Título: Cúpula das Américas prioriza energia
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2009, Internacional, p. A11

Assunto polêmico entre os países americanos e do Caribe, a cooperação regional em matéria de energia será definitivamente instalada na agenda dos governos do continente na Cúpula das Américas, que começa hoje, reunindo na capital do arquipélago caribenho de Trinidad e Tobago 34 chefes de Estado e de governo - só Cuba, entre os países da região, não participa do encontro.

Assim como a reunião anterior, em Mar del Plata, em 2005, marcou o fracasso das negociações para uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a deste ano, além de discutir os efeitos da crise financeira internacional, deve estabelecer uma nova agenda nas discussões políticas dos países da região.

"Seja qual for a matriz energética dos países, essa é a maior oportunidade para uma cooperação regional, em temas com eficiência energética e energias renováveis", avalia a secretária-geral da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. O tema é cercado de ceticismo e foi uma das maiores polêmicas durante as negociações do documento final do encontro, a ser divulgado ao fim da reunião, no domingo.

Países como a Bolívia, insistiam em vincular os biocombustíveis às ameaças contra o abastecimento de alimentos nos países mais pobres. O assunto também não tem grande apoio de grandes produtores de petróleo como a Venezuela.

No mais recente rascunho do documento final do encontro, ainda a ser confirmado pelos presidentes e primeiros-ministros do continente, um dos parágrafos chega a prever uma reunião dos 34 países para elaborar um plano de ação conjunto na área de energia, com estratégias de cooperação para garantir "energia confiável, eficiente, economicamente acessível e limpa".

As referências insinuando riscos à "segurança alimentar" provocados pelos biocombustíveis foram eliminadas, por insistência dos diplomatas brasileiros. O documento recomenda incentivo ao biocombustível "levando em conta seu impacto social, econômico e ambiental".

Como toda declaração nesse tipo de encontro, o texto elaborado pelos diplomatas para ser anunciado pelos presidentes está sujeito a mudanças de última hora, como a ameaçada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que ontem ignorou a participação de seus próprios funcionários na preparação da declaração final e anunciou a intenção de vetar todo o texto, ao chegar em Trinidad e Tobago.

A maior restrição da Venezuela, apoiada pela Nicarágua, concentra-se no parágrafo da declaração no qual os presidentes da região dizem reconhecer "o importante papel da Organização dos Estados Americanos (OEA)" na solução pacífica das divergências no continente americano e na promoção de uma "cultura de democracia, paz, diálogo e não-violência".

Chávez acusa a OEA de ter apoiado a tentativa de golpe contra ele, em 2002, e de intromissão em assuntos internos da Venezuela. Na negociação do documento final da cúpula de Trinidad e Tobago, ele se juntou à Nicarágua para pedir a inclusão de uma ressalva, acusando a OEA de "tendenciosidade política em prejuízo da soberania e auto-determinação" de alguns países. Na fórmula aprovada pelos diplomatas venezuelanos, a declaração sairia com uma nota cobrando da OEA "ajustar-se ao cumprimento dos princípios de independência, igualdade soberana e não ingerência nos assuntos internos".

Embora Chávez também acuse a declaração de ser "neoliberal", o texto marca uma mudança sensível na política dos EUA para as Américas, incluída no rascunho de declaração após a posse de Obama. A discussão sobre liberalização comercial foi reduzida a um parágrafo genérico reconhecendo a "contribuição positiva" do comércio para o crescimento, emprego e desenvolvimento.

Quase metade do documento é dedicado a políticas sociais, e o governo americano aceitou usar largamente a expressão "direito" ao falar de direitos a serviços básicos como saúde e educação - o texto traz implícita a aprovação à ampliação de serviços públicos de saúde, o que até então era um tabu para os EUA.

Deixando de lado a ênfase no aspecto comercial dos programas de cooperação com a região, os EUA concordaram também em promover "intercâmbio de tecnologias" em temas como energia e biocombustíveis.

Se mantido o rascunho negociado pelos governos, a declaração incluirá uma compilação de metas já decididas pelos governos, como a de reduzir o prazo para a abertura de empresas para no máximo 30 dias, até 2015; eliminar o trabalho forçado antes de 2010; erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2020; reduzir pela metade, até 2015, a população sujeita à fome; aumentar para 75% a taxa de matrícula na escola secundária até 2015 e a pelo menos 40% até 2020 a taxa na educação superior.