Título: Câncer de Dilma lança incertezas sobre a sucessão presidencial
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Fonte: Valor Econômico, 27/04/2008, Política, p. A6

Um segredo bem guardado pelo Palácio do Planalto, por quase um mês, abalou a candidatura do PT a presidente da República e pode mudar os rumos da sucessão de 2010: a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), candidata preferida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há cerca de três semanas fez uma cirurgia ambulatorial para a retirada de um tumor da axila esquerda, e nos próximos quatro meses, terá de se submeter a sessão de quimioterapia, com a duração de quatro horas cada um.

O câncer linfático foi detectado precocemente e as chances de sucesso do tratamento são grande, superiores a 90% (leia reportagem abaixo). Mas a doença, anunciada oficialmente na manhã de sábado, lança incertezas na sucessão. Por enquanto Dilma é a candidata do PT. Ela só viria a ser substituída na hipótese de a doença se agravar, o que não faz parte dos prognósticos até agora conhecidos.

A doença e a reação estóica de Dilma podem até beneficiar a candidatura da ministra, de acordo com as primeiras avaliações do PT e do PSDB, siglas que devem polarizar as eleições de 2010. Mas os petistas já se preparam para patrocinar mudanças na campanha da ministra, sobretudo para lhe aliviar a carga de trabalho nos diversos órgãos de que Dilma participa, além da chefia da Casa Civil da Presidência.

O aspecto positivo, na análise do PT, é que, superando a doença, Dilma terá reforçada a imagem de uma mulher vencedora, uma mulher que sobreviveu à tortura, no regime militar, e agora venceu o câncer. É um upgrade num momento em que o PT temia que a candidatura da ministra pudesse não deslanchar - o plano de voo traçado para a candidatura da ministra na última reunião do Diretório Nacional do partido, há dois meses, previa que ela já deveria estar em patamares superiores ao que atualmente se encontra nas pesquisas de opinião pública, abaixo ainda do deputado Ciro Gomes (PSB).

Não foi outro o motivo que levou o presidente Lula a acelerar campanha da ministra, nas últimas semanas - mais incisivo, mas ainda não tanto quanto gostaria o Partido dos Trabalhadores: pelo PT, a sucessão do presidente da sigla, Ricardo Berzoini, deveria ter sido antecipada e já assumido seu lugar o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, para concentrar as energias do partido na campanha da ministra da Casa Civil.

Pragmaticamente, petistas envolvidos na articulação da campanha dizem que a programação em curso terá de ser reformulada. Os médicos dizem que quatro meses de quimioterapia, uma vez a cada 21 dias, durante quatro horas não impedirão a ministra de continuar trabalhando, mas o PT alerta que isso é verdade em situações sem o excesso de tarefas a que Dilma está acostumada: além de chefiar a Casa Civil, a ministra está fazendo campanha nos Estados, articula com os aliados (no que é ajudada pelo ex-ministro José Dirceu) a indicação de um candidato a vice na chapa, coordena o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além de integrar e participar de pouco mais meia dúzia de conselhos de estatais e comissões de programas de governo.

Mas pelo menos por enquanto, a decisão de Dilma Rousseff é manter o ritmo normal de trabalho. Ela passou o domingo descansando em Brasília e tem viagem marcada hoje de manhã para Manaus, integrando a comitiva do presidente Lula. A agenda prevê sete compromissos, incluindo uma visita às obras da ponte sobre o Rio Negro. Amanhã, Lula vai para o Acre, mas Dilma permanece na capital do Amazonas, onde fará uma exposição sobre o PAC.

"Do ponto de vista da minha atividade, eu vou mantê-la no mesmo ritmo, até porque não há incompatibilidade entre uma coisa e outra. O tratamento não implica que eu tenha de me retrair", disse a ministra em entrevista concedida no sábado, ao lado dos seus médicos no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. "O que está em pauta é enfrentar esse desafio e sair mais forte do lado de lá", afirmou.

O PT, no entanto, tem uma opinião diferente sobre algumas coisas. De acordo com líderes partidários, a ministra terá que repassar algumas de suas funções na Casa Civil. O partido, de um modo geral, confia no prognóstico dos médicos e acha que ela vai superar o câncer, mas avalia também que a doença, neste momento, é mais um complicador e será necessária a reformulação do plano de voo formulado pelo Diretório Nacional.

O PT não tem um Plano B à sucessão, muito embora nas últimas semanas tenha aumentado o desconforto dentro do partido com o fato de a candidatura da ministra não crescer na velocidade imaginada. Que se trata de uma candidatura viável, ninguém tem dúvidas, segundo próceres petistas. Mas começam a surgir incógnitas. A primeira delas - até o descobrimento da doença - era a crise financeira, que começa a corroer a popularidade de Lula.

A pergunta, então, era até quando o discurso oficial do governo e de Lula serviria para atenuar perante a população os efeitos da crise. O discurso da marolinha durou duas semanas. E quanto vai durar o discurso ´dos emergentes o Brasil é o que vai sofrer menos e o primeiro a sair da crise´? Um discurso bem feito ajudaria a catapultar a candidatura de Dilma, mas se levasse a falhas de percepção na opinião pública certamente dificultaria o desempenho da ministra nas pesquisas de opinião pública.

Na percepção do PT, o governo também já começava a ceder à gritaria, caso dos prefeitos que se sentiram prejudicados com a redução das transferências, o que levou o Planalto a desembolsar R$ 1 bilhão para controlar a insatisfação, apesar das reticências do Ministério da Fazenda. E aumentaram as reclamações sobre o PAC, o carro-chefe da campanha. Se o PAC não anda, chama-se Dilma para fazê-lo andar. Mas se ela fica 24 horas à disposição do programa, não tem tempo para a campanha.

Esse era o quadro das discussões no PT até a quarta-feira, quando as primeiras notícias sobre a doença da ministra varreram o partido com a força de um tufão.

Hoje, 48 horas depois do anúncio do câncer da ministra, Dilma é ainda a candidata do governo e do PT, que se encontram sem alternativas. O PT não quer Ciro Gomes, cuja situação se complicou um pouco mais na semana passada, depois de manifestações intempestivas do deputado sobre a crise ética da Câmara. O PMDB já avisara antes ao PT que no caso de a candidatura de Dilma não decolar o partido, que está aliado a Lula, queria apresentar nome para a cabeça-de-chapa.

Esse é um projeto que tem nome e sobrenome: Aécio Neves, o governador tucano de Minas Gerais. Ocorre que, aparentemente, passou o tempo de uma eventual mudança de Aécio do PSDB para o PMDB. O governador de Minas inclusive começa a se acertar com seu colega de São Paulo, José Serra, sobre a eventual data para a indicação do candidato tucano. E nos contatos com o PT, tem mostrado indecisão. Mas a eventual ausência de Dilma na eleição reabrirá todas as articulações sobre a sucessão de 2010.