Título: Estudo propõe dividir e privatizar a Infraero
Autor: Romero, Cristiano; Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2009, Especial, p. A12

Estudo encomendado pela Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) propõe a cisão da Infraero em várias empresas, a abertura de capital das novas subsidiárias e, numa etapa seguinte, a privatização. O modelo se inspira na venda do Sistema Telebrás, realizada em 1998. Os autores do estudo sugerem que, antes da privatização, o governo estabeleça um novo marco regulatório para o setor, autorize a construção de novos aeroportos e crie condições para que haja competição no setor. Além disso, propõem uma inovação: a realização de leilões de "slots" (as faixas de horários para pousos e decolagens de aviões) nos aeroportos congestionados, como Congonhas, destinando os recursos levantados com isso para expandir a capacidade aeroportuária.

Intitulado "Regulação e Concorrência no Setor de Aeroportos", o documento, antecipado ao Valor por um assessor graduado do governo, foi elaborado pelo professor Heleno Martins Pioner, da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV, e por Eduardo Fiúza, da diretoria de Estudos Sociais do IPEA. Ele faz uma radiografia minuciosa do setor, analisa experiências internacionais de privatização nessa área e expõe ineficiências da Infraero, que registrou prejuízos em três dos últimos quatro anos.

Pioner e Fiúza propõem o que chamam de Plano A para a privatização e reforma regulatória dos serviços aeroportuários. Por esse plano, o governo deve consolidar a estrutura regulatória, que hoje envolve a Anac, a Secretaria de Aviação Civil e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo do Ministério da Defesa, e instituir um novo marco regulatório para o setor. Uma outra iniciativa seria autorizar a iniciativa privada a construir novos aeroportos e os governos locais (Estados e municípios) a fazerem o mesmo por meio de parcerias público-privadas (PPPs).

A ideia é permitir que as próprias empresas tomem a iniciativa de construir novas unidades, a exemplo do que ocorreu nas licitações das usinas do rio Madeira. Caberia à Anac, no entanto, enquadrar os projetos no plano diretor nacional de aeroportos a ser criado e analisá-los tecnicamente. Uma das principais preocupações de Pioner e Fiúza é que, antes da privatização, sejam criadas as condições para que as empresas operem num mercado competitivo.

"Embora a teoria aponte a importância da privatização para o aumento da eficiência, argumenta-se que a existência da concorrência no mercado onde a empresa privatizada atua é fundamental para dar-lhe os devidos incentivos à reorganização e ao aumento de eficiência", argumentaram os dois especialistas. Os dois pesquisadores criticaram a decisão do governo de privatizar (por meio de concessão) os aeroportos de Viracopos, em Campinas, e do Galeão, no Rio de Janeiro, antes de instituir um novo marco regulatório e de reestruturar o setor. Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha anunciado em setembro de 2008 a disposição de entregar ao setor privado aqueles aeroportos, a medida não se consumou.

"Não foram feitos ainda estudos sobre quais são os reais competidores desses aeroportos; e não se definiu como os demais aeroportos da Infraero sobreviverão sem os recursos transferidos por subsídios cruzados internos e vindos justamente de aeroportos superavitários como esses dois", ponderam os autores do estudo.

Eles apontam que, entre 2002 e 2007, Guarulhos e Viracopos foram os dois únicos, entre os 67 aeroportos administrados pela Infraero, que demonstraram ser superavitários e plenamente sustentáveis. Dependendo dos cálculos, também entram nessa lista os aeroportos de Congonhas, Manaus, Navegantes, Fortaleza e Ilhéus. Para os pesquisadores, foram feitas privatizações, nos anos 90, sem a prévia adoção de um marco regulatório. Isso criou problemas.

"A instituição de regras posteriormente à privatização esbarra em direitos adquiridos", observam Pioner e Fiúza. No setor ferroviário, por exemplo, o vácuo regulatório criou situações como a falta de acesso mútuo entre ferrovias privatizadas e a existência de ferrovias sem contrato de concessão (caso da Estrada de Ferro Vitória-Minas). No setor petrolífero, foram criadas dificuldades de acesso a gasodutos (caso BP-Petrobras).

O exemplo de privatização bem sucedida citado pelos autores do estudo da Anac é o do Sistema Telebrás, que, ainda assim, dizem eles, "não foi suficiente para eliminar os monopólios locais". Apesar disso, aquele modelo tornou viável a entrada de novos participantes.

Outra ação proposta no Plano A é dividir a Infraero em blocos segundo uma nova estrutura de tarifas que reflita custos e demandas nos diversos aeroportos, e abrir o capital das novas empresas. O passo seguinte é transformar o atual sistema de subsídios cruzados internos à Infraero em um sistema de transferências entre os blocos por meio da criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional.

A próxima iniciativa seria a venda de até 49% do capital de cada bloco (empresa), com a oferta de um pedaço do capital a detentores de saldos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Seria criada ainda uma golden share, uma ação de classe especial que daria ao governo poder de veto. Feito isso, o governo venderia, de forma separada, as empresas prestadoras de serviços (comissaria, limpeza, segurança etc.) em que a Infraero tenha participação.

O momento seguinte seria o da privatização propriamente dita das companhias criadas a partir da cisão da Infraero. Não se trata de uma medida que seria implementada imediatamente, uma vez que o governo, antes de vender as empresas, esperaria maturar os investimentos dos novos entrantes no setor. Antes, o governo faria uma revisão da estrutura tarifária e estabeleceria um plano para o aumento da produtividade num horizonte mínimo de cinco anos.

Pioner e Fiúza chegam a sugerir modelos de leilão - "ascendente eletrônico sem que os participantes se conheçam ou então um leilão combinatório de envelopes fechados ou um leilão anglo-holandês, que combina uma fase ascendente com envelopes fechados". Segundo os estudiosos, é falaciosa e ingênua a alegação de que a privatização da Infraero em pedaços inviabilizaria a concessão de aeroportos deficitários. "Uma privatização como tal permitiria a liberação de competição nas áreas mais atraentes, desde que os entrantes contribuíssem para o Fundo de Integração Regional", explicam.