Título: JPMorgan vê oportunidade no Brasil
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Fonte: Valor Econômico, 27/04/2009, Finanças, p. C8
Em meio à crise financeira, o JPMorgan busca aproveitar oportunidades para ampliar mais sua participação no promissor mercado brasileiro, diz Steven D. Black, um dos dois homens mais importantes da área de banco de investimento global em sua quarta visita ao país. Nicolas "Gucho" Aguzin, presidente do banco de investimento do JPMorgan para América Latina e no Brasil, vê uma desaceleração no país em 2009, que poderá forçar alguns bancos concorrentes a saírem do mercado. "Entretanto, os fundamentos de médio e longo prazos continuam fortes e apontam para uma rápida recuperação do Brasil nos anos subsequentes."
Black vê oportunidades no país nas áreas de corretagem de renda fixa e variável, assessoria às fusões e aquisições e de estruturação e venda de títulos de dívida e ações para clientes. Aguzin reconhece que o mercado de emissões públicas iniciais de ações permanece com pouca atividade, mas acredita que algumas companhias brasileiras "de qualidade" lançarão ações em 2009.
Segundo Aguzin, as empresas brasileiras vão continuar a acessar o mercado de dívida por meio da emissão de eurobônus com sucesso, como demonstrado pela Telemar e pela JBS. "Adicionalmente, as melhor capitalizadas terão uma oportunidade única de consolidar suas indústrias e de se expandir para fora do Brasil", afirma. Hoje, o JPMorgan tem 300 funcionários no país.
Com os olhos de um legítimo representante de Wall Street, Black considera que é até mesmo difícil dizer que o Brasil está em crise. Afinal, segundo percebeu ele, no país o debate é se as taxas de crescimento da economia serão ligeiramente positivas ou ligeiramente negativas, enquanto nos Estados Unidos, um dos países mais afetados pela retração, as apostas de queda no Produto Interno Bruto ficam entre 4% e 5%.
Em meio a uma das maiores crises de crédito da história, o banco de investimento do JPMorgan conseguiu ter lucro líquido e de receitas líquidas recordes no primeiro trimestre do ano, comemora Black. Foram US$ 8,3 bilhões e US$ 1,6 bilhão, respectivamente. Na área de emissões de títulos de dívida para os clientes o JPMorgan também teve receitas recordes no primeiro trimestre: US$ 593 milhões, aumento de 63%, graças ao mercado mais forte e aos spreads maiores pagos pelos clientes com os empréstimos sindicalizados.
Black notou também, animado, que as receitas com comissões no mercado de dívida, de fusões e aquisições e de emissão de ações chegaram a US$ 1,4 bilhão, bem perto do recorde histórico de todos os tempos de US$ 1,9 bilhão para qualquer banco de investimento obtido pelo JPMorgan em trimestre de 2007. Até o mercado de emissões públicas iniciais de ações está retomando, acredita Black, lembrando que o banco acaba de realizar duas transações nos Estados Unidos.
Especialista no mundo dos bancos de investimento, no qual passou toda sua carreira - Black começou em 1974 como trainee na então Smith Barney -, o executivo aposta no modelo de instituição global, que atua em quase todos os centros financeiros do planeta, oferecendo gama completa de serviços e produtos e negociando muitos tipos de ativo. São essas instituições financeiras que têm mais condições de sobreviver aos ciclos de atividade normais aos bancos de investimento, acredita. Afinal, se o mercado de emissões de ações está fraco, o de lançamento de títulos de dívida pode estar movimentado, como neste primeiro trimestre, e um banco que atua em todas as áreas tem mais chance de ganhar.
Segundo ele, havia uma demanda reprimida pela emissão de papéis por parte até mesmo de empresas, bancos e governos de baixo risco de crédito, na categoria grau de investimento, após o último semestre do ano passado difícil, particularmente o último trimestre, a partir do dia 15 de setembro, com a quebra da Lehman Brothers. Quando o mercado de eurobônus se normalizou, toda essa demanda teve de ser exercida. E os investidores aproveitam para comprar títulos de empresas de primeira linha com retornos atrativos.
Black não nega, no entanto, mudanças drásticas em Wall Street nos últimos 12 meses. Ele lembra que os bancos de investimento independentes ou quebraram, como o Lehman Brothers, ou foram adquiridos, como o Bear Stearns e o Merrill Lynch, ou viraram holdings do setor financeiro, como o Goldman Sachs e o Morgan Stanley.
Isso não quer dizer, frisa ele, que essas holdings financeiras vão se tornar um banco de depósitos, um grande banco comercial ou de varejo. Também não significa, no seu entender, que os bancos de investimento não continuem a ser um bom negócio sob a perspectiva do mercado de capitais, do atendimento e apresentação de soluções aos clientes ou corretagem. Os próprios resultados do JPMorgan mostram que é possível aproveitar oportunidades nos momentos difíceis e conseguir lucros polpudos.
Para o executivo, no novo mundo das finanças, acabou a arbitragem entre os bancos de investimentos, menos regulados e com mais poder de alavancagem, e os grandes bancos múltiplos. A tendência é de todos os bancos passarem a ser regulados de forma igual pelo mesmo e único regulador nos importantes centros financeiros do mundo. Antes da crise, nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Comission (SEC) controlava os bancos de investimento puros independentes, e o Fed mais a Office of Comptroller of the Currency (OCC) regulavam os demais. Segundo Black, esse regulador único em cada país passará a ter uma ação mais coordenada com outros reguladores de outras partes do mundo.
O executivo vê também importantes mudanças nas regras para os bancos. Na sua visão, daqui para frente será necessário mais capital regulatório para as instituições financeiras tomarem risco e assumirem posições proprietárias. As regras de capitalização previstas no chamado acordo de Basiléia 2 vão mudar e dramaticamente, acredita Black. Ele aposta que os reguladores vão se tornar muito mais prescritivos para estabelecer as necessidades de capital.
Black descartou vender ativos do banco no programa de parceria público-privada proposto pelo governo do novo presidente americano Barack Obama. Na sua visão, o JPMorgan não tem ativos tóxicos em sua carteira, mas sim ativos bons, que poderão ter seu valor recuperado no futuro, o que chamou de "money good assets". Segundo ele, pelas regras da contabilidade, é correto pegar ativos que não precisam ser marcados a mercado e colocar reservas contra perdas de mais longo prazo, assumindo que o preço do ativo vai cair, mas que durante a vida desse ativo o preço vai se recuperar. Dessa forma, quando o ativo for vendido, já foram colocadas reservas na época apropriada contra as perdas do ativo. Ele se pergunta, inclusive, por que algum banco iria querer vender esses ativos neste momento desfavorável a menos que fosse forçado a isso.
Black não nega que os bancos de investimento merecem uma fatia razoável da responsabilidade pela crise atual. Mas, segundo ele, não é correto pintar todos os bancos com os mesmos pincéis. Após práticas que classificou como estúpidas, como excesso de alavancagem para ganhar fatias de mercado ou aceitar fazer empréstimos sem verificação de renda, Black diz que os bancos aprenderam importantes lições. Ele lembra, no entanto, que Wall Street é notória por ter memória curta. A grande dúvida, segundo ele, é se quando a ganância voltar a ser mais forte do que o medo as pessoas terão memória de longo prazo suficiente para não voltar a adotar as mesmas práticas estúpidas novamente.