Título: Atos de concentração e reversão pelo Cade
Autor: Eduardo Schuc
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Recentemente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alterou a sua interpretação acerca de uma das hipóteses legais autorizadoras da análise, pelo órgão, de operações de fusão, aquisição e incorporação de empresas - os chamados atos de concentração. O pressuposto contido no parágrafo 3º do artigo 54 da Lei nº 8.884, de 1994 delimita as operações em que haverá análise por parte do Cade, sendo uma delas quando o faturamento bruto anual do último balanço de empresa envolvida na operação for equivalente ou superior a R$ 400 milhões. Pela interpretação anteriormente dada pelo órgão, este valor compreendia o faturamento mundial das empresas envolvidas. Com a recente mudança de entendimento, limitou-se o montante ao faturamento da empresa no Brasil. Certamente que tal raciocínio interpretativo tem como conseqüência um foco maior, por parte do Cade, nos atos de concentração mais relevantes, diminuindo o número de casos a serem analisados. Há que se visar, entretanto, um resultado de suma importância a ser atingido no controle da concorrência no país: a análise preventiva das fusões, aquisições e incorporações, evitando-se ao máximo a reversão da operação após a sua realização e sedimentação no mercado. A história recente do direito concorrencial brasileiro apresenta relevantes casos em que o controle e o julgamento de casos, por parte do Cade, se deram em momentos muito posteriores à operação, determinando a reversão de todo o negócio e da nova estruturação societária já adotada. Um exemplo de grande repercussão foi a aquisição da fábrica de chocolates Garoto pela Nestlé, operação esta vedada por decisão do órgão após um longo tempo de análise, e que determinou a venda, por parte da compradora, para uma concorrente. Outra operação já realizada, mas que pende de julgamento, é a criação da Brasken, gigante do setor petroquímico, que poderá ser embargada meses após a sua realização. É preciso ter em mente que a reversão posterior de uma grande operação de fusão, aquisição ou incorporação, além de ser materialmente muito difícil e despender uma grande quantidade de recursos, pode acarretar consideráveis prejuízos às empresas participantes, aos seus acionistas e ao próprio mercado como um todo, uma vez que gera uma sensação de insegurança jurídica nos investidores.

A reversão posterior de uma grande operação pode acarretar prejuízos às empresas, acionistas e ao próprio mercado

Diversos outros interesses e valores, além da proteção à livre concorrência, participam das atividades negociais e de mercado, devendo ser tutelados. Princípios como o da proteção à propriedade privada, à função social da propriedade, à função social da empresa, à defesa dos consumidores e dos investidores e o da preservação da empresa fazem parte do sistema concorrencial, mas, geralmente, acabam suplantados por medidas bruscas e a posteriori visando, substancialmente, reverter concentrações de mercado. O próprio desenvolvimento das atividades das empresas envolvidas em um ato de concentração que seja barrado muito tempo após a sua implementação pode ser fortemente comprometido, visto que estruturas físicas, produtivas e de pessoal envolvidos acabam afetadas pelo desfazimento do negócio. O valor das ações das empresas também oscila diretamente em razão de tais decisões, o que pode gerar graves conseqüências financeiras tanto para a companhia quanto para seus investidores. É possível que se imagine certas situações negociais em que a reversão de uma fusão, aquisição ou incorporação leve empresas envolvidas a profundas crises financeiras, inclusive limitando sua capacidade de manutenção no mercado. Desta forma, é factível a configuração de um conflito entre a necessária preservação da livre concorrência e a preservação da empresa e do mercado de investimento, principalmente em razão do descompasso existente entre a consecução da operação e a determinação da reversão de uma operação societária já consolidada. Por óbvio que os atos de concentração contrários à legislação e aos princípios que regem a ordem econômica devem ser coibidos e até mesmo revertidos. Entretanto, a ação do Cade, em conjunto com a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e com a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) deve se dar - sob pena de ser ineficiente e causar prejuízos a um conjunto de valores - na forma de um controle prévio ou mais simultâneo à operação, o que representaria uma grande minimização dos danos a todos os envolvidos. Felizmente, as perspectivas no sentido de dar maior ênfase ao controle da concorrência a priori, principalmente das condutas dos agentes de mercado, são boas, tanto no que concerne às práticas dos órgãos reguladores - mais envolvidos no controle das condutas adotadas pela empresas - quanto à atuação do Poder Legislativo, que analisa atualmente um projeto de lei modificativo da Lei nº 8.884/94, criando mecanismos de concorrência baseados, mais acentuadamente, na prevenção dos atos de concentração, agilizando os julgamentos por parte do Cade.