Título: Múltis do Brasil fazem recuo tático, mas mantêm planos
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2009, Brasil, p. A4

As multinacionais brasileiras promoveram um recuo "tático" nos investimentos no exterior por conta da crise, mas nada muda nos planos "estratégicos", garantiram empresários e especialistas ontem durante seminário do Conselho Britânico em São Paulo.

Os dados do Banco Central apontam um tombo significativo nos investimentos brasileiros no exterior. O saldo ficou negativo em US$ 392 milhões no primeiro trimestre. De janeiro a março, as empresas investiram US$ 2,4 bilhões no exterior, um terço dos US$ 7,3 bilhões de igual período de 2008. E mantiveram a repatrição de capital em US$ 2,8 bilhões.

Conforme estimativa da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), o saldo dos investimentos brasileiros no exterior deve ficar em US$ 5 bilhões em 2009, bem abaixo dos US$ 20,5 bilhões do ano passado.

"É uma estimativa conservadora, porque considera o ritmo de queda até agora. O pior do impacto negativo da crise na expectativa dos empresários parece ter ficado para trás", disse Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet. "Não faz sentido para as empresas tirar o mercado internacional do seu radar".

A fabricante de motores e transformadores elétricos Weg optou pela cautela em um momento de crise e adiou o investimento de US$ 50 milhões em uma fábrica na Índia, disse o diretor-presidente, Harry Schmelzer. A previsão inicial era que a unidade começasse a operar em outubro, mas agora só deve ficar pronta em abril de 2010.

"Houve uma queda significativa nas vendas de bens de capital no mundo todo, o que reduziu a produção da Weg. Por enquanto, podemos atender o mercado indiano com a capacidade instalada que temos no Brasil", disse o executivo.

Schmelzer garantiu, no entanto, que não deve desistir do investimento, porque já encomendou as máquinas. Além disso, a Índia é um dos países com maior perspectiva de crescimento de demanda. A Weg é um dos casos mais bem sucedidos de internacionalização das empresas brasileiras, com fábricas espalhadas por Argentina, México, Portugal e China.

O executivo disse ainda que, por conta da crise, a Weg deve avançar no seu processo de internacionalização via aquisições, em vez de investir em novas unidades. "Temos que comprar mercado sem aumentar a capacidade de produção", disse. O foco está nos países asiáticos e em novas linhas que completem o portfólio de produtos da empresa.

Os cálculos da Sobeet mostram que 1.816 companhias brasileiras estão em processo de internacionalização, com atuação em 123 países. Parece muito, mas o Brasil apenas engatinha. Em 2007, último dado disponível, o país representou 0,4% dos investimentos estrangeiros diretos, comparados a 10% dos asiáticos.

Em 2007, os países em desenvolvimento responderam por 13% dos investimentos, acima dos 5% de 1990. Para Lima, da Sobeet, a crise deve aprofundar essa tendência, já que as economias emergentes foram as menos atingidas. "O bolo de investimentos no mundo vai diminuir, mas a fatia dos emergentes deve aumentar", afirmou.

Ele ressalta que algumas empresas, mesmo na crise, focam na internacionalização, porque seu mercado interno está saturado. É o caso da São Paulo Alpargatas, dona da marca Havaianas. No Brasil, são vendidos 850 pares de Havaianas por cada mil habitantes, o que significa que quatro em cada cinco brasileiros compram um par a cada ano. No exterior, a média é de apenas dez pares para cada 100 mil habitantes. Na Austrália, um dos principais mercados da Havaianas, a média chega a cem pares, mas não passa de cinco na Itália, França ou Inglaterra.

De acordo com informações apresentadas no seminário, as exportações representam 13,6% das vendas da Havaianas, muito acima dos 1,3% registrados em 1999. Afonso Sugiyama, gerente de produtos internacionais da Alpargatas, disse no evento que a meta é elevar essa fatia para 40%. Com a crise, a Havaianas reduziu os investimentos em marketing no exterior, mas mantém os planos de abrir escritórios em Londres e na Itália. Sugiyama preferiu não falar com a imprensa após o evento.