Título: Reviravolta no Supremo dá prejuízo para empresas
Autor: Marta Watanabe e Nelson Niero
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2005, Brasil, p. A3

A surpreendente reviravolta, em favor do governo, do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de insumos com alíquota zero e não tributados poderá colocar no vermelho o balanço das empresas que já contavam como certa a vitória na disputa com o governo. A petroquímica Braskem e a mineradora Paranapanema contabilizaram valores significativos em seus ativos com base em decisões anteriores e, caso seja confirmada a mudança de rumos no STF, terão que reverter esses ativos e amargar prejuízos. Com base em decisão do Supremo em ação judicial da controlada OPP, a Braskem reconheceu, em dezembro de 2002, um crédito fiscal de IPI de R$ 1,03 bilhão. O valor foi resultado de uma reversão de provisão e foi adicionado aos resultados da petroquímica. A contabilização reduziu o prejuízo dos resultados consolidados da Braskem e contribuíram para que a companhia apresentasse lucros no primeiro trimestre de 2003. Desde então a petroquímica usou o crédito fiscal de IPI para pagar tributos federais devidos. Segundo os balanços de setembro, a companhia já compensou o total de R$ 970,03 milhões. O problema é que, mesmo após a decisão do STF, o processo da OPP não chegou ao fim até agora. Ele foi alvo de um recurso da União. Os ministros do Supremo decidiram suspender o julgamento do recurso porque o assunto - o crédito de insumos com IPI alíquota zero e não tributados - estava em "reexame" no tribunal. A sessão realizada em 15 de dezembro marcou a mudança de rumo. Seis ministros do Supremo decidiram que as empresas não têm direito de se creditar do IPI relativo a insumos beneficiados com alíquota zero ou não tributados. O julgamento não chegou ao final, mas a União já tem a maioria dos 11 ministros do STF a seu favor. O quadro só poderá ser revertido caso um dos ministros reforme seu voto, possibilidade considerada remota pelos próprios advogados que defendem as empresas. A Braskem não acredita que o o novo entendimento do Supremo será aplicado ao caso da OPP. "O julgamento do STF não terá impacto econômico ou financeiro na Braskem", diz o vice-presidente de finanças da companhia, Paul Altit. "O caso da OPP se refere a uma ação do Rio Grande do Sul que já teve o mérito julgado pelo STF com decisão favorável à empresa." Para Altit, qualquer discussão que venha a acontecer no processo da OPP deverá se restringir aos cálculos do crédito. "O direito ao crédito já foi discutido." Os especialistas, no entanto, estão menos otimistas. Diogo Ruiz, consultor da KPMG, não quis comentar casos específicos, nas acredita que a nova interpretação do Supremo sobre os créditos de IPI demanda uma nova avaliação das possibilidades de sucesso das empresas na discussão judicial. "O resultado do reexame vai variar caso a caso, mas é recomendável que seja feito, mesmo que o julgamento do Supremo não tenha chegado ao final", diz. Para Aldeir de Lima Campelo, da ASPR Auditoria, os votos dos ministros devem ser levados em consideração para avaliar se as chances de êxito ainda podem ser consideradas as mesmas. O julgamento do recurso da União no processo da OPP foi suspenso a pedido do ministro Sydney Sanches. Em seu despacho, o ministro suspende a análise até o julgamento, pelo Supremo, de um outro processo sobre o mesmo assunto. Trata-se do processo da Indústria de Embalagens Plásticas Guará Ltda., que no último dia 15 teve seis votos a favor da União. Outras empresas do grupo Braskem, como a Trikem e a Polialden, possuem discussões semelhantes à da OPP. Em alguns casos, os créditos fiscais de IPI também já estão sendo usados para pagar tributos federais devidos. Para esses processos, porém, há provisões. O caso da OPP, que gerou o ativo de R$ 1,03 bilhão em 2002, explica Altit, não tem provisão porque já contava com decisão favorável do Supremo. No prospecto da emissão de ações feita no ano passado, a Braskem informa que o recurso da União não contesta a validade dos créditos fiscais, mas sim o método para cálculo da atualização monetária dos créditos. A companhia avalia como remota a probabilidade da União ganhar o recurso, mas diz que, caso isso aconteça, a companhia poderá "perder a totalidade ou parte desses créditos fiscais de IPI que são atribuídos a essas atualizações monetárias". Do crédito fiscal de R$ 1,03 bilhão, R$ 367,9 milhões são relativos à correção monetária. Para Altit, o setor petroquímico é especialmente penalizado com a impossibilidade de se creditar do IPI relacionado aos insumos. "É preciso criar um sistema de tributação que não onere cadeias de produção longas como a da indústria petroquímica, que sem os créditos do IPI alíquota zero acaba sem consegui deduzir 70% do seu custo." A situação da mineradora Paranapanema é mais complicada. Sem uma decisão favorável do STF em seu processo, a empresa somou ao seu resultado de 2002 R$ 117,5 milhões. O registro teve como justificativa os julgamentos do Supremo na época favoráveis às empresas. Os valores vinham sendo compensados desde 1999 por sua controlada Caraíba Metais, que moveu a ação, mas até então o grupo vinha mantendo provisões no balanço para o caso de perda. No entanto, ao contrário da Braskem, a Paranapanema enfrentou a resistência dos auditores independentes, a PricewaterhouseCoopers, que assinava o balanço das duas empresas. A PwC colocou uma ressalva no parecer que acompanha o balanço de 2002 da mineradora, publicado em maio do ano seguinte, alegando que não havia decisão final que garantisse o reconhecimento desse ganho. A polêmica culminou com um pedido de republicação do balanço por parte da superintendência de relações com empresas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A empresa recorreu ao colegiado da autarquia e conseguiu um parecer favorável. Agora, volta a correr o risco de refazer as demonstrações contábeis. Elizabeth Machado, superintendente de relações com empresas da CVM, informou, por e-mail, que a superintendência vai analisar "o rebatimento da mencionada decisão para as demonstrações financeiras de Paranapanema, não só no que diz respeito à contabilização do mencionado crédito, como também no sentido de avaliar a necessidade ou não de publicação". A Paranapanema teria muito a perder se tivesse quer refazer suas contas. Com o crédito do IPI, a empresa saiu vermelho, manteve seu patrimônio líquido no azul e, assim, conseguiu manter os credores longe Caraíba. A produtora de cobre tinha dívidas atreladas às chamadas "cláusulas restritivas", que obrigam a empresa a manter o equilíbrio dos indicadores financeiros do balanço. Geraldo Haenel, presidente da Paranapanema, diz que não vai reavaliar a questão enquanto não houver uma decisão final. Ele admite, entretanto, que a probabilidade de ganho agora é menor.