Título: Mercados: Risco externo condiciona 2005
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2005, Agronegócios, p. B8

O maior risco à economia brasileira e, por extensão, às carteiras do mercado financeiro que 2005 poderá trazer está localizado na instabilidade externa. O grande foco de inquietação é a atual " bolha do dólar " , a fragilidade da moeda americana resultante dos colossais déficits em transações correntes e fiscal dos EUA. A percepção dessa debilidade já promoveu preocupantes deslocamentos de capital. Bancos centrais com vultosas reservas em dólar iniciaram movimento ainda tímido de diversificação para atenuar as perdas. Afinal, a remuneração que recebem da aplicação em títulos do Tesouro americano, de 4,3% ao ano para os papéis de 10 anos, é inferior à desvalorização do dólar. Os países asiáticos perdem dinheiro ao aceitar financiar os extravagantes gastos dos EUA. Dessa distorção se aproveitaram os hedge funds - investidores institucionais que operam alavancados, ou seja, tomam dinheiro a juro negativo, vendem dólar e compram outras moedas e ativos. Eles são a atual praga mundial. A sua presença em algum mercado - seja o de commoditie, seja o de petróleo, de títulos da dívida de emergentes ou o câmbio internacional - é percebida quando os segmentos-alvo ganham súbita e desnorteante volatilidade. O perigo muito concreto consiste na detonação de um efeito-dominó a partir de uma grande venda de dólar. Algum banco central ou megainvestidor pode desistir de repente do carregamento de suas posições em dólar e desencadear fuga maciça mundial. Isso tem duas consequências graves: quebra de hedge funds e disparada dos juros americanos. O preço dos treasuries caem e os juros sobem. A taxa americana decola, independentemente da vontade do Federal Reserve (Fed) e o dólar passa a se valorizar. Um choque de juros nos EUA tem impacto direto sobre a atividade econômica mundial, além de provocar um aumento na aversão ao risco. Os títulos emergentes passam a ficar mais arriscados, ocorrem vendas e a taxa de risco-país (que na verdade é uma taxa de juros piso às captações externas) sobe. Ninguém deve subestimar o impacto disso tudo sobre o Brasil. Basta lembrar do que acontecer em maio de 2004. A expectativa de que o Fed iria, em junho, descongelar o juro básico do patamar de 1% mantido há um ano já foi suficiente para atemorizar os grandes investidores e produzir fuga dos ativos de emergentes. Não foi por outro motivo que no dia 20 de maio o dólar atingiu sua cotação máxima, de R$ 3,2140, no mercado doméstico. E se a desvalorização do dólar tem impacto positivo modesto sobre a inflação, a valorização da moeda traz resultado negativo imediato e poderoso sobre o índice de preços. O que o BC faria? Aplicaria superdose do mesmo remédio, um choque de juros doméstico digno do nome, já que as pequenas elevações de taxa Selic feitas este ano só conseguiram ampliar o déficit público nominal, com parcos resultados sobre a inflação. Em estudos de fim de ano, economistas independentes constataram a baixa eficácia da política monetária apertada em elevar a taxa real de juros projetada para 12 meses. Esta taxa, por ser a observada por empresários e consumidores, é a que tem o poder efetivo de induzir a um desaquecimento econômico capaz de favorecer o combate à inflação. Em 2004, o juro real para doze meses oscilou entre 9,5% e 11%, taxa que não conseguiu infundir temor ao empresariado. Isso explica porque a economia continua se expandindo a despeito da ira monetarista do Copom. Na ausência de estouro da " bolha do dólar " , o mais provável é que se repita este ano a indiferença empresarial em relação à política monetária constatada em 2004. A Selic subirá para um teto entre 18% e 18,50%, o juro real se manterá perto dos 11% e a economia não irá se desacelerar o suficiente para forjar um IPCA abaixo de 6%.