Título: Vestígios de incipiente recuperação nos EUA
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Fonte: Valor Econômico, 30/04/2009, Opinião, p. A14
Os mais recentes indicadores econômicos dos países desenvolvidos trazem bons presságios. A economia americana começa a sair do fundo do poço e se prepara para uma lenta, e provavelmente demorada, recuperação. Do outro lado do Atlântico, a zona do euro começa a ver sinais positivos após meses de desempenho desastroso. O PIB dos EUA encolheu 6,1% no primeiro trimestre, um pouco abaixo dos 6,3% do último trimestre de 2008, mas essa ínfima melhora foi produzida por fatores que podem ter sustentação ao longo do tempo. Do outro lado do Atlântico, a zona do euro começa a ver sinais positivos após um bom tempo de desempenho ruim - o índice de confiança em abril subiu pela primeira vez em onze meses. A economia brasileira emite vários sinais de incipiente reativação.
Os dados divulgados sobre o PIB americano não deixam dúvida do tamanho do estrago produzido por uma crise financeira. A atual recessão é a segunda maior desde a Grande Depressão. O declínio de 3,3% do PIB em seis meses só perde para os 3,8% de queda observados durante o forte e rápido recuo de 1957-58. Mas quase metade do recuo do primeiro trimestre pode ser atribuído a uma queima recorde de estoques. Na sua ausência, o PIB teria caído 3,4%. Mais que isso, a desova dos estoques é um bom sinal para os próximos meses, desde que o novo nível de produção das fábricas encontre do outro lado demanda suficiente. E este é outro ponto promissor - o consumo, que compõe 70% do PIB americano, cresceu 2,2% ao ano no primeiro trimestre. As vendas de automóveis e bens duráveis apresentaram alguma reação e há chances de que os gastos do consumidor continuem neste passo cauteloso no decorrer do ano, embora o desemprego em alta lance dúvidas sobre isso.
O S&P 500 acumula alta de 30% desde 9 de março por motivos nada especulativos. Das empresas que já divulgaram o balanço do primeiro trimestre, 68% tiveram lucros maiores do que o mercado previa. Isso comprova que elas conseguiram preservar sua saúde enquanto a economia contraía, por meio de fortes cortes de produção, emprego e estoques.
As companhias americanas entraram na crise bem capitalizadas, mas delas partiu o sinal mais preocupante para o futuro. Seus investimentos em equipamentos, máquinas, informática e construções desabaram no primeiro trimestre, com queda de extraordinários 38%. Boa parte dos analistas, porém, acredita que os cortes, por terem sido muito profundos e rápidos, não deverão se repetir: foram feitos para que se adequassem a uma situação que se deteriorava com rapidez.
Os riscos para a recuperação existem. A pré-condição para uma retomada sólida das atividades econômicas é a limpeza dos ativos podres dos bancos e sua recapitalização, sem a qual o motor do crédito não funcionará normalmente. Em seu comunicado de ontem, o Fed aponta que os gastos domésticos ainda estão limitados pela perda de empregos, de renda e pelo crédito apertado. Este conjunto de freios ainda agirá por um bom tempo. Enquanto isso, o Fed, que injetou mais de US$ 1,5 trilhão na economia, continuará bombeando recursos para ampliar a oferta e reduzir o custo dos empréstimos. Há sinais de que esses esforços começaram a dar resultados. Além disso, Paul Volcker, o respeitado ex-presidente da instituição, previu ontem que os EUA não precisam de um novo estímulo fiscal, que sua economia começou a se recuperar de um nível muito baixo e que fará isso muito lentamente.
Até mesmo na desalentadora economia europeia há indícios que suscitam esperanças. As vendas de varejo na zona do euro tiveram em abril sua menor queda em 11 meses, o que coincide com o aumento do nível de confiança pela primeira vez no mesmo período. Mais da metade das 108 empresas do Stoxx600 apresentaram lucros maiores do que os previstos no primeiro trimestre. Há perspectivas de que o aperto do crédito se atenue no segundo trimestre. Uma pesquisa do Banco Central Europeu mostra que o número de bancos que estão dispostos a ampliar sua exigências de empréstimos recuou de 47% no primeiro trimestre para 28% agora. EUA e boa parte das economias europeias continuam escoradas por dinheiro público, mas há vestígios de que tentam recuperar dinamismo a partir deste impulso.