Título: Início de ano difícil para preços dos grãos
Autor: Fernando Lopes, Mônica Scaramuzzo e Cibelle Bouças
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2005, Agronegócios, p. B8

As cotações das principais commodities agrícolas negociadas pelo Brasil no exterior devem se comportar, nesses primeiros meses de 2005, de forma semelhante à tendência observada no segundo semestre de 2004, conforme analistas. Ou seja, a pressão sobre grãos (soja, milho e trigo) e algodão tende a perdurar no curto prazo, enquanto os mercados de açúcar, café, e suco de laranja devem seguir com preços elevados. Para o cacau, estima-se relativa estabilidade. Foi assim na maior parte da segunda metade de 2004 - conforme levantamento do Valor Data com base nos preços médios dos contratos futuros de segunda posição de entrega nas bolsas de Chicago e Nova York -, e os fundamentos que determinaram as oscilações observadas permanecem vivos neste início de ano. Mas trata-se de uma fotografia com base em dados atuais e, como diz Antonio Sartori, da Brasoja, "é preciso esperar o inesperado". E o "inesperado" deixou sua marca no mercado de soja no ano passado. Sustentados pelo surgimento de um caso de "vaca louca" nos EUA no fim de 2003, pela quebra da safra brasileira e pela devolução de cargas sul-americanas pela China, sob a alegação de contaminação com fungicida, os preços do grão superaram, em março, pela primeira vez desde 1998, a barreira de US$ 10 por bushel em Chicago. Tal patamar prevaleceu até maio, quando, pressionados basicamente pela supersafra dos EUA, as cotações começaram a ceder. Em dezembro, o preço médio na bolsa alcançou US$ 5,4013, 1,02% mais que em novembro, mas com queda de 30,22% em 2004. "O fator mais importante do ano foi a China. Com a supersafra americana, era de se esperar recuo das cotações, mas as incertezas geradas pelos chineses tornaram a queda traumática", afirma Renato Sayeg, da Tetras Corretora. Ele acredita que há espaço para novas quedas neste primeiro trimestre, mas já prevê alguma recuperação para o decorrer do ano, em virtude de uma possível queda da área plantada nos EUA no ciclo 2005/06. "Os custos de produção vão aumentar com o surgimento do fungo da ferrugem asiática em lavouras do país, o que pode inibir um possível aumento de área, e a atual política de subsídios do governo favorece milho e algodão". Sartori ressalva que o ritmo de compras da China - maior país importador de soja do mundo - e o fenômeno climático El Niño podem motivar surpresas. Mas, como as exportações brasileiras são fortes no primeiro semestre, a previsão de cotações em baixa no período levaram à redução das estimativas para a receita com os embarques de soja. Fabio Silveira, da MSConsult, prevê que as vendas externas do complexo (grão, farelo e óleo) renderão US$ 8,363 bilhões em 2005, ante US$ 10,820 bilhões em 2004. Com isso, ele prevê queda de 11,6% para as exportações totais do agronegócio brasileiro, para US$ 27,4 bilhões. Para o milho, cujos preços internacionais atingiram o maior nível desde 1996 no primeiro trimestre de 2004 para depois também cair com a safra recorde dos EUA, as perspectivas para o início de 2005 são complexas. Segundo Paulo Molinari, da Safras & Mercado, por enquanto nada indica que uma redução de área da soja nos EUA levará a um aumento da área de milho no país em 2005/06, mas os confortáveis estoques globais do grão também tendem a evitar, pelo menos por enquanto, valorizações significativas das cotações. Em dezembro, o preço médio do milho em Chicago alcançou US$ 2,0904 por bushel, 0,61% menos que em novembro e com desvalorização de 16,21% em 2004. Já o trigo fechou dezembro com cotação média de US$ 3,0630 em Chicago, 2,83% menos que em novembro e baixa de 21,54% no ano. O "fator EUA" também pesou sobre esse mercado em 2004, e tampouco há previsões animadoras para as cotações nesse início de 2005. O algodão completa a lista das commodities com cenário - até certo ponto - adverso no curto prazo. A expectativa de uma safra recorde nos EUA ajudou a derrubar os preços do produto em 2004, mas, segundo Elizabeth McGuire, da Fimat Futures, o mercado pode ganhar fôlego com o enfraquecimento do dólar, que deverá estimular a demanda. A expectativa, segundo ela, é que a China também volte ao mercado, dando maior suporte aos preços no curto prazo. Em dezembro, a cotação média em Nova York atingiu 43,50 centavos de dólar por libra-peso, com alta de 0,16% sobre novembro mas baixa de 39,76% no ano. Já o cacau inicia o ano com tendência de estabilidade a leves quedas, devido aos estoques altos, segundo Thomas Hartmann, da TH Consultoria e Estudos de Mercado. Em 2004, os conflitos na Costa do marfim e as safras africanas determinaram as cotações. O preço em Nova York recuou 0,68% em dezembro, para US$ 1.619,62 a tonelada, e no ano subiu 1,51%. Do ponto de vista das exportações brasileiras, as boas notícias começam com o café, que fechou 2004 com a maior alta entre as commodities agrícolas negociadas em Nova York. Em dezembro, sua cotação média atingiu US$ 1,0145, com altas de 15,98% sobre novembro e 56,19% em 2004. Sustentadas pelo déficit da produção global e menor oferta de café de qualidade no Brasil, as cotações devem seguir firmes em 2005, segundo Alexandre Mourani, da Ágora Senior. O processo de recuperação dos preços do café ocorre lentamente desde 2002, após a crise internacional deflagrada em 2000, observou Mourani. A disparada de 2004, diz, reflete também a redução dos estoques dos importadores. Para 2005, Silveira, da MSConsult, estima salto de 18,5% do preço médio externo do produto. O desempenho do açúcar também foi altista em 2004, contrariando as expectativas. A previsão de safra brasileira recorde de cana foi confirmada, mas os preços contaram com a derrapada de exportadores como Tailândia e Índia, que registraram quebra de produção. Segundo Michael McDougall, da Fimat Futures, a maior demanda por álcool ajudou a enxugar a oferta de açúcar. Em dezembro, o preço médio em Nova York atingiu 9,00 centavos de dólar por libra-peso, 2,23% mais que no mês anterior e com alta de 41,89% em 2004. E a expectativa para 2005 é otimista, com previsão de aquecimento da demanda russa e chinesa. O suco de laranja, ao contrário dos grãos, encontrou maior sustentação no segundo semestre de 2004, em decorrência dos danos provocados por furacões à citricultura da Flórida. Em dezembro, a cotação média em Nova York chegou a 84,91 centavos de dólar por libra-peso, com ganhos de 10,19% sobre novembro e de 20,76% no ano. Observa a Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus) que os estoques globais são os mais baixos das últimas décadas, o que sugere cotações sustentadas pelo menos nos próximos meses.