Título: Cassação de Lago desestrutura oposição
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Fonte: Valor Econômico, 22/04/2009, Política, p. A7

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato do governador Jackson Lago (PDT) e mandar empossar a senadora Roseana Sarney (PMDB) no cargo conseguiu desestruturar a oposição à oligarquia Sarney no Estado, que chegara ao poder, pela primeira vez, em 2006. Jackson Lago disse ao Valor que se sente "extremamente triste", e que sabe que terá de reconstruir seu arco de alianças, avaliado por ele próprio como "superdimensionado" durante seu mandato. Para o futuro secretário de planejamento do Estado, Gastão Vieira (PMDB), prefeitos e deputados estaduais tendem a migrar, sempre, para o poder central. "Aqui o Poder é dos Leões", afirmou, numa referência aos felinos de pedra que zelam pela entrada do palácio do governo.

Este processo de "desidratação" da oposição já começou e foi decisivo para que Lago desistisse da resistência que ensaiou depois da decisão do tribunal. Durante o mandato, Lago tinha uma base legislativa consistente. Dos 42 deputados estaduais, apenas 14 apoiavam Roseana. Já na posse da nova governadora, na sexta-feira, esta vantagem foi invertida e 28 deputados fizeram questão de marcar presença. A tendência é de que a maioria dos prefeitos siga o mesmo caminho. "Em tempos de crise financeira internacional, com queda nos repasses dos fundos federais, esta dependência do governo central tende a se acentuar", comentou Gastão Vieira.

Outros aliados importantes de Lago, os trabalhadores sem-terra, preveem um recuo tático. No período em que Lago esteve à frente do governo maranhense, sempre contou com o apoio do MST. O principal líder do movimento, João Pedro Stédile, chegou a trazer para o Maranhão o presidente venezuelano Hugo Chávez, como uma resposta à resistência de José Sarney (PMDB-AP) à entrada da Venezuela no Mercosul. Chávez passeou pelas ruas de São Luís, deu autógrafos e distribuiu dólares para a população carente.

Na fase final do governo, o MST esteve ao lado do ex-governador, com manifestações em Brasília e São Luís e apoiou à decisão de Lago de não deixar imediatamente o Palácio dos Leões - ele só saiu quase 36 horas depois da decisão final do TSE. Finda esta fase, o movimento fez uma reunião de avaliação na noite de segunda-feira e considerou que cumpriu seu papel de "se opor à oligarquia local". E de conscientizar a população sobre o que estava por trás da decisão dos tribunais.

Agora, a página foi virada. "Vamos continuar lutando contra as oligarquias, mas a partir deste momento, cada um de nós terá um luta específica", afirmou o dirigente estadual do MST no Maranhão, Jonas Borges.

MST, Movimento Quilombolas, Movimentos dos Sem-Teto, partirão para ações específicas, voltadas mais para a agenda interna dos próprios movimentos. "A luta política visando 2010 será feita pelos partidos, não por nós", confirmou Borges.

Lago não esconde a decepção ao constatar que tanto tempo de espera para chegar ao poder - a primeira vitória política de Sarney no Maranhão aconteceu em 1966 - tenha deixado uma herança tão frágil. Para o governador cassado, os partidos políticos não souberam cumprir o seu papel de instigar o senso crítico na população. Parte desta falha deve-se ao fato de, chegando ao poder, a esquerda ter se visto diante do desafio de governar um Estado repleto de desigualdades e incongruências. "Os partidos se acostumaram à rotina administrativa e não politizaram a massa que vegetava", completou Lago.

Para antigos aliados e até adversários, os gestos finais de Lago no poder sinalizaram que ele acreditava que o senso crítico da população havia despertado e levaria à resistência. Por este motivo, teria permanecido entrincheirado no Palácio esperando um apoio popular maior, que acabou não se concretizando. Lago tem outra explicação. A sua permanência na sede do governo estava ligada diretamente a duas coisas: a expectativa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse a liminar suspendendo a cassação e de que a Assembleia Legislativa Estadual indicasse algum deputado para completar o mandato, já que mais da metade do mesmo havia sido completada.

"Como nada disso aconteceu, já na noite de sexta-feira começamos a conversar com os nossos aliados sinalizando que o melhor caminho seria sair", assinalou o ex-governador. O próprio gesto da Assembleia de empossar rapidamente Roseana mostrou a Lago que o fim estava próximo. "É comum que isto aconteça em Estados onde o mesmo grupo comanda há 40 anos, sem alternância de poder. Eles me tiraram porque, depois que vencemos a Prefeitura de São Luís, em 1988, eles nunca mais elegeram um aliado na Ilha", reforça Lago.

Para políticos experientes do Maranhão, Lago é um homem honesto, emblemático na memória maranhense - "que provocava filas de pacientes à sua espera na porta do SUS", para serem operados por ele. Mas fraco administrativamente. Cercou-se de pessoas com projetos políticos pessoais, não soube imprimir as mudanças que prometera e acabou se vendo isolado, com meia dúzia de colaboradores que o assessoraram mal nos momentos de maior dificuldade.

Curiosamente, este mesmo político faz idêntica avaliação do novo secretariado de Roseana Sarney. "Ele é repleto de pessoas com projetos próprios - sejam pessoais ou políticos", observou ele. "E o que é pior: assim como o governo anterior, sem uma cabeça que unifique estas ações. Se Roseana não tomar cuidado, fracassará como Lago fracassou".

O futuro secretário de Roseana, Gastão Vieira, é menos pessimista, mas reconhece que no Maranhão as coisas não são muito fáceis de adivinhar. Da mesma forma como a onda Lago de 2006 se desmanchou, o atual governo pode ter dificuldades, já que terá de enfrentar várias desincompatibilizações no ano que vem. "Como dizia o padre Antônio Vieira: no Maranhão, até o céu mente para você".