Título: Alteração processual poderá viabilizar penhora de receita
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Algumas propostas lançadas pelo governo federal desde o fim do ano passado começam a abrir caminho para o uso a penhora do faturamento de empresas em dívida com o fisco. Mas, ao contrário do caminho mais curto - a mudança na Lei de Execução Fiscal -, a possibilidade de penhora pode vir com uma alteração no Código de Processo Civil (CPC). O instrumento está previsto em um dos projetos enviados pelo Ministério da Justiça como parte da reforma infraconstitucional do Judiciário. Tributaristas observam ainda outros projetos que podem dar respaldo à penhora sem prevê-la explicitamente. A mudança no CPC foi incluída pelo Ministério da Justiça dentro de um pacote de mudanças na execução de títulos extrajudiciais. Como o código é aplicado subsidiariamente nas ações fiscais, sua alteração pode ser uma forma indireta de viabilizar uma mudança tentada sem sucesso via Lei de Execução Fiscal. O governo tentou três vezes inserir a mudança nas Medidas Provisórias nº 206 e 219, convertidas pelo Congresso em dezembro, mas encontrou resistência. Segundo o procurador-chefe da Procuradoria Fiscal de São Paulo, Clayton Eduardo Prado, a legislação e o Judiciário na verdade permitem a penhora. Mas o mecanismo é inviabilizado na prática por uma jurisprudência que impõe a nomeação de um administrador na empresa executada. A mudança proposta no Código de Processo Civil, que cria o parágrafo 3º no artigo 655 do CPC, apenas substitui a figura do administrador fixada na jurisprudência por um depositário, o que, de acordo com Prado, já é suficiente para tornar o instrumento viável para a Fazenda. O assessor jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Hélcio Honda, vê duas outras propostas encaminhadas pelo governo que dão respaldo indireto à penhora do faturamento. Uma delas, já aprovada, é a previsão da indisponibilidade de bens do contribuinte em débito com o fisco, que foi incluído na Lei Complementar n° 118/05, que altera o Código Tributário Nacional, aprovada junto com a nova Lei de Falências. Outro projeto que ajuda a penhora é uma proposta do Ministério da Justiça de alteração na Lei de Execução Fiscal, que estava sob consulta pública até dia 28 de fevereiro. O texto do ministério entrega à procuradoria a prerrogativa de nomear bens à penhora - o que, para advogados, facilita o trabalho da procuradoria para penhorar dinheiro - ou renda- em detrimento de outros bens. De acordo com Clayton Eduardo Prado, a Fazenda de São Paulo já tentou realizar a penhora de faturamento obedecendo à regra da nomeação de um administrador, mas o resultado foi um fracasso. O precedente foi em uma ação de execução contra a Fama Ferragens, que tinha uma grande dívida de ICMS. Mas o administrador não conseguiu recuperar nenhum dinheiro para o Estado, e a prática foi abandonada. Segundo Prado, uma possibilidade elaborada por juízes foi a nomeação de fiscais de rendas para a tarefa, mas a hipótese seria inviável para a Fazenda. A administração traria muita responsabilidade para o Estado e para o servidor, dificuldade agravada pelos quadros enxutos das procuradorias. Com a possibilidade de o juiz nomear um depositário, o quadro mudaria, diz Prado, pois assim seria possível o juiz nomear um gerente da própria empresa. Segundo a proposta de alteração do CPC, o plano de pagamento ao fisco seria submetido ao juiz, o que reduz a chance de fraudes. O depositário pode ser preso em caso de descumprimento das obrigações, única hipótese em que há prisão civil, ao lado da falta de pagamento de pensão alimentícia. Para o administrador, essa possibilidade não estaria definida. De acordo com José Carlos Tavares Sarmento, procurador-chefe da dívida ativa do Estado do Rio de Janeiro, até poucos anos atrás era possível a penhora de faturamento das empresas com a indicação de um diretor da empresa como depositário. A situação mudou com uma jurisprudência formada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que impôs a nomeação do administrador. "O lobby das empresas é muito forte nos tribunais superiores", afirma. O que ocorreu, diz Sarmento, é que STJ passou a entender que a penhora de renda - que não é prevista no CPC - tem que seguir os moldes da penhora da própria empresa - que é prevista. "Acaba funcionando como se fosse em uma falência", afirma. O procurador-adjunto da Procuradoria da Fazenda Nacional, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar, diz que a jurisprudência do STJ, nas duas turmas de direito público, é favorável à penhora de faturamento em percentuais variáveis - às vezes 5% ou 10%. A proposta encaminhada pela Fazenda era a de fixar esse percentual em 10% e eliminar a figura do administrador. Depois das tentativas frustradas no Congresso, o procurador-geral da Fazenda, Manuel do Rêgo Brandão, diz que não há planos de retomá-las por parte da procuradoria.