Título: Para Serra, BC de Lula faz história como Ponzi
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Fonte: Valor Econômico, 29/04/2009, Política, p. A15
Antes das 10h da manhã, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), já estava a postos para uma dos mais cáusticos discursos sobre a condução das políticas do governo federal em reação à crise econômica. Numa indicação de que aposta no tema para alavancar sua candidatura à Presidência da República em 2010, o governador desfiou por mais de uma hora, com pitadas de um bom humor ferino, críticas às políticas monetária e fiscal do governo federal. Extremamente à vontade durante um seminário sobre os efeitos da crise econômica mundial organizado pela Fundação Getulio Vargas, o governador de São Paulo relacionou a política de juros altos praticadas pelo Banco Central aos célebres esquemas fraudulentos praticados pelo italiano Charles Ponzi na Nova York dos anos 20.
Intercalando tiradas irônicas e um tom quase professoral, José Serra dominou o púlpito do auditório da FGV durante boa parte da manhã para falar sobre como está reagindo à crise que está impactando São Paulo e criticar as medidas adotadas pelo governo federal para combatê-la. O foco principal do governador de São Paulo, uma vez mais, foi a atuação do Banco Central. Para Serra, a instituição financeira máxima do país tem mantido as taxas de juros em níveis "siderais" com o objetivo de valorizar a moeda brasileira, e não combater a inflação.
Estrela única de um evento que previa, inicialmente, a presença de quatro governadores de Estado, além da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, José Serra reforçou a estratégia que deve marcar o acirramento dos debates até 2010 sempre realçando como contraponto as iniciativas de seu governo.
O governador também aproveitou o evento para destacar as ações que seu governo vem tomando para combater a crise. Serra reafirmou a austeridade fiscal e o combate a sonegação e comemorou uma ampliação de 1,2% nas receitas estaduais no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Ao criticar as sucessivas quedas na arrecadação federal o governador de São Paulo acabou ressuscitando a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, extinta com o apoio de seu partido. "A arrecadação da CPMF, por exemplo, foi uma das que mais caiu e isso está associado à retração no crédito", afirmou o governador, desatento à gafe.
Criticando os reajustes ao funcionalismo concedidos pelo governo, que devem impactar as contas do próximo mandato, Serra também fez questão de destacar sua preocupação com o controle das despesas do Estado. "Nós estamos determinados a não ampliar as despesas correntes", diz o governador. "Apenas o Estado de São Paulo teve o dobro do superávit fiscal do governo federal e a capital, comandada pelo prefeito Gilberto Kassab, teve um superávit equivalente a mais de 50% daquele conseguido pelo governo neste início de ano".
Serra vinha fazendo críticas pontuais à política monetária em eventos públicos desde o início do ano, mas ontem subiu o tom: "Como no esquema Ponzi, a política monetária brasileira vai acabar entrando para a história da economia mundial", disse o governador.
Charles Ponzi ficou notório por criar esquema fraudulento de investimentos lastreados em selos internacionais emitidos na Europa. O imigrante italiano, que havia chegado nos Estados Unidos no início do século passado, percebeu que os selos comprados em países europeus poderiam ser usados nos EUA para remessas internacionais. O lucro da operação viria da diferença entre os preços praticados na Europa e os americanos, mais caros.
Prometendo remuneração de até 50% em 45 dias em pouco tempo o pobre imigrante italiano se tornou em uma espécie de Bernard Madoff dos anos 1920. Com recursos de novos investidores, remunerava aqueles que haviam aplicado antes, que por sua vez voltavam a aplicar o que haviam ganho. Milhares de americanos hipotecaram sua casas, venderam bens ou fizeram empréstimos para entrar na ciranda financeira de Ponzi, que utiliza o que hoje se tornou conhecido como esquema de pirâmide. Após alguns anos de grande prosperidade, Ponzi quebrou. Foi deportado para Itália e emigrou novamente, desta vez para o Brasil, onde morreu na miséria nos anos 40.
Ao relatar o esquema de Ponzi à plateia formada por estudantes, professores e prefeitos paulistas, o governador de São Paulo recomendou que os docentes da GV incentivassem seus alunos a escreverem teses sobre a experiência brasileira de taxas de juros altas e câmbio valorizado. "É um caso raro na história econômica, precisamos até criar um nome para isso", disse o governador, arrancando risadas tímidas da plateia. "Eu até tenho uma sugestão para batizar essa ciranda da felicidade que foi criada aqui, mas vou guardar para depois das eleições", afirmou Serra, sorrindo, em um dos momentos do bom humor que marcou sua apresentação.
Serra também se colocou como um líder nas alegadas injustiças federativas do país. Afirmou que os Estados e municípios precisam de mais repasses da União para combater a crise e criticou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que apenas atinge os Estados e municípios e não a União. "Os Estados e municípios não têm capacidade para fazer medidas anticíclicas contra a crise e são eles os responsáveis por 80% dos investimentos públicos no país".
Apesar das críticas duras às estratégias do Banco Central, o governador de São Paulo afirmou concordar, em parte, com as ações de desoneração aplicadas pelo governo federal, como a redução do IPI para diversos produtos de bem de consumo. A medida que beneficia Estados concentradores da política automobilística, como São Paulo, teve um elogio comedido do governador: "Eu concordo no atacado, acho que poderia ser mais bem feito, mas é uma atuação correta".
Com ameaça de greve de diversos setores do funcionalismo público, o governador de São Paulo aproveitou o evento para criticar os sindicatos estaduais que, segundo Serra, estão ligados ao PT. "Estamos na véspera de um ano eleitoral, os sindicatos são do PT, então está todo mundo pronto para fazer alguma greve para obter algum rendimento político", afirmou o governador.