Título: Falta solidez à recuperação dos mercados financeiros
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Fonte: Valor Econômico, 16/04/2009, Opinião, p. A14

Depois do pânico de quebras em série das grandes instituições financeiras globais e da criação de uma rede de segurança de trilhões de dólares, os mercados vivem agora uma fase de calmaria. Diante da atmosfera de insegurança que se formou após a quebra da Lehman Brothers, em 15 de setembro, e dos presságios de catástrofes que varreram os quatro cantos do mundo por vários meses, a recuperação dos mercados acionários parece, por si só, uma melhoria. Mas não há ainda qualquer garantia de que as principais economias do mundo começaram a deixar para trás o cenário recessivo ou de que os bancos se aproximam da normalidade em sua função básica de conceder crédito.

Para os investidores, motivos de otimismo vêm basicamente do fato de que o risco bancário deixou de existir. A garantia de que nenhum dos gigantes globais vai quebrar, e o amparo dado a eles pelos principais bancos centrais, deteve - ainda que provisoriamente - o principal motivo de inquietação dos mercados. Os planos do governo americano para o setor estão em andamento, mas no meio do caminho apareceu algo que tende a diminuir sua eficácia. As regras contábeis foram mudadas pelo órgão que institui essas normas, o FASB, e as centenas de bilhões de dólares que estão nas carteiras dos bancos não terão mais de ser marcadas a mercado. Foi permitido às instituições financeiras o uso de seus próprios modelos de avaliação de riscos para determinar o valor desses papéis e mais flexibilidade para contabilizar perdas com ativos de longo prazo.

Com isso, o esquema do Tesouro de encontrar investidores privados dispostos a precificar os ativos ilíquidos e comprá-los com maciço subsídio oficial foi para o limbo. Em vez de venderem papéis a preços de liquidação, os bancos poderão carregá-los até que os tempos melhorem, provavelmente com perdas muito inferiores. Esta situação pode mudar com o resultado dos testes de estresse nas 19 maiores instituições americanas, que indicarão quais instituições necessitarão de maior reforço público ou privado de capital.

Aparentemente, a ideia de divulgar esses resultados vem perdendo força, porque os bancos que não passarem no teste poderão ser alvos de uma fuga de correntistas e investidores. Ainda que se revelem inviáveis, alguns bancos continuarão a ser sustentados pelo dinheiro público, o que significa que, no fim das contas, todo o sistema continuaria pendurado no Tesouro. Com isso, nada de muito mais grave deve ocorrer no curto prazo com grandes bancos, mesmo os insolventes. É o que estão hoje apontando os índices que medem o risco dos empréstimos entre bancos.

Se o mundo financeiro vive uma mais que precária trégua, o econômico não parou de desacelerar. Há quedas brutais nas atividades econômicas do Japão e Alemanha (segunda e quarta maiores economias do planeta), mais retração nos EUA e em vários países emergentes. Os resultados ruins das empresas americanas e europeias se acumulam, enquanto que as taxas de investimento nos dois lados do Atlântico caem por meses consecutivos. Praticamente todo o Leste europeu enfrenta uma grave crise financeira e as perspectivas para o comércio mundial são as piores em mais de meio século. Há esperanças de retomada na China, mas está fora de cogitação no curto prazo que ela possa voltar ao veloz crescimento de antes. Os mercados de exportação, uma das fontes do dinamismo chinês, estão em declínio e permanecerão assim em 2009. A suave recuperação da economia brasileira no primeiro trimestre e os sinais de reativação da indústria são indícios animadores de que o país escapará de uma recessão forte e pode até chegar a um crescimento ínfimo.

Até agora não há bases sólidas para uma recuperação global, por mais que os mercados acionários possam subir no curto prazo. Bancarrotas de empresas, inadimplência de consumidores e desemprego estão em alta, o que faz supor não só que mais lixo irá para o balanço dos bancos, como também que os resultados das empresas, a base do jogo das bolsas, continuarão piorando ao longo do ano, para talvez começarem a dar sinais firmes de melhoria no final do segundo semestre. Melhoria eventual de índices específicos faz a alegria das bolsas, mas não basta para sinalizar o fim da maré recessiva.