Título: Valorização do real não é tendência consolidada
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Fonte: Valor Econômico, 14/05/2009, Opinião, p. A10

Ainda é cedo para saber se a nova onda de valorização do real veio para ficar. Sinais de melhoria na economia mundial, ainda incipientes, serviram para estimular maior busca de risco por parte dos investidores, em um ambiente de enorme liquidez e poucas oportunidades de ganhos consideráveis. Como a própria base para uma recuperação da economia ainda é fraca e inconstante, dançando ao sabor de indicadores que ora apontam para cima, ora para baixo, as moedas valsam ao ritmo das oscilações. A única coisa certa, no curto prazo, é a volatilidade.

O dólar caiu por sete semanas consecutivas, mas ontem reagiu, exatamente a partir do momento em que os mercados perceberam que os gastos do consumidor americano, um dos motores da economia e um dos poucos índices encorajadores que surgiram do PIB dos EUA no primeiro trimestre, recuaram em abril mais do que o esperado. As bolsas pelo mundo afora tiveram significativas baixas.

A queda do consumo americano em abril não foi o único elemento a afetar a crença otimista em uma recuperação global contínua, ainda que a partir de uma base muito baixa. Se é preciso qualificar com moderação o ritmo da volta ao crescimento, os números divulgados sobre a situação da economia da zona do euro serviram como um estímulo à ponderação. A produção industrial em março caiu 20% em doze meses e, embora esse seja um dado do passado, mostra, dada a força do retrocesso, que o caminho de retorno à expansão não deverá ser rápido.

A China ajudou a incentivar os investidores nas bolsas nos últimos dias, com sinais encorajadores de retomada do fôlego de sua economia. Mas os dados das exportações chinesas em abril mostraram declínio de 22,6% e a produção industrial cresceu menos do que em meses anteriores. Embora o pacote de US$ 585 bilhões de estímulos diretos à economia - o maior do mundo - esteja surtindo efeitos pelo aumento dos investimentos em infraestrutura e do consumo, o emperramento da máquina exportadora é um limite de peso para que a China avance puxe o resto da economia global junto com ela.

O real tem seguido em posição privilegiada os zigzags das moedas. O Brasil deve sair mais rapidamente da crise que outros países e os investidores estão apostando nisso. Mas há outros fatores a considerar. A redução dos fluxos comerciais e dos investimentos diretos não favorecem grandes movimentos de valorização. Ela tem sido impulsionada, nos últimos tempos, pela entrada significativa de capital externo para aplicações em portfólio, especulativo e de curto prazo. O diferencial de juros diminuiu com as recentes reduções da taxa Selic e deve cair mais no futuro, mas ainda assim é um estímulo adicional de peso para ganhos seguros e automáticos em um mundo que oferece poucas chances de rentabilidade com baixo risco.

Além do ingresso de moeda, o fôlego maior do que o esperado das exportações ajuda a alimentar a valorização do real. As commodities deram um salto e as compras chinesas foram em grande parte a causa desse movimento. Mas basta olhar o recuo nas vendas externas para a União Europeia, EUA e América Latina para que o impulso chinês seja relativizado. Por outro lado, ainda que a China realize a proeza de crescer 8% no ano, essa evolução será a mais baixa em muitos anos - além, é claro, do fato de não estar assegurada. O saldo comercial vai aumentar também porque as importações caem mais rapidamente que as exportações, refletindo a anemia das atividades econômicas domésticas. As compras no exterior são feitas a preços deprimidos e a valorização do real poderá ser neutra em relação ao impacto nos preços domésticos e influir pouco como incentivo ao aumento da participação dos bens importados.

É pouco provável que a retomada brasileira seja forte o suficiente para diminuir o saldo comercial e aumentar o investimento direto externo, que favoreceriam um real forte, em um momento em que os fluxos de crédito internacional não se restabeleceram e os empréstimos são de alto custo. O último ciclo de valorização do real deu-se em meio a um dos maiores ciclos de expansão do comércio e da economia globais. É inacreditável que a história volte a se repetir agora em meio à maior recessão global em quase um século.