Título: Vocação exportadora perde força
Autor: Olmos , Marli
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2009, Empresas, p. B1
Há pouco tempo, a Mercedes-Benz do Brasil recebeu um pedido de exportação para o Peru. Mas nem precisou fabricar os caminhões. Com a crise, na virada do ano, havia na Colômbia estoque do mesmo modelo. A intervenção da montadora, no caso, foi simplesmente facilitar a logística de transportar o lote de cerca de 40 veículos que sobrou na Colômbia para o mercado peruano.
O alemão Kay Wolf Ahlden assumiu a direção de vendas de veículos comerciais para o mercado externo na Mercedes do Brasil em agosto. Mas ultimamente ele tem tido muito mais trabalho para ajudar a diminuir os estoques das concessionárias dos países que compram do Brasil do que propriamente para exportar.
A exportação sempre teve peso significativo na Mercedes. A participação das vendas externas na produção de veículos da montadora chegou a cerca de 30% em 2007 e 2008. Mas no primeiro trimestre deste ano ficou abaixo de 20%. No caso de componentes, a situação é mais grave. No ano passado, a Mercedes exportou 10 mil motores, a maior parte para os Estados Unidos. Com a crise, que afetou com mais força o mercado americano, a venda de motores Mercedes para o exterior está praticamente zerada este ano.
Ajudar os concessionários de outros países a baixar estoques é uma forma que Ahlden encontrou para enfrentar o que ele chama de "drástica queda de demanda". A redução de vendas ao exterior na Mercedes é de mais ou menos 50%. Segue a média de retração em toda a indústria automobilística.
Esse caso da Mercedes é um efeito da crise. Mas, de maneira geral, a queda de vendas ao exterior na indústria automobilística não surgiu apenas com o novo momento econômico. Já faz mais de dois anos que a vocação exportadora da indústria automobilística vem perdendo força. Começou com a valorização do real, o que levou as empresas a reajustar preços dos veículos no mercado externo e consequentemente a amargar queda de encomendas.
Um dos exemplos mais significativos é o da General Motors. Em 2005, essa empresa faturou US$ 1,6 bilhão com a exportação de 209 mil veículos. No ano seguinte, o volume caiu para 166 mil unidades, mas a a receita ficou inalterada em razão do aumento de preços. A quantidade de carros exportados da marca voltou a cair para 133 mil em 2007 e mais ainda, para 109 mil, no ano passado. Para este ano está previsto o embarque de menos de 90 mil. Apesar de o volume ser menos da metade do que o de quatro anos atrás, a receita obtida com as exportações continuará inalterada em US$ 1,6 bilhão, segundo o vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto.
A indústria automobilística vive hoje no mercado externo um paradoxo. Quando havia demanda, os preços brasileiros ficaram altos demais devido ao repasse da valorização do real. Hoje, com um câmbio mais favorável, o setor já não encontra consumidores nos outros mercados em razão da crise econômica.
"O real começou a subir; nossos produtos ficaram caros e, com isso perdemos competitividade. Vivemos isso até 2007", afirma uma fonte do setor. Principalmente os carros brasileiros mais baratos, que encontraram compradores mais resistentes a pagar mais, começaram a ser rejeitados nos outros países. "Se antes havia demanda, mas nossos produtos eram caros, agora há menos consumo no mundo", completa a fonte.
A queda de exportação atinge o mundo inteiro e não apenas a indústria automotiva. Mas, no caso brasileiro, o quadro se agrava à medida em que esse setor preparou as fábricas para erguer no país uma plataforma de exportação, agora ameaçada.
As montadoras ampliaram capacidade e investiram no desenvolvimento de produtos aceitos no exterior. Em 2005, a exportação foi o destino de 35,45% do total de veículos produzidos no país. No ano passado, a fatia das vendas externas ficou em 22%. Já no primeiro trimestre deste ano, ela baixou para 13%.
A lista de mercados também encolheu. A GM exportava para 40 países nos bons tempos e agora para não mais do que 10. Essa mesma empresa preparou a fábrica em São José dos Campos (SP) só para exportação. Hoje, essa unidade opera em ritmo equivalente a 30% do que era em 2005, segundo Pinheiro Neto. O executivo lembra que o Corsa brasileiro já foi exportado para países distantes, como a China.
Se no passado o setor se dava ao luxo de atender Europa e mercados da Ásia, hoje a clientela se limita aos vizinhos da América do Sul, com ênfase para Argentina e México, que desfrutam de acordos de intercâmbio comercial livres de impostos de importação.
Embora o mercado brasileiro esteja aquecido, as montadoras têm enxugado a estrutura para contornar a queda de vendas no exterior. A Ford abriu recentemente programa de demissões voluntárias em razão do excesso de pessoal nas linhas que produzem veículos para venda a outros países.
"No Brasil, que trabalha com câmbio flutuante, as exportações são um hedge natural", destaca Rogelio Golfarb, diretor da Ford. Para ele, é preciso manter mercados, ainda que pequenos, para o país se preparar para o futuro. "Essa crise um dia vai acabar. Por isso, a Ford decidiu pelo esforço de manter mercados e investimentos para ter produtos modernos", completa.
Recentemente o setor pediu ao governo federal ajuda para que os Estados eliminem o ICMS das peças dos veículos exportados. E certamente continuará reivindicando incentivos. Para o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, o Brasil não deixou de ser uma plataforma de exportação. "Trata-se de um momento que atinge o mundo", diz. "Mas temos que nos preparar porque a concorrência daqui para a frente será mais acirrada". Ele defende uma "análise da cadeia de logística, da carga tributária e da burocracia que envolve o comércio exterior". "É precioso decidir se o Brasil quer ser um exportador porque já sobra capacidade no mundo", afirma.