Título: A América Latina e o G-20
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2009, Opinião, p. A11

A reunião recente do G-20 corroborou o que vem se acelerando desde o começo desta década: o auge e o papel crescente dos países emergentes. Este auge é especialmente da Ásia e, em primeiro lugar, da China, mas é também de outras regiões do mundo, incluindo a América Latina. De fato, nada menos do que três países da região estiveram presentes na mesa do G-20: México, Brasil e Argentina.

É possível inferir três observações importantes desta região, cada qual com implicações para a América Latina.

A primeira é sem dúvida o reconhecimento deste foro internacional como um espaço legítimo e confiável para lidar com a crise global. O mero fato de haver nada menos do que três países da região neste foro é também uma ocasião única para a região impulsionar uma maior coordenação intrarregional e esperar ter maior peso nas decisões internacionais. O G-20 convida a mais buscas de consenso intrarregional e, com eles, a região poderia aumentar a sua influência.

A segunda observação decorre do papel crescente da China, que está se impondo como um dos principais protagonistas do G-20. A cúpula de Londres sem dúvida consagra o dragão chinês como uma das principais potências emergentes. Até bem pouco tempo se discutia se a China poderia ou deveria se somar à Rússia no âmbito do G-8. Como observava o ensaísta Timothy Garton Ash, até pouco tempo atrás a política chinesa parecia vestir-se de modéstia, como se o dragão fosse um lagarto. Há pouco tempo, o dragão despertou. Prova disso são as multiplicações das turnês internacionais do presidente e do vice-presidente da China pela África, Ásia e inclusive pela América Latina. Na mais recente excursão por esta região, em fevereiro de 2009, até o vice-presidente Xi Jinping, tido como o herdeiro de Hu Jintao, se atreveu a dar lições aos países ricos (e aos Estados Unidos em particular), e tudo isso diante de um público chinês na capital federal do México. Bem simbólico.

Também chama a atenção como, já há alguns meses, os líderes chineses vem multiplicando as ações e propostas para mudar o sistema internacional. Em artigo recente, o presidente do Banco Central chinês sugere a criação de uma moeda de reserva internacional acima do dólar e das demais divisas. No mesmo âmbito monetário, a exemplo do Federal Reserve (banco central dos EUA), o BC também concretizou acordos de swap de moeda. Até agora, assinou seis acordos no total, na maioria com países asiáticos, mas o último ocorreu com um país da América Latina - a Argentina. Como se não bastasse, a China agora está fechando o seu terceiro acordo comercial com um país da América Latina, ou seja, com a Costa Rica, depois de tê-lo feito com Chile e Peru. Na recente Cúpula do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ocorrida em Medelin no fim de março, a China estreou como novo membro deste organismo.

O fato de a América Latina estar no radar chinês é em si positivo para a região. Certamente, a China representa um desafio comercial para alguns países da região (seus produtos competem diretamente com os mexicanos, por exemplo, nos Estados Unidos), mas também representa uma oportunidade, não só porque absorve produtos de toda a América Latina (em 2008, as importações chinesas originadas a partir da América Latina mais uma vez superaram os US$ 100 bilhões), mas porque o fato de que o país se interessa pela região aguça os ciúmes dos Estados Unidos e da Europa. Desde que a China passou a se interessar pela África, aumentou o interesse de Washington, Paris e Londres pelo continente.

Uma consequência deste auge para a região é que o que ocorrer ou deixar de ocorrer na China tem agora uma relevância central para as economias da América Latina. Há uma década, um espirro na China passava despercebido na América Latina. Em 2009, as coisas não são mais assim. De fato, logo no começo do ano, por exemplo, uma das incógnitas para a região será precisamente a Ásia e, em particular, a China. Para alguns países da região, como o Chile, por exemplo, a Ásia já é a principal região de destino das suas exportações (35% das exportações chilenas se destinam a esta região do mundo, mais do que na direção da América do Norte ou Europa). Para o Peru, a cifra é de 19% e outros países, como Brasil e Argentina, também dirigem cada vez mais as suas atenções na direção do Pacífico. Desde 1995, o intercâmbio comercial da América Latina e Caribe com a China aumentou 13 vezes, passando de US$ 8,4 bilhões para mais de US$ 100 bilhões em 2007. Em 2008, a China passou a ser o segundo maior parceiro comercial da região, logo depois dos EUA. Como se não bastasse, os preços das matérias-primas, que representam mais de 60% do total das exportações da América Latina, dependem em parte desta demanda asiática, com a China devorando petróleo, cobre, soja e outros produtos estratégicos da região.

A última observação derivada do G-20 de Londres é o novo papel de destaque cobrado pelo Fundo Monetário Internacional. Desde setembro de 2008, o fundo emprestou mais de ¿ 50 bilhões a países emergentes. Há pouco, até o México negociou, de forma muito acertada, uma linha de ¿ 36 bilhões, numa ação preventiva inédita. O país procurou, desta forma, blindar-se com um seguro a mais, algo que os mercados financeiros aplaudiram. O aumento de recursos do Fundo, celebrado em Londres, que elevará a capacidade financeira de ¿ 186 bilhões a ¿ 560 bilhões, é sem dúvida uma boa notícia para os países emergentes, que agora podem dispor desta liquidez tão escassa.

Todas as crises são injustas. A atual, porém, implica um paradoxo e uma injustiça ainda maiores: no mundo dos países emergentes, muitos fizeram as suas lições de casa, se reformaram, apostaram em economias abertas. Haveria certa injustiça se a crise atropelasse todos estes esforços. As empresas emergentes, assim como as dos países da OCDE, conseguiram se voltar para o exterior e se converter em multinacionais. Os indicadores de pobreza melhoraram em muitos países. Deixar que este processo fosse interrompido, ou, pior, que retroceda, seria irresponsável. Por isso, é preciso celebrar o que foi decidido no G-20. Agora seria de se esperar o cumprimento do que foi acertado. A melhor coisa que a América Latina pode fazer é continuar levantando a sua voz. Neste contexto, o G-20 lhe proporciona uma oportunidade única de fazer sua música ser entendida neste concerto barroco de nações. Como no romance de Laejo Carpentier, estamos testemunhando uma mudança de melodia, com a música clássica das décadas anteriores se diversificando agora com ares mais exóticos. Seria de se esperar que alguns deles também sejam latinos.

Javier Santiso é diretor do centro de desenvolvimento da OCDE.