Título: Alemanha inicia maior reforma trabalhista
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2005, Internacional, p. A7

Tente ligar para um servidor público alemão às 15h e é muito provável que não terá resposta. O escritório da Agência Federal de Emprego em Berlim, porém, ficou aberto até as 22 horas, inclusive nos fins de semana, em dezembro. A cena se repetiu em 180 centrais de emprego pela Alemanha. Milhares de funcionários trabalharam em turnos extras para preparar o lançamento em 1º de janeiro do "Hartz IV", a mais importante reforma trabalhista desde a Segunda Guerra Mundial no país. O conceito básico da lei, "sanção e apoio", funcionou em outros países. Ela corta benefícios para quem não está disposto a trabalhar e deve ajudar outros a achar trabalho com mais rapidez. Em novembro, 4,64 milhões de alemães estavam desempregados (10,8% da força de trabalho). Cerca de um milhão terão seus benefícios reduzidos. Os desempregados de longa data eram atendidos por duas áreas do Estado do Bem-Estar Social. Se a pessoa jamais trabalhou, sua cidade pagava um "benefício de renda mínima". Se a pessoa esteve empregada por um período mínimo, a Agência Federal de Emprego pagava auxílio-desemprego vitalício, numa proporção ligeiramente superior à renda líquida anterior. Isto gerava pouco incentivo para procurar trabalho legalmente registrado. Por isso, o governo está fundindo os dois benefícios em um único, que oferece garantia de renda mínima para todos os desempregados de longa data. Os pagamentos mensais para uma família na parte ocidental da Alemanha serão de 345 euros (US$ 470); na parte oriental, de 331 euros. Em ambos os casos, os beneficiários receberão ainda quase o mesmo valor na forma de subsídios de aluguel e calefação. O que parece fácil de entender na teoria é complicado na prática. Para começar, os detalhes da reforma Hartz sofreram mudanças. O governo, para fazer frente aos protestos, esteve elaborando os ajustes finais ainda no mês de setembro. Isto deixou só alguns poucos meses para preparar o lançamento do novo sistema. Já as centrais de emprego e os escritórios da previdência municipal não sabiam o bastante a respeito de seus usuários para determinar a sua qualificação pelas novas regras. Enviaram questionários de 16 páginas a cerca de 3,8 milhões de desempregados de longa data e a beneficiários da previdência solicitando informações sobre tudo, desde a renda e poupança dos demais membros da família até necessidades dietéticas especiais. Uma coleta de dados nessa escala é uma verdadeira proeza, mas o cálculo do benefício é ainda mais árduo. Codificar a legislação previdenciária alemã é um pesadelo para os programadores. O cumprimento deste prazo tão apertado só foi possível porque a Prosoz, empresa de software alemã, já havia desenvolvido o núcleo do aplicativo. Novas tecnologias de software foram utilizadas para elaborar um serviço acessível pela internet. Pela primeira vez, a Alemanha terá um banco de dados praticamente completo dos seus desempregados, facilitando a avaliação de treinamento e a detecção de fraudes. O primeiro desafio será integrar partes das centrais de emprego com os escritórios da previdência social. Na maioria dos lugares, elas administrarão o novo benefício conjuntamente e ajudarão os seus clientes a buscar trabalho. As duas burocracias têm, contudo, duas culturas distintas: uma é hierárquica e tem se concentrado em pagar benefícios, ao passo que a outra enxerga sua principal tarefa como guardiã social e goza uma reputação de independência. Por enquanto, a operação correu de forma surpreendentemente tranqüila. Com uma semana para o término do prazo, 94% dos questionários enviados retornaram e foram emitidos comunicados de benefícios para 2,2 milhões de famílias. Melhor ainda, a ameaça de não receber o novo benefício levou muitos desempregados a procurar trabalho com mais empenho. Mesmo assim, muito ainda pode dar errado. Muitos dos que já receberam o comunicado de benefício alegam que os cálculos estão errados. Alguns temem a retomada dos protestos contra a reforma, a partir de hoje, até mesmo com violência. E ao menos 150 mil pessoas não receberão o benefício de janeiro por conta de problemas de informática. E pior: o desemprego pode subir antes de cair, pois os beneficiários da Previdência que podem trabalhar serão agora classificados como desempregados. "Estou tenso mas confiante de que a mais ampla reforma do mercado de trabalho da história da Alemanha será um sucesso", disse ontem o ministro da Economia, Wolfgang Clement. Ele espera reduzir pela metade o número de desempregados até 2010. As apostas são elevadas. Se o Hartz IV der certo, a Alemanha terá dado um grande passo para ajudar sua legião de desempregados a passar da ajuda governamental para o trabalho. Se fracassar, haverá pressão para desmontar a Agência Federal de Empregos, ou privatizá-la. E a popularidade do premiê Gerhard Schröder, que vem aumentando, poderá desabar.