Título: A dor do adeus
Autor: Luiz, Edson; Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 22/01/2010, Mundo, p. 21

Homenagem póstuma aos 18 militares brasileiros mortos no terremoto, realizada na Base Aérea de Brasília, é marcada por grande emoção. Lula anuncia intenção de conceder R$ 500 mil à família de cada uma das vítimas

Caixões com os corpos dos 18 militares durante a homenagem póstuma na Base Aérea: condecoração post mortem com a Medalha do Pacificador

Crédito: Iano Andrade/CB/D.A Press Lula consola uma das familiares: emoção generalizada na solenidade

O governo brasileiro pretende conceder R$ 9 milhões às famílias dos 18 militares brasileiros mortos no Haiti. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem uma mensagem que encaminha ao Congresso um projeto de lei para conceder R$ 500 mil para cada uma das famílias. Ontem, durante a cerimônia póstuma em homenagem aos integrantes da Força de Paz do Brasil no país caribenho, Lula se emocionou e chorou, assim como a primeira-dama, Maríisa Letícia, junto com os parentes das vítimas do terremoto do último dia 12. Logo após a cerimônia, os corpos foram trasladados aos estados de origem dos mortos, que receberam condecoração e promoção de patentes post mortem.

A proposta de Lula de indenizar as famílias será publicada hoje no Diário Oficial da União. Além desse auxílio especial, a medida prevê ainda uma bolsa-educação para os dependentes matriculados em redes de ensino. A bolsa pagará a quantia mensal de R$ 510 até o dependente completar 24 anos. O texto será analisado pelo Congresso Nacional quando retornar do recesso legislativo, em fevereiro. Além disso, os familiares dos 18 militares ¿ a maior baixa do Exército brasileiro desde a Segunda Guerra ¿ vão receber pensões com valores equivalentes à patente imediatamente acima da dos postos que eles tinham.

A cerimônia póstuma foi marcada não apenas pela emoção dos parentes dos militares mortos no terremoto, mas também das autoridades. Ao cumprimentar os familiares dos integrantes da Tropa de Paz, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ¿ que estava acompanhado de quase todos os ministros e do vice José Alencar ¿ os abraçou emocionado, dizendo palavras de conforto. Em seu discurso, Lula agradeceu o trabalho prestado no Haiti pelos militares, citando nominalmente cada um deles. Enquanto o presidente falava, algumas mulheres choravam e abaixavam a cabeça.

¿Cada um desses homens reafirmou, durante sua vida, a vocação pacífica e solidária da Nação brasileira. Sem nunca perder a firmeza e a coragem necessárias para combater a violência e a criminalidade que tanto assolavam o Haiti, nossos militares sempre souberam conviver harmoniosamente com a população local, e ganhar a sua estima¿, disse o presidente, que também fez questão de citar a médica Zilda Arns e Luiz Carlos Costa, o brasileiro que era o segundo homem das Nações Unidas no Haiti. ¿O soldado brasileiro nunca foi confundido com invasores estrangeiros, muito pelo contrário, foi sua mão amiga que criou a confiança mútua¿, acrescentou.

¿Bom combate¿

O comandante do Exército, Enzo Martins Peri, falou sobre a atuação das tropas brasileiras em Porto Principe, na sua mensagem às famílias, ressaltando a transformação feita no país caribenho. ¿Todos combateram o bom combate, levando àquela Nação amiga, castigada por violência de diferentes naturezas, o que a gente brasileira mais possui: solidariedade, alegria e esperança¿, afirmou Peri. ¿A dimensão humana dessa tragédia atinge todos os brasileiros. A perda dos meus subordinados me atinge pessoalmente.¿

O momento mais emocionante da cerimônia foi quando a banda dos Dragões da Independência ¿ a Guarda Presidencial ¿ tocou o toque de silêncio. Em seguida, Lula condecorou post mortem todos os 18 militares com a Medalha do Pacificador com Palma. A comenda é concedida a militares que, em tempo de paz, tenham se distinguido por atos pessoais de abnegação, com risco de vida.

Poucos familiares quiseram falar com a imprensa. Um deles, Marcelo Cysneiros, irmão do tenente-coronel Marcus Vinicius Macêdo Cysneiros, afirmou que o militar deveria deixar o Haiti no próximo dia 29. Único que seguiu a carreira, o tenente-coronel, segundo seu irmão, desde jovem tinha tendência a ser militar. ¿Amar é um direito de todos. Ser amado é um privilégio de alguns¿, dizia a inscrição na camisa de Antônio Fagundes Pedrotti, tio do cabo Douglas Pedrotti Neckel, 23 anos, a quem homenageava. Assim como ele, outros familiares usavam camisas com as fotos das vítimas.

Segundo Geraldo Luiz Mario, seu sobrinho Bruno Ribeiro Mario telefonou no fim de semana antes do terremoto, e deveria retornar ao Brasil no primeiro sábado após a catástrofe. ¿Era seu último dia de missão¿, disse o tio, afirmando que o tenente, que era natural de Santa Maria (RS), era uma ¿pessoa boa¿ e estava feliz pela volta iminente ao país.

Major é enterrado no Campo da Esperança

Daniel Brito Monique Renne/CB/D.A Press Cerimônia ao som de salvas de tiros: homenagem ao mineiro Martins Filho

O caixão do major Francisco Adolfo Vianna Martins Filho foi o primeiro a deixar a Base Aérea de Braília, onde os militares mortos no Haiti foram homenageados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O corpo foi velado por familiares, amigos e ex-companheiros de corporação no cemitério Campo da Esperança, no fim da Asa Sul, a partir das 17h. Em cima de um Urutu, tanque do Exército brasileiro com o qual Martins Filho se deslocava nas caóticas ruas da capital haitiana, Porto Princípe, o caixão saiu da região do aeroporto e atravessou o Setor Policial Sul até o cemitério. No trajeto, chegou a ser saudado por alguns motoristas.

Ele foi o único militar vítima do terremoto a ser sepultado no Distrito Federal. Aproximadamente 30 pessoas participaram do velório. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) compareceu e afirmou que votará favoravelmente ao decreto legislativo destinado a autorizar a ida de mais tropas brasileiras da missão de paz.

Abraçada a uma amiga e à filha Marina, 9 anos, Emília Ribeiro Rodrigues Martins, viuva do major, aceitou conversar com a imprensa antes do sepultamento. ¿Não posso falar que ele (Martins Filho) era perfeito, mas era uma pessoa evoluída. Por isso, se foi tão cedo¿, emocionou-se. ¿Se eu pudesse, não deixaria meu marido tão livre, como fiz. Ele tinha paixão por vestir a farda do Exército e representar o país.¿ O enterro foi acompanhado pelo Batalhão da Guarda Presidencial, ao som de salvas de tiros.

Mineiro de Belo Horizonte, Francisco Adolfo Vianna Martins Filho, 41 anos, costumava dizer que estava há 30 no serviço militar ¿ incluía no cálculo o período em que estudou no Colégio Militar da capital mineira. Havia quatro meses atuava na missão de paz brasileira no Haiti, como assessor do chefe militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), o general brasileiro Floriano Peixoto. Seu corpo foi encontrado no início da noite do último domingo, nos escombros do prédio-sede da ONU.

Tristeza e gratidão

O velório do número 2 da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, o brasileiro Luiz Carlos da Costa, foi realizado ontem, sob forte emoção, no prédio do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro, o Palácio do Itamaraty. ¿Só podemos desejar a ele a paz que ele lutou tanto para trazer ao mundo. Muito obrigada, pai, você estará para sempre em nossos corações e nos corações de todos¿, disse Anna Maria, a filha mais velha, procurando não chorar enquanto lia o texto escrito pouco antes da cerimônia.

A viúva de Costa, Cristina, lembrou o primeiro cargo ocupado pelo marido na ONU, de mensageiro. O brasileiro trabalhou durante 40 anos na organização, com atuação em áreas de conflito como Kosovo, Libéria e Camboja. ¿Ele cumpriu sua missão de paz neste mundo, agora ele vai cumprir lá em cima. (¿) Peço aos que se amam, principalmente aos casais, que nunca se esqueçam de dar as mãos, sempre. Sempre que tiverem vontade, digam que se amam, porque nunca se sabe a vontade de Deus¿, afirmou, levando às lágrimas os presentes.

A pedido da família, o corpo foi levado ao Rio de Janeiro ¿ terra natal de Costa e cidade onde vivem sua mãe, Beatriz, e a irmã, Sônia Maria ¿ antes do sepultamento, marcado para amanhã, em Nova York. Costa vivia com a mulher e as filhas na cidade norte-americana. A cerimônia teve honras militares e contou com a presença do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Vários colegas de Costa na ONU que trabalham no Brasil também foram prestar as últimas homenagens ao amigo.

Subsecretária de Apoio Logístico das Nações Unidas, a argentina Susana Malcorra lembrou a amizade de Costa com o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, morto em 2003, durante atentado terrorista no Iraque. ¿Sérgio dará boas-vindas a seu amigo Luiz¿, disse.