Título: Pesquisadores apontam lições, boas e ruins, nas experiências de outros países
Autor: Romero, Cristiano; Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2009, Especial, p. A12

A experiência argentina traz lições ao Brasil sobre os riscos de uma privatização "mal feita", avisam os pesquisadores Eduardo Fiuza e Heleno Martins Pioner, em estudo encomendado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Na onda de desestatizações comandada pelo governo do ex-presidente Carlos Menem, a Argentina licitou 33 aeroportos em 1998. A iniciativa privada administraria essas instalações por 30 anos, em contrato prorrogável por outros dez anos. Um grupo com investidores argentinos, italianos e americanos desembolsou US$ 118 milhões - ágio de 195% - e venceu a licitação.

Aeroportos menos rentáveis seriam mantidos por dois subsídios cruzados. O primeiro era o compromisso da concessionária de investir US$ 2,2 bilhões nos 33 aeroportos. O segundo era por meio dos royalties transferidos anualmente ao governo. Deu tudo errado. Com o colapso da economia argentina, em 2001, o movimento de passageiros caiu dramaticamente e a perda de receita levou a Aeropuertos de Argentina 2000 a entrar em crescente inadimplência com o governo.

Em uma "atribulada renegociação", segundo os pesquisadores, 50% dos royalties foram cancelados e o Congresso aprovou mudanças radicais no contrato de concessão. O pagamento de royalties converteu-se em repasse variável (de 15% das receitas aeronáuticas e não-aeronáuticas), revisão do cronograma de investimento e a conversão de US$ 250 milhões da dívida da empresa com o Estado em participação acionária de 20%.

Lições que ficam, ressalta o estudo: 1) o governo argentino aparentemente deu maior importância à arrecadação de receita que ao aumento da competição; 2) a empresa vencedora esperou, para renegociar o contrato, até um ponto muito custoso para o governo substituí-la por outra empresa; 3) diante da insolvência da concessionária, o governo não retomou a concessão, perdendo dinheiro e deixando de avaliar outras ofertas.

Dos países pesquisados, uma das experiências mais curiosas é a da Alemanha. Em 2001, o aeroporto de Frankfurt - o maior da Europa - abriu seu capital. A Fraport, firma que administra o aeroporto, tem 51% de suas ações nas mãos do Estado de Hesse e da prefeitura local. Os investidores privados detêm 49%. Na definição das tarifas aeroportuárias, a Fraport negocia diretamente com as companhias aéreas.

O governo faz recomendações, mas não exigências. Além de contratos de cinco anos de duração para fixar as tarifas com linhas aéreas, há uma divisão de riscos. As partes acertam uma determinada meta de receita anual, baseada na expectativa de aumento da demanda. Se a meta for ultrapassada, a Fraport entrega 33% do excedente às aéreas; se a meta não for alcançada, elas se responsabilizam por 33% do montante para equilibrar as contas do aeroporto de Frankfurt.

Outro caso que chama a atenção e serve de alerta à Anac é o do Canadá. No fim da década de 80, diante dos seguidos déficits que o Tesouro precisava bancar, a administração dos aeroportos foi descentralizada. Autoridades locais optaram por contratos de aluguel das instalações. A Air Canada, maior companhia aérea do país, passou a dominar os "slots" (faixas de horário para pousos e decolagens) e principais terminais de passageiros, responsabilizando-se pelos investimentos em infraestrutura. Com isso, aumentou a barreira para a entrada de novas empresas aéreas nos aeroportos mais concorridos, o que teria aumentado consideravelmente o preços das passagens.

No Reino Unido, houve venda integral da BAA, que administra sete aeroportos - inclusive os londrinos Heathrow, Gatwick e Stansted -, em 1987. Hoje a BAA é controlada pela espanhola Ferrovial. Com mais de 20 anos dessa experiência, verificou-se o seguinte : persiste o excesso de demanda em Londres, o que pode ser indício de sub investimento da BAA; o aeroporto de Manchester (administrado pela prefeitura local) apresenta excesso de capacidade; há problemas na distribuição de "slots" e na qualidade dos serviços que são prestados. (CR e DR)