Título: Prioridades, Brasil e emergentes ganham a atenção do HSBC
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2009, Finanças, p. C8

O presidente do conselho do HSBC, Stephen Green, é um homem de fé e não é apenas na saúde do grupo financeiro que comanda. Pastor eventual na Igreja Anglicana, ele muitas vezes divide seu tempo entre as finanças do banco inglês e os sermões dominicais. No mundo dos negócios, a profissão de fé atual do executivo é nas operações de países emergentes, que vêm sustentando resultados no azul para o HSBC.

Adrian Moser / Bloomberg News Stephen Green: "Vamos colocar mais recursos porque acreditamos que as perspectivas do Brasil são muito boas"

Além da Ásia, o Brasil é particularmente importante e considerado alta prioridade. Com o México mais afetado pela proximidade com os EUA, os lucros do Brasil passaram a ser os maiores na América Latina e quase triplicaram seu peso no balanço de 2008 do grupo, divulgado semana passada.

Ao falar sobre a estratégia para o país Green soa quase como o pastor ao repetir incansavelmente um dos credos favoritos do banco: "Podemos crescer organicamente no Brasil", diz, acrescentando que o mercado local está bem consolidado e dando a entender que não vê muitas oportunidades de aquisições que combinem com o perfil do banco. Mas garante que a operação brasileira terá capital para crescer mesmo sem ir às compras.

Green acredita que a crise financeira vai acabar, mas ainda não é possível saber quando. "Nada antes foi parecido com isso", admitiu ao Valor nesta entrevista.

Valor: Que estratégias o senhor considera mais decisivas para que o HSBC tenha resistido melhor do que alguns pares?

Stephen Green: Creio que há duas ou três diferenças que foram chave. Primeiro, nós sempre tivemos uma estrutura de capital relativamente forte, mesmo antes da emissão [anunciada semana passada, de US$ 17,7 bilhões] e depois dela vai ficar ainda mais forte. Segundo, nós procuramos manter um balanço líquido. A relação entre empréstimos e depósitos dos clientes é de 83% e muitos outros bancos têm relação muito acima de 100%. Terceiro, nós temos boa parte do nosso negócio em subsidiárias nos países de crescimento rápido, como alguns na Ásia, no Oriente Médio e também, claro, no Brasil. Então, pudemos suportar melhor alguns choques, mesmo estando presentes no financiamento ao consumo nos EUA.

Valor: O senhor mencionou que ser um banco global ajudou, mas muitos bancos globais enfrentam problemas sérios.

Green: A razão é que não há de fato algum com o mesmo perfil. Há outros bancos que têm uma parte desse nosso perfil. O Standard Jordan tem posições principalmente na Ásia e no Oriente Médio, eles divulgaram resultados bastante fortes. Se você olhar um banco como o Itaú, no Brasil, está claramente indo muito bem. Mas não há outro banco que reúna operações desses tipos e mais operações na Europa e na América do Norte. Essa franquia é muito poderosa, num mundo que está ficando mais e mais interligado e global.

Valor: Então, o senhor acha que o HSBC pode se tornar a primeira opção como um banco global.

Green: Sim, eu diria isso. Este será um ano difícil para a economia de forma geral para o mundo. Mas a tendência geral de crescimento que se pode ver em locais como a China, Indonésia, Oriente Médio, Brasil, isso vai continuar pela próxima geração.

Valor: O contágio tem sido grande no setor financeiro, o sr. crê que o HSBC vai se manter saudável?

Green: Nós estamos confortáveis com o a força que temos, somos um banco independente, não temos participação do governo. A emissão que anunciamos é para subscrição entre os que já são acionistas, é uma operação bem básica de mercado.

Valor: O setor bancário brasileiro passa por mais uma forte rodada de consolidação, quais são os seus planos no país?

Green: Nós temos um bom banco no Brasil, com mil agências, temos oportunidades organicamente. Não sei quais seriam as oportunidades não orgânicas já que o setor no Brasil já está razoavelmente consolidado. Então pode ser que nosso crescimento seja orgânico e nós estamos bastante confortáveis com isso.

Valor: O Brasil é prioridade?

Green: É certamente um país no qual nós esperamos estar comprometendo mais capital porque se vamos crescer de forma orgânica precisaremos colocar capital. A não ser que apareça alguma outra oportunidade e aí nós teremos de avaliar. Mas de qualquer forma é um país que é uma alta prioridade, e vamos colocar mais recursos nos próximos anos porque acreditamos que as perspectivas econômicas do Brasil são muito boas.

Valor: Há planos de aquisições no Brasil ou em outro país agora?

Green: Não está na mesa nesse momento, mas nunca se sabe. Sempre olhamos maneiras de aumentar nosso negócio nos mercados de crescimento rápido, onde temos uma boa rede. O Brasil certamente é um deles. Pode ser que não haja muitas oportunidades de aquisições nesses locais, mas tudo bem, faremos isso organicamente, fizemos isso em vários lugares.

Valor: Quem sabe a operação do Citi no Brasil...

Green: Não gostaria de comentar coisas específicas. O que procuramos são bons bancos comerciais, com depósitos.

Valor: E não há muitos no Brasil?

Green: Acho que é um mercado bem consolidado, mas tudo bem, vamos crescer organicamente.

Valor: A crise já chegou ao fundo?

Green: Acho difícil dizer > Ninguém sabe. Essa é uma crise sem precedentes, nada antes chegou a ser parecido com isso. A maneira como se espalhou pelo mundo e a velocidade com que a economia real se reduziu no último trimestre do ano passado pegaram a todos de surpresa. Governos estão tomando todas as medidas possíveis cortando taxas de juros, injetando liquidez no sistema. O preço das commodities caiu, o que vai ter impacto positivo no bolso do consumidor, mas ninguém sabe como vai ser a resposta do consumidor a todos esses estímulos. Se eles vão gastar tudo, guardar tudo ou ficar no meio do caminho. E é muito cedo para dizer.

Valor: A esta altura, já é possível tirar lições dessa crise?

Green: Sim, acho que já há lições claras. A economia global estava ficando cada vez mais desequilibrada nos últimos anos, com os EUA particularmente consumindo mais e mais e tendo déficit em conta corrente cada vez maior. O consumidor americano gastando e tomando cada vez mais empréstimos e não poupando. E no outro lado havia países, particularmente na Ásia, com níveis muito altos de poupança, consumidores não gastando o suficiente, grandes superávits comerciais, que foram investidos nos mercados dos EUA, o que alimentou o boom do mercado imobiliário americano.

Valor: Tudo muito calcado na alavancagem.

Green: Simultaneamente os bancos ficaram mais alavancados e também entraram nessa complexa estrutura na qual você pega a hipoteca, fatia e empacota e vende para investidores, estruturas muito complexas, que ninguém entende exatamente. O sistema bancário está tendo que ser desalavancado e esse processo de ajuste será inevitalmente dolorido. Também creio que os reguladores também não vão mais tolerar o grau de complexidade de produtos. Quando sairmos da crise os mercados de capitais ainda serão uma parte importante do sistema financeiro e uma engrenagem importante para o crescimento econômico, mas haverá menos complicações desnecessárias, menos alavancagem.

Valor: Tudo isso poderia ter sido antecipado?

Green: O fato é que ninguém previu o que está acontecendo com a economia dos EUA. No começo de 2008, as estimativas para 2009 eram de crescimento de pelo menos 2%.

Valor: Após essa crise vamos ter um reequilíbrio de forças entre as economias do mundo?

Green: Sim, acho que tem ocorrido uma mudança gradual do ocidente para o oriente e essa crise deve acelerar isso. Ainda deve haver crescimento razoável na Ásia, que, excluindo o Japão, deve ser de cerca de 4,5% este ano. Os ganhos vão vir dos mercados emergentes. Gradualmente, regiões como Ásia, América Latina, Oriente Médio, vão ter fatias mais mais largas do PIB global.

Valor: Então a Ásia e América Latina são prioridade para o HSBC.

Green: Sim, certamente. Nós já dissemos publicamente queremos que os emergentes sejam pelo menos 60% do nosso negócio.

Valor: O senhor já vê um fim para a crise?

Green: Bem, ela vai acabar, não sei quando. Realmente não quero especular sobre isso. Esse ano vai ser muito difícil para a economia global. Se vamos começar a ver um início de estabilização no fim do ano? Eu gostaria que sim, mas não sabemos. E ninguém sabe quão rápida a recuperação vai ser. Um cenário possível é que se saia do fundo e depois passe um tempo, talvez um ano ou dois, com crescimento lento. O que estou certo é de que não voltaremos simplesmente ao ponto em que estávamos antes.