Título: Vale já vende minério de ferro com desconto de 20%
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Fonte: Valor Econômico, 20/04/2009, Empresas, p. B1
Enquanto não se define a disputa pelo reajuste do minério de ferro para este ano, a fraca demanda pela matéria-prima do aço vem ditando as negociação entre mineradoras e siderúrgicas em meio à crise global. O mercado à vista tem suplantado o sistema de referência anual, padrão adotado nos anos 60 que corre o risco de sucumbir às pressões da China, país que domina hoje 80% do mercado transoceânico de minério. A própria Vale, defensora ferrenha desta forma de fixação de preços, já está vendendo minério com desconto provisório de 20% para as usinas chinesas, com as quais tem contrato, como estratégia para garantir posição no que é um dos seus maiores mercados, conforme apurou o Valor.
Roger Agnelli, presidente da Vale, admitiu ao Valor que a flexibilização do desconto provisório é uma negociação "caso a caso, dia a dia" na atual situação de mercado, em que a questão não é preço, mas demanda. Ele nega, no entanto, que a mineradora esteja operando no mercado à vista, conforme informações de analistas de bancos e consultorias. Para Agnelli, porém, "a Vale não tem dogmas". E afirmou que "se for do interesse dos clientes que o "spot" é a melhor solução neste momento, a Vale os acompanha". O executivo considera o benchmark - que garante o preço por 12 meses - o melhor sistema de reajuste. Ele observa, porém, que a manutenção do preço de referência anual vai depender da definição dos clientes. A prioridade é atender seus clientes. "Se eles mudarem de posição em relação ao benchmark, a Vale também muda. Da forma como está hoje, não está bom para ninguém", declara.
No mercado de minério de ferro, a expectativa é que as negociações de preço deste ano podem desaguar num sistema misto: preço livre e preço de referência. O padrão poderia predominar em mercados fora da China. A Europa e os países das Américas, inclusive Brasil, estão com a siderurgia operando com alto nível de ociosidade, acima de 50%. Pode ser que as usinas destes países queiram se proteger de maior volatilidade optando pelo benchmark, avalia um especialista do setor de mineração.
A Rio Tinto, segunda maior mineradora de ferro do mundo, estaria liderando as negociações, priorizando o sistema padrão, enquanto BHPBilliton insiste na criação de um índice que se baseia em cotações para o minério em bolsa, como acontece com os metais na Bolsa de Londres, a LME.
A Vale já demonstrou que será pragmática neste ponto, conforme disse Agnelli. O executivo crê que a vigência do sistema de mercado livre dificulta violentamente a previsibilidade das mineradoras em termos de produção. "Se for tudo para o spot, é preferível reduzir o risco e passar a regular produção e investimento. O benchmark (referência) é uma garantia de menos volatilidade".
Para pôr mais lenha nesta discussão que vem sendo travada nas rodadas de entendimento entre siderúrgicas e mineradoras, a Bolsa de Cingapura anunciou sexta-feira a criação de um "contrato de swap" de minério de ferro em mercado de balcão, que começaria a operar em 27 de abril. Para o analista no Brasil do fundo de investimento americano Triogem Asset Management, José Maurício Haddock-Lobo, esta iniciativa pode ser um primeiro passo para a criação de um contrato futuro da matéria-prima em bolsa, pois o contrato de swap irá dar transparência aos preços no mercado à vista, criando uma curva de preços do mercado livre.
Atualmente, a única referência que se tem do "spot" é o Baltic Dry Index, um índice que informa o comportamento dos fretes marítimos. No momento, o que existe em termos de contrato de minério no mercado livre são os contratos negociados pelos bancos Credit Suisse e Deustche Bank, que já fazem negócios em mercado de balcão com o minério há um ano.
Vários bancos estrangeiros divulgaram relatórios na semana passada com enfoque nesse tema, envolvendo a Vale. O JP Morgan, em material para clientes sobre reunião de investidores com a Bradespar, uma das acionistas da Vale, aprovou a presença da empresa no mercado livre, fato confirmado pela Bradespar no encontro. Isso não é visto por analistas do banco como ameaça ao sistema padrão defendido pela Vale, mas como reação tática de uma produtora ao atual ambiente hostil no setor. "É uma estratégia de curto prazo da Vale que visa defender sua posição no mercado chinês, onde os australianos têm negociado abertamente minério no spot", argumenta o relatório assinado por Rodolfo de Angele e Fábio Bevilaqua".
A Bradespar informou ainda na reunião que as vendas da brasileira no mercado livre aconteceram no primeiro trimestre deste ano e tiveram desconto médio em relação ao preço de contrato de 14,1%. Isso vai impactar negativamente a receita do período, mas pode surpreender em relação ao volume, que segundo foi anunciado pela própria Vale, somou 30 milhões de toneladas, um recorde. A Bradespar destacou, por outro lado, que parte considerável das vendas têm sido feitas na modalidade Custo e Frete, baseada em preços de referência de contratos.
O relatório do Citi aponta presença agressiva da mineradora no mercado livre da China. O banco atribui a queda dos preços no spot, hoje na faixa de US$ 60 a tonelada, à entrada da Vale. Seus analistas projetam vendas de 215 milhões de toneladas de ferro pela Vale em 2009 - 50 milhões em cada um dos dois primeiros trimestres, 55 milhões no terceiro e 60 milhões no quarto. Segundo o Citi, a exposição da Vale ao minério subirá para 81% neste ano, ante 51% em 2008, devido à retração dos dos metais, como níquel e cobre.
A Merrill Lynch também divulgou relatório informando sobre a recente queda do preço do minério no mercado à vista, entre 20% e 25%, e prevendo que o atual preço pode estar se aproximando do seu piso. A ML aposta que os preços do minério de ferro da Vale podem cair 20%. neste ano.