Título: Uma oportunidade para o Banco Central
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2005, Brasil, p. A2
Apesar da apreensão que vem causando no Banco Central, a subcomissão criada pelo Senado para debater a situação de bancos liquidados é uma grande oportunidade de tentar-se abreviar megaliquidações até então sem perspectiva de encerramento no curto ou médio prazo. Construídas com aval do Legislativo e a partir de um debate transparente, as soluções que vierem a ser apontadas para Econômico, Nacional, Mercantil de Pernambuco, Banorte e Bamerindus serão mais viáveis, porque estarão menos sujeitas à contestação. A situação do BC não é nada confortável. Além de liquidante, é grande credor, o que significa que há dinheiro público envolvido. O risco de tomar decisões que possam ser contestadas pelo Ministério Público ou pelo Tribunal de Contas da União não lhe permite ousadias na construção de acordos para encerramento antecipado dos processos de liquidação extrajudicial ou a sua transformação em liquidação ordinária (conduzida pelos controladores). Há sempre o risco de alguém achar que um ativo foi mal avaliado. Antes de a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) criar, em agosto, a Subcomissão de Liquidação de Instituições Financeiras (CAELIF), o diretor de liquidações do BC, Antônio Gustavo Mattos do Vale, fez ao Valor um desabafo: "Por mais cuidado que tomemos para avaliar, corremos o risco de ser acusados de fazer um negócio ruim. Ficamos numa insegurança desgraçada". É justamente nesse aspecto que o Senado pode ajudar, dando segurança e legitimidade a eventuais acordos do BC com controladores e outros credores. Para evitar problemas, o Ministério Público e o TCU também serão chamados a se manifestar sobre cada caso, informa o presidente da CAELIF, senador Aelton Freitas (PL/MG). "Nosso papel não é o de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI ). O objetivo é ajudar a encontrar soluções", diz ele. Ainda que não seja possível nenhum acordo, no mínimo a CAELIF servirá para mostrar o que está impedindo o encerramento dessas cinco liquidações, que se arrastam desde 1996, com exceção da do Bamerindus, decretada em 1998. A apreensão do BC com os rumos da CAELIF é compreensível. Os controladores das instituições quebradas estão trabalhando para tentar convencer os senadores de que, pela lei de liquidações, a autoridade monetária tem que aceitar receber a dívida das massas liquidandas apenas com correção pela Taxa Referencial (TR) em qualquer hipótese - o que, no somatório dos cinco casos, daria R$ 22,351 bilhões ao final de agosto de 2004. Em tese, se essa fosse a decisão, Econômico, Nacional e Mercantil de Pernambuco já teriam condições de fazer a quitação, pois o montante das respectivas garantias, que sofreram forte valorização nos últimos anos, já seria mais do que suficiente, mesmo com um bom deságio sobre o valor de face. A dívida seria paga e os controladores ainda poderiam sair com algum troco.
Senado ajudaria o BC nas liquidações
No caso do Nacional, enquanto a dívida corrigida pela TR chegava a R$ 13,07 bilhões em agosto, o valor de face dos títulos que garantem o pagamento alcançava R$ 19,468 bilhões. No Econômico, essa relação era de R$ 5,795 bilhões para R$ 13,970 bilhões e, no Mercantil, de R$ 258 milhões para R$ 1,829 bilhão. Já o Banorte devia R$ 600 milhões, mas suas garantias eram de apenas R$ 225 milhões. A dívida do Bamerindus, que não está atrelada a nenhuma garantia, era de R$ 2,628 bilhões. A postura dos banqueiros falidos não surpreende. Eles estão tentando sair com algum dinheiro das liquidações - depois de terem administrado mal e até cometido irregularidades, levando o governo a criar o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional (Proer) para salvar depositantes e evitar uma crise sistêmica. Esse programa financiou a transferência de atividades bancárias de bancos quebrados a partir de 1995. É do Proer que se origina a maior parte das dívidas das cinco massas liquidandas em questão junto ao BC. São R$ 12,352 bilhões a valores de agosto, se considerada só a correção pela TR. Outros R$ 9,999 bilhões referem-se a saques a descoberto que as instituições fizeram em suas contas de reserva bancária no BC antes de sofrer intervenção. Sobre essa parcela não há garantias, o que não permite ao BC cobrar correção além de TR. Mas o caso da dívida garantida é diferente. É normal que o BC veja com preocupação o "lobby" dos banqueiros falidos na CAELIF. Mas não cabe imaginar que o Senado se deixará manipular por interesses privados. A recente blindagem do projeto de lei das parcerias público privadas (PPPs) contra futuros esqueletos fiscais é uma prova inequívoca de que o Senado é uma instituição preocupada em zelar pelos cofres públicos. Partindo desse pressuposto, o BC deve usar a CAELIF como espaço para mostrar o quão indecente é a pretensão de alguns controladores. Deixá-los levar eventual diferença positiva entre o valor de mercado das garantias e a dívida corrigida pela TR é uma indecência por várias razões. Uma delas é que, havendo capacidade da massa liquidanda, a lei de falências permite ao BC cobrar a correção prevista no contrato de financiamento, portanto, mais que TR, até o limite das garantias. E pelo contrato, a dívida do Proer deve ser corrigida pelo percentual médio que renderem as garantias, mais de 2% ao ano. Então, não há, em princípio, nada a devolver aos banqueiros, pois o aumento aplicável à dívida será sempre maior que o dos papéis que a garantem. Na época em que deu os empréstimos, o BC exigiu em garantia papéis com valor de face 20% superior. Mesmo que concordasse em devolver esse adicional, o BC teria problemas com o TCU, já que os 20% dificilmente cobririam a diferença entre o valor de face e o de mercado dos títulos. É preciso lembrar ainda que foi o dinheiro do Proer que proporcionou aos bancos comprar, no mercado, com enorme deságio, os papéis entregues em garantia e, com a sobra, transferir ativos, passivos e clientes a instituições saudáveis. Permitir que, em detrimento dos cofres públicos, os controladores agora saiam ganhando com a valorização desses títulos, isso sim, seria fazer do Proer um programa para beneficiar maus banqueiros - coisa que até então ele não foi.