Título: Selic tem espaço para voltar a cair
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2009, Finanças, p. C1
Ao contrário das expectativas que vêm se formando no mercado, há espaço para a taxa básica de juros (Selic) continuar a trajetória de queda. A economia está crescendo muito abaixo do seu potencial, indicando que existe território para a recuperação, sem a ameaça de uma explosão inflacionária. Na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que termina amanhã, os diretores do Banco Central (BC) podem baixar a Selic em 75, 100 ou 150 pontos básicos. Seja qual for o movimento, não significará o término do processo de alívio monetário.
Nos últimos dias, analistas de mercado concluíram, a partir de exposições públicas feitas por integrantes do BC, que a autoridade monetária está mais otimista que a média do mercado quanto à recuperação do Produto Interno Bruto (PIB). Isso, na avaliação dos analistas, indica que o BC estaria prevendo aceleração da inflação a curto e médio prazo, o que levaria a futuras elevações da Selic para conter esse processo.
Essas análises, segundo avaliações colhidas pelo Valor dentro e fora do governo, não estão levando em conta o espaço criado pela economia, nos últimos anos, para crescer de forma mais rápida sem a perda de controle da inflação. Medida pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), a taxa de investimento, por exemplo, se expandiu de forma acelerada desde o último trimestre de 2005. Nos últimos trimestres, avançou em velocidade 2,5 vezes superior à do PIB. No terceiro trimestre de 2008, o estoque de investimento chegou a 20,42% do PIB, o maior em 15 anos.
Investimentos pesados em máquinas e equipamentos ampliaram a capacidade produtiva do país, facilitando o atendimento da demanda e ajudando o governo a controlar a inflação. Em outra palavras, o potencial de crescimento do PIB brasileiro aumentou nos anos recentes. Em 2002, durante a crise de confiança que se abateu sobre o Brasil, estima-se que o país só podia crescer entre 1,5% e 2% ao ano sem que a inflação subisse acima da meta fixada pelo governo. Em setembro de 2008, o cenário era outro - o PIB, que naquele trimestre cresceu 6,8%, podia avançar cerca de 5% sem provocar alta no custo de vida.
Por causa da crise financeira internacional, os investimentos sofreram forte queda nos últimos meses, o que, em última instância, reduzirá o potencial de crescimento da economia. Por outro lado, muitos dos investimentos feitos em anos recentes estão começando a maturar agora. Com isso, é possível que, na saída da crise atual, o potencial de crescimento, na avaliação de fontes graduadas consultadas pelo Valor, esteja em torno de 3% a 4% ao ano.
Nessa conjuntura, o Brasil deverá terminar 2009 com um grande hiato do produto, ou seja, uma diferença acentuada entre o crescimento efetivo da economia e o seu potencial. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, previu queda de 1,3% para o PIB brasileiro neste ano. O BC, por seu turno, projetou expansão de 1,2%. Mesmo díspares, ambas as previsões estão longe do potencial. Mesmo que, em 2010, cresça 4%, uma hipótese considerada otimista pela maioria dos analistas, a economia brasileira não fechará o hiato, portanto, continuará com capacidade de expandir sem pressão inflacionária.
Nesse cenário, dizem fontes do governo ouvidas pelo Valor, são remotas as chances de que a retomada da economia em 2010, nas dimensões previstas - o FMI fala em alta de 2,5% e o mercado, segundo o boletim Focus, de 3,5% -, provoque inflação. Sendo assim, há espaço para a taxa de juros seguir em trajetória de queda.
A crença nessa possibilidade parte da constatação de que as condições macroeconômicas do país mudaram de forma significativa nos últimos seis anos. No passado, o Brasil sofria com alta vulnerabilidade cambial, com um histórico de câmbio controlado a taxas artificiais e elevado endividamento externo (público e privado). Havia também vulnerabilidade fiscal - a dívida doméstica era de curtíssimo prazo e, em grande medida, estava atrelada à variação do dólar.
Os episódios recorrentes de alta inflacionária geravam grande incerteza quanto às taxas de juros futuras. A incerteza, por sua vez, desestimulava os empresários a investir. O resultado era um produto potencial muito baixo, que obrigava o governo a controlar, por meio de uma política monetária austera, a demanda agregada em patamares deprimidos. A alternativa à não-elevação dos juros era inflação ou crise cambial.
Desde o lançamento do Plano Real, as vulnerabilidades vêm diminuindo. Nos últimos dez anos, muitas desapareceram. A adoção do câmbio flutuante em 1999, a geração de saldos positivos na balança comercial a partir de 2001 (depois de sete anos de déficits consecutivos), a acumulação de reservas cambiais dos últimos cinco anos, a forte queda da relação dívida-PIB e o cumprimento das metas de inflação tornaram o país mais forte e resistente a crises. Em consequência disso, a taxa de investimento cresceu de forma consistente a partir de meados da década atual e o PIB potencial mudou de patamar.
A diminuição das vulnerabilidades permitiu ao Banco Central reduzir a taxa de juros ao longo do tempo (ver gráfico). Na crise atual, a robustez autorizou o BC a adotar uma política de juros anticíclica - pela primeira vez, em muito tempo, o país reduziu os juros em meio a uma crise severa. No passado, turbulências como a vivida agora levavam a autoridade monetária a aumentar os juros para contrair a demanda doméstica e gerar excedentes exportáveis. Era a fórmula usada para evitar uma crise cambial.
Outra característica das crises passadas é que, após o pior momento, o BC reduzia os juros, mas, ao primeiro sinal de recuperação da atividade econômica, as taxas voltavam a subir porque o produto potencial era muito baixo e a demanda tinha que ser contida em patamares reduzidos para não gerar inflação.
Na saída da crise atual, a expectativa é que haverá um hiato do produto que permitirá que a economia cresça de acordo com as taxas previstas pelo mercado, sem pressionar a inflação. Isto não impedirá que a taxa Selic volte a subir em algum momento. Mas o fato é que essa não é uma questão deste momento.
A tendência dos juros, portanto, é continuar caindo. Caberá ao Copom determinar o ritmo e o limite da queda. Quando se reúne, o comitê faz a montagem de modelos econométricos e observa até onde a Selic pode chegar e qual o melhor ritmo para chegar lá. O viés, sustentam as fontes, ainda é de baixa.