores públicos, consumirão uma fatia maior do orçamento, pois cresceram 27% no primeiro trimestre, enquanto a arrecadação é cadente. Uma das maiores fontes de descompressão fiscal, na verdade, será dada pela economia no pagamento de juros. Eles deverão cair a um dígito e propiciar, segundo analistas, uma economia de até R$ 15 bilhões em relação ao ano passado.
Dessa forma, haverá mais gastos, mas uma parte não desprezível deles já está destinada a cobrir despesas correntes, indevidamente elevadas em 2008, quando a crise financeira já se instalara. Haverá mais algum espaço para investimentos, principalmente da Petrobras, embora isso não signifique que eles serão de fato realizados. A execução do Programa de Aceleração do Crescimento continua fraca. Até meados de abril, apenas R$ 6,5 bilhões dos R$ 49 bilhões previstos haviam sido empenhados.
O governo está também comprometido com renúncias fiscais a conta-gotas, em vez de optar por redução da carga de tributos mais ampla - ele cortou impostos para cadeados, mas não para máquinas e equipamentos. E esticou a rede de subsídios para além do ano fiscal, com o programa de habitação, que cobrirá despesas das moradias para a pessoas com renda de zero a 3 salários mínimos.
Sempre que há abertura dos cofres do governo central, as pressões políticas se amplificam. A União já garantiu aos municípios que manterá o mesmo volume de recursos do fundo de participação de 2008. Acena com algum afago aos Estados, que já alinharam uma lista de reivindicações estranhas à Lei de Responsabilidade Fiscal. Com o discurso de que a hora para gastar é agora, assanham os aliados a trocar fidelidades por dinheiro.
A disputa presidencial foi aberta antes do tempo, porque o governo não tem um candidato forte, popular ou reconhecido. Precisará torná-lo viável em apenas um ano e meio e para isso precisa de todo o apoio que puder conseguir. A opção preferencial pelo PMDB - não exclusiva - já indica que o nível geral de gastos tende a subir. Depois de reduzir o esforço fiscal e pregar que chegou de novo a vez do Estado, o governo dificilmente legará a seu candidato à sucessão um discurso austero. O espírito do momento, de aumento de gastos, coincide com o espírito eterno de vastos setores do petismo e do governo que se sentiram desconfortáveis com a política econômica austera legada a Lula e adaptada por ele segundo as conveniências. Em uma campanha presidencial dura e incerta, a tentação de jogá-la fora não é pequena.