Título: Em troca de acordo em Itaipu, país financiará projetos no Paraguai
Autor: Schüffner , Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2009, Brasil, p. A3
O Brasil está oferecendo financiamento de US$ 1 bilhão do BNDES para projetos de industrialização do Paraguai como parte das negociações em torno da remuneração paga pela energia gerada pela Usina Hidrelétrica de Itaipu e que é comprada daquele país. O tema vai ser discutido novamente em encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, do Paraguai, em 29 de abril. Lugo, que assumiu derrubando sessenta anos de governo do partido Colorado, se elegeu tendo como tema de campanha pesadas críticas ao Tratado de Itaipu, assinado em 1973, que permitiu a construção da usina binacional. O presidente do Paraguai quer uma revisão do Tratado e apresentou uma "agenda irrealista", na avaliação do diretor-geral do lado brasileiro de Itaipu, Jorge Samek.
Além do empréstimo do BNDES, o Brasil também está oferecendo financiamento para o Paraguai construir uma segunda linha de transmissão no país, que apesar de ter o maior número de megawatts (MW) per capita, sofre com apagões quase diários devido à fadiga das linhas existentes.
Também está na mesa de negociações a duplicação do fator de ajuste (que é o preço efetivamente pago pelo Brasil), o que resultará em elevação de US$ 45 para US$ 47 por megawatt-hora (MWh) no preço da energia de Itaipu paga pelos consumidores brasileiros (preço final) e ainda a criação de um fundo nos moldes do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata na sigla em espanhol) no qual o Paraguai teria preferência para retirar até US$ 100 milhões.
O Tratado de Itaipu estabelece, entre outras questões, a compra pelo Brasil de todo o excedente de energia que cabe ao Paraguai no caso de não ser consumido pelo vizinho. Mas poderia ser o contrário se houvesse demanda naquele país. Lugo propôs que a estatal Administración Nacional de Electricidad (ANDE) vendesse diretamente a energia excedente para o Brasil ou para a Argentina ou Chile mesmo antes de 2023, quando o Paraguai vai quitar a dívida contraída com o Brasil para construção de Itaipu. Só então passará a receber integralmente pela venda dos 45% da energia hoje vendida para o Brasil e comercializada aqui pela Eletrobrás.
O Brasil financiou e deu garantias do Tesouro Nacional para o empréstimo que permitiu a construção de Itaipu. A usina custou US$ 27 bilhões (sendo US$ 12,1 bilhões de investimento direto) e cada sócio fez um aporte inicial de US$ 50 milhões. A parte paraguaia foi emprestada pelo Banco do Brasil. Hoje ela vale US$ 60 bilhões. Somente os 50% que pertencem ao Paraguai têm valor de US$ 30 bilhões, três vezes mais que o Produto Interno Bruto (PIB) daquele país. A receita operacional anual da usina é de US$ 3,2 bilhões, dos quais 64% são usados para pagar da dívida. O restante vai para royalties e despesas operacionais.
O Brasil consome quase toda a energia produzida por Itaipu, e paga por ela mais caro do que os paraguaios: a tarifa média da usina no ano passado foi de US$ 38,7 o MWh para a Eletrobrás e de US$ 22,5 por MWh para a ANDE. A usina responde por 19% do suprimento nacional e 95% do consumo do Paraguai. No ano passado bateu recorde de produção de energia, com 94.684.781 MWh, o maior volume em sua história. Na quinta-feira passada, a geração foi de 11.790 MW em suas 20 turbinas. Desse total, 1.184 MW foram enviados para a ANDE (apenas 9,5% da geração) e 11.559 MW foram entregues à Eletrobrás.
Jorge Samek diz que a proposta de empréstimo do BNDES permitirá financiar projetos de cana de açúcar, cimento, celulose e para melhoramento da soja. "É uma oportunidade para o Paraguai se industrializar e atrair novas empresas para o país", diz Samek.
O Paraguai também poderá sanear um problema crônico que é a falta de investimentos em linhas de transmissão de energia que faz com que falte luz na capital do país que tem o maior número de MW per capita do planeta, com capacidade instalada dez vezes maior que o consumo. A rede de distribuição do país é antiga e foi construída na década de 50, antes da chegada de shoppings, aparelhos de ar-condicionado e outros equipamentos modernos. Consequência disso são constantes blecautes sempre que a rede de distribuição é muito demandada. Foi o que aconteceu em 2004 no começo de um jogo entre Brasil e Paraguai pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2006, quando o estádio Defensores del Chaco ficou às escuras por cerca de 30 minutos logo após o começo do jogo.