Título: Obama impôs sua marca em 100 dias de governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2009, Opinião, p. A16

Diz a sabedoria política convencional que um presidente novato deve tentar concentrar esforços em poucas e bem definidas metas e persegui-las uma de cada vez. O presidente Barack Obama desafiou as convenções e, em seus cem primeiros dias de governo, encaminhou uma enxurrada de medidas e planos de governo em todas as frentes possíveis. O saldo inicial é amplamente positivo e não se pode dizer surpreendente - o próprio Obama havia dito que faria exatamente isso. É cedo para dizer que o novo presidente vai ser bem sucedido diante da ampla gama de desafios que começou a ser enfrentada. Mas um dos objetivos centrais de sua estratégia para o início do governo foi atingido. Obama deixou claras a diferença de políticas e atitudes em relação a George Bush e demonstrou que não poupará esforços para cumprir suas principais promessas de campanha. O presidente imprimiu sua marca doméstica e externa.

Obama agiu com mais rapidez e precisão na arena externa, onde definições eram urgentes e imprescindíveis. Ele deslocou o centro do combate ao terrorismo para o Afeganistão, ratificou politicamente a saída do Iraque e deu sinais muito claros de que os EUA não continuarão a aceitar passivamente a política de Israel em relação aos palestinos, que perpassa todas as crises no Oriente Médio. Para demarcar nitidamente a mudança, Obama distendeu relações com inimigos declarados da administração Bush, como o Irã, e chamou para a mesa de negociações países que ameaçavam grandes confrontos diplomáticos, como a Rússia.

Especialmente delicada é a manobra iniciada para demover o regime iraniano de obter capacidade nuclear para fins militares, ainda mais diante das reiteradas provocações do presidente Mahmoud Ahmadinejad. O Irã tem papel importante em várias frentes, como no tumultuado xadrez da política libanesa, onde apoia o Hizbollah, e na Faixa de Gaza, onde respalda o Hamas. Inimigo da Al-Qaeda e do Talibã, pode ser um potencial aliado em relação ao Afeganistão. Os problemas maiores surgem agora dos aliados, como Israel, que deu guinada à ultra-direita, em um retrocesso repleto de riscos para a região.

Em outras paragens, o novo governo relaxou proibições a Cuba e já mantém reuniões com diplomatas da ilha. Desarmou a agressividade antiamericana de Hugo Chávez, da Venezuela, na Cúpula das Américas, e abriu espaço para um entendimento pragmático e menos ideológico com os países da América do Sul.

Em outra iniciativa de grande envergadura, recolocou os EUA nas negociações sobre as metas para enfrentar o aquecimento global que sucederão as definidas pelo Protocolo de Kyoto. Ao mesmo tempo, empurrou os democratas no Congresso para que tentem obter rapidamente a aprovação de sistema de créditos de carbono e aprovar planos que preveem reduções expressivas do uso de combustíveis fósseis.

No cenário doméstico, Obama revogou o fundamentalismo de Bush ao liberar fundos do governo para pesquisa com células-tronco originárias e encaminhou o maior orçamento da história para a ciência. O maior desafio, porém, não foi vencido: a crise bancária e a recessão. A situação dos bancos permanece quase igual à do início da crise - as instituições financeiras continuam penduradas em apoio estatal que já ultrapassou US$ 1 trilhão. A recessão se aprofunda e trará mais créditos incobráveis para os balanços dos bancos. Sem resolver a situação dos bancos a economia não será consertada e não há garantias de que a solução escolhida vá funcionar. E dessa resolução da crise depende crucialmente o futuro político de Obama.

Houve percalços. A política de aproximação com os republicanos encontrou inesperada resistência, que ameaça os principais objetivos de Obama, como a difícil aprovação da reforma do sistema de saúde. Republicanos e alguns democratas bombardeiam a redução dos subsídios agrícolas e tornarão bem mais complicada a obtenção eventual de mais recursos para sanear as instituições financeiras. Além disso, a crise econômica cria novos focos de tensão em um mundo que os alicerces se tornaram bastante instáveis. Um bom começo na Presidência não é uma garantia de sucesso, mas aumenta bastante a chance de obtê-lo.