Título: Petrobras vai usar o pré-sal para fazer política industrial
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2009, Especial, p. A16

Infraestrutura: Conteúdo nacional do setor, hoje de 65%, aumentará, diz Guilherme Estrella, diretor da estatal Cláudia Schüffner, do Rio 17/04/2009

Leo Pinheiro/Valor Guilherme Estrella: "Um país como o Brasil consumir 1,85 milhão de barris de petróleo por dia não é nada, é muito pouco"

A Petrobras vai incentivar a participação de empresas nacionais no negócio de petróleo no Brasil. Com o volume enorme de produção garantido nos campos da área de Tupi, na bacia de Santos, as encomendas vão ganhar escala. E o conteúdo nacional, hoje de 65%, também terá de aumentar, diz o geólogo Guilherme Estrella, diretor de Exploração e Produção da Petrobras. Ele comanda o maior orçamento - a área que "fura poço e acha petróleo", nas palavras do ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti - da estatal, com US$ 92 bilhões previstos até 2013. "O pré-sal veio dar escala para substituirmos importações", disse Estrella ao Valor.

Ele cita como exemplo hipotético (e frisa que não é uma previsão) a construção de 50 plataformas para o pré-sal, cada uma com necessidade de consumo de 100 MW e que precisam, portanto, ter capacidade de gerar essa oferta e o fariam a partir de quatro turbinas. Nesse caso, seriam necessárias 200 turbinas para essas unidades funcionarem em alto mar, todas importadas. "Não vai ser possível recebermos, fabricada no exterior, a duocentésima turbina. É preciso fazer parcerias estratégicas com fornecedores estrangeiros para que assumam a construção no Brasil", explica.

Estrella, contudo, também quer novos competidores nacionais nesse setor. "Nossa política é de promoção da entrada do empresário brasileiro no segmento de produção de petróleo", explica ele. A ideia, diz, é estabelecer um determinado índice de nacionalização, caminhando para o que o chama de "parcerias estratégicas" com os supridores de equipamentos. "Vamos combinar que se encomendarmos 200 turbinas, a vigésima primeira seja produzida 50% no Brasil e assim por diante, até que a duocentésima seja nacional." Ontem, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, informou que o diretor-financeiro, Almir Barbassa está em Cingapura, Coreia e Japão fazendo um "road show" junto com o diretor de Serviços, Renato Duque, para atrair investidores para o Brasil do ponto de vista produtivo, não financeiro.

Na entrevista, o diretor da Petrobras fez uma avaliação sobre a importância das descobertas na bacia de Santos e em tom quase ufanista, diz que a área vai ser fundamental para a retomada do crescimento brasileiro. "Este é um país continental. Tem de decolar. A gente está correndo na pista e às vezes damos voo de galinha. Somos um A-380 que precisa de energia para decolar. E essas descobertas de óleo e gás vão dar uma base para este país. Elas chegaram no momento certo."

Estrella acha pouco o consumo de petróleo do país, de aproximadamente 1,85 milhão de barris/dia, e vê possibilidade de se chegar a um consumo de 3 a 5 milhões de barris de petróleo por dia com mais industrialização. E acredita que o pré-sal vai dar um empurrão no parque industrial brasileiro, transformando o país em um gigante agrícola, um gigante produtor de biocombustíveis e industrial. "Aí ninguém segura este país mesmo", diz.

Mas Estrella frisou que a orientação do conselho de administração da companhia, presidido pela ministra Dilma Rousseff, é de não repetir a política de substituição de importações "que deu certo no primeiro momento, mas acabou produzindo insumos que não competem internacionalmente". No momento, o grande desafio é diminuir custos. "E a indústria não pode matar a galinha dos ovos de ouro." A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Valor na semana passada, antes da confirmação de mais um campo rico na bacia de Santos, o Iguaçu.

Valor: A Petrobras vem anunciando várias descobertas no pré-sal e no pós-sal, algumas em águas rasas da bacia de Santos. O que significam?

Guilherme Estrella: Eu reputo à bacia de Santos o grande acontecimento do setor petrolífero brasileiro nesses últimos anos. É uma coisa espetacular em termos de exploração de petróleo mundial. Estamos no processo de descoberta dessa nova bacia sedimentar altamente prolífica. Não estamos nem no meio do caminho. Até 2003, tínhamos ali a produção de Merluza e Estrela do Mar, mas a descoberta dos campos de Mexilhão e Uruguá Tambaú e dos blocos do pré-sal mostra que é uma bacia muito grande, com características geológicas muito especiais, altamente produtiva em termos de óleo e gás. E isso tem apenas cinco anos. Descobrimos Mexilhão em julho de 2000. Chegaram a chamar de Mexilhinho porque não seria tão grande, mas é grande, vai produzir 15 milhões de metros cúbicos de gás. E também existem oportunidades em torno dele.

Valor: A infraestrutura de gás não está pequena com as novas descobertas?

Estrella: Estão pensando em um gasoduto de Uruguá Tambaú para Cabiúnas (RJ) já que a Bacia de Campos naturalmente declina na produção de óleo e gás. O gasoduto de Mexilhão já está ficando pequeno. Também poderemos fazer a interligação com os campos Maromba e Papa-Terra (bacia de Campos) e transformar a área em um gigantesco polo de produção de óleo e gás.

Valor: Qual será o lugar do petróleo brasileiro no mundo em algumas décadas?

Estrella: O que nos entusiasma mesmo é que o pré-sal vai ser fundamental para a retomada do crescimento brasileiro. Este é um país continental. Tem de decolar. Estamos correndo na pista e às vezes damos voo de galinha. Somos um A-380 que precisa de energia para decolar. E essas descobertas de óleo e gás vão dar uma base para este país. E chegaram no tempo certo. O que nos dá também uma segurança nos investimentos é que a Agência Internacional de Energia publicou meses atrás um estudo de previsão de consumo mundial e para a década 20 o consumo foi projetado entre 100 e 120 milhões de barris/dia. Desses, cerca de 50% deverão vir de campos ainda não descobertos. Quer dizer, se ninguém fizer nada agora, e mesmo com combustíveis alternativos e renováveis que terão entre 7% e 15% desse bolo, cerca de 40 a 50 milhões de barris/dia serão provenientes de campos ainda não descobertos. Daí se vê a importância do pré-sal em um cenário desses.

Valor: E para o Brasil?

Estrella: Não temos navegação de cabotagem, temos muito poucos trilhos e o petróleo para nós é de extrema importância. Temos de desenvolver uma estrutura de transporte. Hoje temos de trazer tudo até o litoral para exportar. O pré-sal chegou no momento certo do desenvolvimento nacional. Um país desses consumir 1,85 milhão de barris de petróleo por dia não é nada. É muito pouco. Um país desses pode consumir tranquilamente de 3 a 5 milhões de barris se entrar numa rota de desenvolvimento sustentável de longo prazo, de acordo com as economias médias da Europa. Vamos preparar o parque industrial brasileiro para ser fornecedor de itens de alto nível tecnológico. Então o Brasil vai ser um gigante agrícola, um gigante produtor de biocombustíveis e industrial. Aí ninguém segura este país mesmo, o quadro se mostra fantástico.

Valor: Que desafios o senhor elencaria?

Estrella: Um grande desafio é o Brasil ser brasileiro. Como sociedade e como povo somos irresistíveis. Somos fraternos, solidários, não somos belicosos, somos amantes da vida, da música e das artes, somos lúdicos, trabalhadores, sérios sem sermos arrogantes nem carrancudos. A gente faz as coisas com alegria, mas seriamente. E essa é a grande vantagem competitiva do homem e da mulher brasileiros. E se formos competentes e exigirmos dos nossos governos essa competência, temos tudo na mão para sermos um país espetacular. E se a gente coloca na mão dessas pessoas riqueza, um país agrícola, um país produtor de biocombustíveis, de energia e industrializado, aí o planeta vai ser brasileiro (risos).

Valor: Como vocês estão negociando reduções de 30% nos custos?

Estrella: Temos US$ 174,1 bilhões em projetos robustos que estão nas nossas mãos. O grande desafio que vamos ter é diminuir custos. Os 30% são uma referência. Com certeza pode ser mais. Uma coisa é certa, não podemos praticar preços de US$ 140 o barril. Houve um acompanhamento dos preços de equipamentos e serviços em relação aos preços do petróleo e isso não existe mais. Temos de ter um rearranjo desse mercado supridor para uma nova realidade. Porque os projetos não passam. A nossa governança corporativa é rigorosa aqui. E a indústria não pode matar a galinha dos ovos de ouro.

Valor: Como estão as negociações com as empresas brasileiras?

Estrella: Essa é a grande oportunidade para brasileiras e estrangeiras que queiram ser parceiras desse desenvolvimento nacional. Essa é uma grande oportunidade para o empresário brasileiro e para o estrangeiro que vier para o Brasil porque aqui é um grande mercado. É um "greenfield" e eles devem se preparar para um estágio de competição que vai ser ancorado no desenvolvimento nacional. Eles não vão produzir para exportação. Mas para abastecer o Brasil e exportar também. Não há nenhum país importante e desenvolvido do mundo onde não tenha havido uma grande aliança estratégica, importante e robusta entre o Estado e empresários nacionais. É só ver os Estados Unidos, o Japão, a China, a Coreia e a Inglaterra.

Valor: A Petrobras fechou um contrato de longo prazo que evitou a saída da Weatherford. Esse modelo vai ser repetido?

Estrella: Essa empresa ia fechar a fábrica no Brasil e importar da fábrica dela na China. Então fizemos uma grande encomenda que permitiu à empresa ficar. Não podemos exigir nessas áreas com grande mão de obra preços como os de países asiáticos em que a mão de obra é semi-escrava. É uma vantagem competitiva que o empresário brasileiro não tem. Compreendemos isso, mas o empresário brasileiro tem de ver que essa é a grande oportunidade de aliança. Negociação é um processo contínuo.

Valor: A que tipo de aliança o senhor se refere?

Estrella: No caso de tubos flexíveis, por exemplo. A Coflexip (hoje Technip) veio primeiro, e depois veio a Wellstream. Fomos com ela até a prefeitura de Niterói para ajudar a arrumar espaço. Outro exemplo é o estaleiro Atlântico Sul, em Suape (PE), que é um empreendimento de qualidade mundial (que a Petrobras ajudou garantindo encomendas de navios, alguns financiados diretamente via Transpetro). Só agora estamos promovendo a construção de grandes diques para navios, tanto para conversão quanto construção. Estamos dando mercado, mas da parte deles é preciso que julguem a coisa estrategicamente. O mercado está na mão deles, mas é preciso interagir conosco para que os projetos sejam viáveis.

Valor: Afinal, o preço dos equipamentos já está caindo?

Estrella: No que diz respeito a equipamentos submarinos já está havendo redução de preços. Equipamentos de superfície como válvulas e máquinas também, porque o aço diminuiu muito. O preço dos serviços não está diminuindo na mesma proporção dos equipamentos, mas esperamos que caia porque começamos a ter ofertas de sondas, por exemplo, até de águas ultraprofundas. Também estamos fazendo uma análise dos nossos contratos comerciais. Oferecemos a eles um mercado de 30 anos, não é explícito, mas é óbvio. E essa perspectiva é que tem de fazer parte da racionalidade do empresário brasileiro.

Valor: Essa aliança já começou?

Estrella: Nossa política é de promoção da entrada do empresário brasileiro no segmento de produção de petróleo. Hoje só existe uma empresa pequenininha, a Petroserv, que produzia com uma sonda pequena em Coral e Estrela do Mar (bacia de Santos). E agora estamos oferecendo ao grande empresário brasileiro a oportunidade de participar da produção de Tupi e Iara, os primeiros campos do pré-sal. Já fizemos encomendas de sondas de perfuração no Brasil e agora vamos abrir a possibilidade para que fabriquem e operem navios de produção de 100 mil barris por dia para início em 2013 ou 2014. Essa licitação vai para a rua agora. Hoje temos 11 navios de produção afretados, todos de firmas estrangeiras especializadas em produção de petróleo. E vamos colocar agora a licitação para os dois primeiros contratos com brasileiros que vão se preparar para os 30, 40 ou 50 plataformas do pré-sal.

Valor: Quantas plataformas irão para o pré-sal?

Estrella: Em dezembro de 2007 constituímos um grupo das melhores cabeças em termos de exploração e produção, abastecimento, gás e energia. Os melhores da Petrobras, umas 30 pessoas só para trabalhar com o polo do pré-sal. A primeira fornada ficou pronta em fevereiro de 2008 e se precisava de zilhões de tudo. Em setembro, a segunda fornada de estudos mostrou que seriam necessários esses zilhões pela metade. Agora, já estamos reduzindo as projeções com novos procedimentos, novas ideias. Não são novas tecnologias porque não há barreira tecnológica para desenvolver o pré-sal. Temos de diminuir não só o número de poços como o custo, já que cada poço custa entre US$ 100 milhões e US$ 120 milhões. Em termos de equipamento e investimento, os números vêm baixando.

Valor: Diversos especialistas dizem que o pré-sal tem muito enxofre, gás carbônico, pressão e profundidade, exigindo novos materiais.

Estrella: Toda a tecnologia está dominada. Vamos trabalhar com maiores pressões, maiores temperaturas, com fluidos altamente corrosivos. Uma coisa é a tecnologia e outra é o preço. Não há nenhum problema de tecnologia metalúrgica e nem de construção. Na primeira fornada do grupo de trabalho, em fevereiro de 2008, os custos eram muito elevados por causa do petróleo. Mas estamos diminuindo custos. Constituímos um banco de dados com base na produção do bloco ES 123 em Jubarte, onde cada informação do poço está sendo devidamente estudada.

Valor: Quais os maiores desafios do pré-sal hoje?

Estrella: A autonomia dos equipamentos. Estamos a 400 quilômetros da costa e não podemos ficar o tempo todo usando helicópteros e barcos de apoio. Estamos estudando centros de suprimentos no meio do mar. Por exemplo, avaliando colocar um superpetroleiro que seria um centro de suprimentos, que por sua vez seria suprido com diesel e comida a cada 15 dias. Já sabemos que não podemos repetir no pré-sal da bacia de Santos o mesmo modelo de logística e suprimentos da bacia de Campos. É fisicamente impossível. A automação e controle à distância serão fundamentais para embarcar o menos possível, pois cada homem embarcado precisa de cozinheiro, de lavanderia, então, quanto menos colocar a bordo, melhor. São grandes desafios de técnica, não tecnológicos.

Valor: E o que fazer com todo o gás tão longe?

Estrella: Queremos liquefazer o gás. Existe tecnologia. O que precisa ser feito é apequenar as coisas, construir coisas pequenas, leves, que possam boiar e serem colocadas em cima de um navio. O gás sai do campo, chega na plataforma e lá é comprimido. De lá, vai para um navio de liquefação. Será feita a liquefação embarcada, que eles chamam GNL-E (Gás Natural Liquefeito Embarcado), porque estamos vendo que não podemos povoar a costa entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina com plantas de tratamento de gás natural. É tudo Serra do Mar, com o que resta de Mata Atlântica nas nossas encostas, uma área ambientalmente muito sensível. De qualquer maneira não dá para repetir Caraguatatuba. É uma costa turística, com ONGs ligadas ao meio ambiente de olho e o Ibama fazendo o seu papel. Então, planta de tratamento de gás na costa é coisa que vamos pensar duas vezes.

Valor: Serão necessários acordos de unitização em que áreas do pré-sal?

Estrella: Hoje existem áreas, como Tupi e Iara, em que há petróleo fora dos blocos que mantivemos. Elas deverão ser unificadas futuramente. Aparentemente existe mais em Iara do que em Tupi e em Guará.