Título: Mais de 890 mil poupadores estarão sujeitos ao imposto
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Fonte: Valor Econômico, 14/05/2009, Eu & Investimentos, p. D1
Mais de R$ 110 bilhões, o equivalente a 40% dos recursos totais na caderneta de poupança, passarão a ter parcela dos seus rendimentos tributáveis a partir do ano que vem. Trata-se de um universo de mais de 890 mil aplicadores, mas que representam uma fatia pequena, de menos de 1% do total de contas existentes no âmbito do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), com quase 90 milhões de poupadores.
A taxação para aplicações acima de R$ 50 mil, escalonada de acordo com o nível da Selic, vem com o intuito de inibir a migração dos cotistas de fundos para a caderneta num ambiente de juros mais baixos. Complementarmente, o governo pretende dar um desconto na tributação para algumas aplicações de renda fixa que obedecem hoje à tabela regressiva de imposto de renda para fazer a ponte até 2010, quando as novas regras para a poupança passarão a valer. Só em fundos de renda fixa há R$ 577,7 bilhões.
Ao barrar uma migração em massa dos recursos em fundos de investimento para a poupança, o governo está impedindo um desequilíbrio entre as alternativas de aplicação e, consequentemente, preservando a maior fonte de financiamento da dívida pública, os fundos, diz Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. No novo cenário, o Banco Central (BC) pode continuar baixando o juro básico, o que contribui para a redução do custo da dívida, já que cerca de um terço está atrelada à Selic. Para ele, o ajuste não prejudica ninguém e era inevitável com os juros caminhando para o menor nível da história.
As medidas direcionadas especificamente para a poupança não só tornaram a aplicação mais complexa como trarão algum tipo de prejuízo para o contribuinte, avalia o advogado Regis Braga, sócio do escritório Braga & Marafon. "A história de que o pequeno poupador não será atingido é verdade até certo ponto", diz. Ele cita o exemplo, hipotético mas possível, de um aposentado que, depois de trabalhar a vida toda, sacou os recursos que acumulou no FGTS e abriu uma poupança e usa os recursos para complementar sua renda. É bem provável encontrar pessoas com esse perfil que tenham mais de R$ 50 mil, destaca Braga.
O advogado ressalta, no entanto, que tanto a taxação da poupança quanto o desconto na tributação de aplicações de renda fixa neste ano eram inevitáveis para resolver a questão da rolagem da dívida pública. "Ou ele mantinha aberto o canal para rolar a dívida ou emitia papel sob o risco de provocar inflação."
Do ponto de vista técnico, Braga diz que o governo poderia ter trabalhado em duas outras frentes, que evitariam questionamentos e desgaste político. Uma delas seria acabar de vez com o come-cotas dos fundos de renda fixa - imposto de renda pago semestralmente -, que foi criado exclusivamente para aumentar a arrecadação. Outra alternativa era estabelecer um teto informal para as taxas de administração. "Se os fundos diminuíssem as taxas de administração, a remuneração seria preservada mesmo com a redução da Selic", afirma. "Mas, nesse cabo de guerra, nem os bancos nem o governo vão abrir mão de receita e, portanto, quem vai pagar a conta é a população." A lógica de não interferir na receita dos bancos com as taxas de administração está na preservação do lucro das instituições que, em última instância, são tributadas com PIS, Cofins, Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido.
Já um executivo ligado ao setor de habitação considerou ruim o fato de o governo ter complicado a poupança, inclusive impondo uma alíquota diferente à de outras aplicações financeiras, de 27,5%. "A poupança sempre teve a simplicidade como atrativo", diz ele, que alerta que as estatísticas do governo sobre as cadernetas têm distorções. "Há muitas contas inativas, de R$ 20,00, pessoas que têm mais de uma conta com valores menores, coisas que distorcem o perfil do investidor."
Ele acha absurdo considerar quem tem R$ 50 mil como especulador e dá o exemplo de um aposentado que vende um imóvel por R$ 200 mil e aplica o valor na poupança e passa a viver da rentabilidade. "Mas, pela regra do governo, ele não é isento, porque a poupança não é a única fonte de renda". Segundo esse executivo, um investidor com aplicação de R$ 1 milhão pagaria, caso o juro caísse para 9,5% ao ano, R$ 4,7 mil, ou 7,83% do rendimento da caderneta. Já para R$ 10 milhões, o imposto anual subiria para R$ 49 mil, ou 8,2% do rendimento.
Embora à primeira vista, possam ser encaradas como complexas, as iniciativas têm o caráter preventivo e não devem provocar grandes movimentações entre as aplicações financeiras, pondera o professor Ricardo Leal, do Instituto Coppead de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "As medidas foram tomadas antes de as taxas atingirem níveis bem mais baixos, exatamente para que as pessoas com recursos em fundos não saíssem deles, enquanto o grande aplicador de poupança tem um perfil tão conservador que nunca teve coragem de passar sequer para um fundo DI."
Contar com uma redução temporária, com alíquotas que saem de 22,5%, 20% e 17,5% para a faixa de 15% ao ano nos fundos de renda fixa, diminui a pressão para que os bancos reduzam as taxas de administração no varejo, de acordo com Rafael Paschoarell, professor do Laboratório de Finanças da Fundação Instituto de Administração (LABFIN/FIA). "É um estímulo à imobilidade tanto das assets quanto dos investidores, que vão ouvir dos gerentes argumentos para permanecer nos fundos por causa da tributação menor."
A proteção dada ao investidor em poupança de até R$ 50 mil impõe, porém, um novo desafio para os fundos de renda fixa e DI que têm como alvo essa faixa de aplicadores e cobram taxas de administração mais altas do mercado, de 3% a 4% ao ano. Eles terão de competir com a rentabilidade líquida de 6,17% ao ano da poupança em meio à queda dos juros, que aumenta o impacto dos custos no rendimento. Além disso, os fundos pagarão imposto de, no mínimo, 15%, o que manterá competitivos apenas carteiras com taxas abaixo de 1% ao ano.
Tal situação vai exigir adaptação dos bancos, reconhece o presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), Marcelo Giufrida. "Será um desafio para o mercado de fundos, mas já tivemos competição acirrada antes, com os CDBs, Tesouro Direto, e o setor voltou a crescer este ano." Para ele, as taxas de administração das carteiras de renda fixa e DI vão continuar caindo pelo aumento de escala dos fundos e pela queda dos juros da economia.