Título: Esperança abalada
Autor: Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 21/01/2010, Mundo, p. 22

Tremor de 5.9 graus na escala Richter volta a atingir o já devastado país da América Central. Mesmo sem registros de mortes, episódio aumenta o desespero dos haitianos

Obrigados a vagar pelas ruas de Porto Príncipe desde o primeiro tremor, moradores se apavoraram com o novo tremor

Porto Príncipe ¿ A terra não para de tremer no Haiti. O país acordou ontem com um tremor de 5.9 graus na escala Richter. Foi a réplica mais forte do tremor do último dia 12, de acordo com o US Geological Survey (USGS), e abalou ainda mais ¿ se é que é possível ¿ as já devastadas estruturas e esperanças do país. Houve outros dois abalos ainda pela manhã, mas com menor intensidade. Ao menos 88 réplicas foram registradas desde o primeiro tremor, segundo o Centro de Operações de Emergência (COE) da República Dominicana.

Até o começo da noite de ontem, não havia informações sobre novas mortes provocadas pela forte réplica. As notícias se concentravam no desabamento de prédios já parcialmente destruídos pelo primeiro terremoto. O novo tremor, porém, levou pânico à população e a todos que trabalham na tentativa de reconstruir o país, salvar vidas, ajudar os sobreviventes do grande terremoto e informar sobre a catástrofe.

Houve correria nas ruas da capital haitiana, Porto Príncipe, onde moram 3 milhões de pessoas ¿ cerca de 30% da população do país. ¿Nós vamos morrer¿, desesperou-se a assistente administrativa haitiana Geraldine Scown. ¿Eu senti como se fôssemos morrer. Meu coração parou. As pessoas gritavam `Jesus¿. A única coisa que todos queriam era sair para a rua, se salvar¿, relatou a jovem ao Correio. Ela contou que está se preparando para deixar o país, levando o filho de 22 anos. O terremoto da semana passada devastou Porto Príncipe. A cidade perdeu entre 70% e 80% de todas as suas edificações, segundo as estimativas. O terremoto matou cerca de 200 mil pessoas, segundo cálculos dos governantes locais e de integrantes das equipes de socorro.

Diferentemente do abalo do dia 12, o de ontem teve o epicentro distante de Porto Príncipe. Por isso, de acordo com os especialistas, não fez tantas vítimas. O epicentro ocorreu em Petit Goave, uma cidade de pouco mais de 5 mil habitantes, a cerca de 60km de Porto Príncipe. Militares estrangeiros para lá deslocados pela ONU contaram ter encontrado não mais que uma dezena de casas destruídas, mas que todas já apresentavam danos causados pelo primeiro terremoto. Entre os moradores, havia apenas alguns com pequenos ferimentos. A população local tem dormido na rua desde o grande terremoto de uma semana atrás. Isso também evitou uma nova tragédia.

O tremor de ontem foi sentido ainda em algumas províncias do norte, do nordeste e do noroeste da República Dominicana. O país compartilha com o Haiti a ilha de Hispaniola, em meio ao Mar do Caribe.

Abrigos balançando

O terremoto de ontem ocorreu às 6h03 (9h03, horário de Brasília). Os militares, funcionários do Itamaraty e jornalistas abrigados na base do Exército brasileiro em Porto Príncipe estavam acordando no momento do tremor. ¿Estávamos deitados, acabando de acordar. De repente, parecia que alguém estava mexendo nos beliches. Eles balançaram muito¿, contou o soldado Deusimar Nunes, 35 anos, do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e integrante da equipe de buscas nos escombros da capital haitiana.

A base do Exército em Porto Príncipe é composta apenas por contêineres feitos de um material flexível, à prova de terremotos, mas mesmo eles balançam nos fortes tremores. Em um hotel a 40km do centro de Porto Príncipe, onde a equipe do Correio está hospedada, o abalo foi sentido com menor intensidade. Mesmo assim, todos os hóspedes e funcionários saíram correndo quando sentiram a terra tremer. Todos permaneceram ao menos meia hora nos jardins, onde há apenas pequenas árvores.

Oito dias depois, milagres acontecem

Em meio ao luto da catástrofe, doses de milagre são uma gota de bálsamo na dor dos haitianos. Madame Marcus deu à luz ontem um menino, num hospital improvisado pela Equipe de Apoio e Primeiros Socorros da Bélgica (B-Fast, pela sigla em inglês). Em outra região de Porto Príncipe, o imponderável: socorristas da organização não governamental francesa Virade de l¿espoir encontraram uma menina de 11 anos, viva, após passar oito dias sob os escombros. ¿É realmente um milagre, ela volta suavemente à vida, abençoada pelos deuses¿, declarou o cirurgião Dominique Jean. ¿Seus rins funcionam, vamos reidratá-la aos poucos, com água e, depois, com uma alimentação mais rica.¿

Também ontem, um menino de 5 anos chamado Monley foi salvo do que restou de sua casa. A mãe da criança morreu e o pai está desaparecido. Os bombeiros ainda não sabem se o garoto teve acesso a água ou comida, mas os médicos garantem que a sobrevivência só foi possível por causa da resistência e da força do menino. Levado ao hospital sem fraturas, ele agora se recupera de grave desidratação.

Outro caso incrível envolveu a haitiana Hoteline Losana, 25 anos, resgatada na quarta-feira. O telefonema de um desconhecido a uma rádio local salvou sua vida. ¿É um milagre de meu Deus¿, repetia a vítima, chorando de alívio, após sair sorridente e cantando das ruínas do supermercado Caribbean Market. Assim que deixou os escombros, Hoteline pediu um celular e ligou para o irmão, a quem deu a notícia de que estava viva. ¿Eles me salvaram, irmão, eles me salvaram. Eu te amo!¿, exclamou.

O médico francês Nicolas Roy considerou o caso ¿extraordinário¿. ¿Ela não tem qualquer ferimento e até nos ajudou no resgate, fazendo força para sair mais rápido. Hoteline contou que, nos dias em que ficou presa, não parou de rezar¿, explicou. Enquanto as equipes de resgate a levavam para a ambulância, a mulher começou a entoar cânticos de louvor, o que fez o grupo de mais de 50 pessoas de vários países começar a aplaudir e a chorar.