Título: Credores estrangeiros e os depósitos judiciais
Autor: Regina Abbud
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Buscando se resguardar de eventuais ações por parte das empresas credoras, diversos devedores propuseram, principalmente após a maxidesvalorização do real ocorrida em janeiro de 1999, ações judiciais visando à revisão de contratos internacionais, em especial o reconhecimento da nulidade das cláusulas que previam o pagamento em moeda estrangeira, pleiteando, conseqüentemente, que o preço previsto no contrato fosse convertido em reais na data da aquisição do bem ou em alguma outra data antes da maxidesvalorização, aplicando-se correção monetária também por índices nacionais. Em algumas dessas ações judiciais, os devedores requereram a concessão de medida liminar para que, mediante o depósito judicial das parcelas em reais, restasse suspensa a configuração da mora, pretendendo também, evitar qualquer medida por parte das empresas credoras para recuperação de seus créditos. Para alguns, o levantamento destes depósitos significa anuência com o valor menor depositado, embora os tribunais pátrios já tenham reconhecido que até mesmo na típica ação de consignação em pagamento, é possível o levantamento da quantia não controvertida, prosseguindo-se a ação com relação aos valores discutidos. Nas ações revisionais movidas pelos devedores também é perfeitamente possível o levantamento dos depósitos feitos a menor, permitindo-se ao credor usufruir o valor indiscutível, sem que isso signifique qualquer tipo de anuência ou quitação total. Tem-se, pois, valor devido incontroverso, sobre o qual restará apenas uma discussão: se os depósitos representam todo o débito referente às respectivas parcelas, ou se apenas parte dele, como entendem os devedores. O que importa frisar é que, até o limite do valor depositado, não se discute se o mesmo é ou não devido. A existência da dívida é ponto incontroverso entre as partes. Desse modo, havendo concordância com a existência do débito e dissenso apenas quanto ao montante, a parte incontroversa deve de imediato ser disponibilizada ao credor estrangeiro, permitindo-se assim, diminuir os prejuízos advindos do inadimplemento. Esclarecida a possibilidade de levantamento pelos credores, nova questão é trazida à baila: como fazer com que o montante levantado judicialmente chegue efetivamente nas mãos do credor estrangeiro.

O valor depositado está à disposição do credor estrangeiro, mas ele não consegue remetê-lo ao exterior

Como se sabe, toda remessa de divisas ao exterior é fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, através do registro de operação financeira (ROF), gerado por declaração de importação (DI), a qual é fundada em um contrato internacional. Através deste Registro, onde constam como partes (1) o credor e (2) o importador-devedor, o Banco Central fiscaliza a remessa de valores, a título de principal e juros, evitando-se desta forma, a remessa de divisas de forma ilegal. Para que outra pessoa -- diversa do importador-devedor - possa remeter valores ao credor estrangeiro é necessária uma autorização especial, pois conforme orientação do Banco Central do Brasil, tal remessa só poderá ser efetuada pelo próprio importador, no caso o devedor, com quem permanece a travar batalhas nos tribunais. A situação do credor estrangeiro é no mínimo intrigante: fundada em determinação judicial, e através de seus advogados legalmente constituídos, levantou valores depositados em juízo pelo devedor-importador, que se refere a apenas uma parte do valor devido. O valor levantado está depositado à disposição do credor, que por sua vez, não consegue remetê-lo ao exterior na forma do contrato assinado pelas partes, e devidamente descrito no ROF, haja vista que o terceiro, seja o advogado que levantou o montante, seja a empresa brasileira, não consta no registro da operação financeira. O ponto fundamental da questão que precisa ser levado em consideração é que os valores levantados judicialmente são os constantes do registro de operação financeira, objeto de um contrato que foi devidamente cumprido pelo credor estrangeiro, e absolutamente descumprido pelo devedor-importador, que não cumpriu com o acordo ou adimpliu apenas com uma parte da dívida. Desta maneira, é necessário requerer ao Banco Central do Brasil uma autorização específica para que o terceiro - no caso o advogado responsável pelo levantamento judicial ou a empresa brasileira - seja incluído no ROF, permitindo, assim, a remessa do valor levantado judicialmente ao credor estrangeiro.