Título: Micheletti se afasta
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 22/01/2010, Mundo, p. 22

Presidente interino de Honduras fez questão de afirmar que não renunciou, apenas se retirou até a posse do sucessor

Por pressão americana, o presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, prometeu ontem se retirar da presidência do país antes da cerimônia de posse do presidente eleito, Porfirio Lobo. ¿Este é meu último dia na presidência... Retiro-me para minha casa pela paz da nação e porque não quero ser um obstáculo para o novo governo¿, afirmou, em entrevista ao canal 5. ¿Não renuncio ao cargo, só me afasto temporariamente¿, pontualizou.

O governo americano anunciou ontem o cancelamento temporário do visto de entrada aos EUA dos principais funcionários de Micheletti. ¿Cancelaram os vistos dos secretários de Finanças, Cultura, Juventude e Meios Internacionais¿, disse uma fonte da presidência interina ao Correio. ¿É uma medida de pressão dos Estados Unidos para que se cumpra o Acordo Tegucigalpa-San José¿, completou a fonte. Ele detalhou que a ideia é que Micheletti se ¿coloque de lado¿ para que Lobo assuma em 27 de janeiro e seja reconhecido pela comunidade internacional. Ao receber a notificação americana, o ministro da Juventude, Luis Ortez, viu-se desapontado. ¿Lamentamos que um país amigo e defensor da liberdade queira nos pressionar nos tirando o visto¿, afirmou.

Micheletti ressaltou que, apesar do afastamento, presidirá uma reunião do conselho de ministros, que comandará a administração. Para o Itamaraty, o anúncio de Micheletti não modifica a posição brasileira de não reconhecer seu governo nem as eleições que deram vitória a Lobo, pois ¿não se trata de uma renúncia, mas de uma licença¿. Uma atitude similar foi adotada por ele uma semana antes das eleições gerais de novembro.

O presidente interino também acusou Lobo de ¿fazer pressões¿ para que ele fique de lado. ¿Volto a dizer: qualquer circunstância que me obrigue a voltar imediatamente à Casa Presidencial, vou fazê-lo¿, destacou Micheletti. Em referência ao golpe de Estado que derrubou o presidente eleito, Manuel Zelaya, Micheletti justificou seu governo dizendo que apenas cumpriu ¿a missão de salvar Honduras de um homem que, como (o presidente venezuelano) Hugo Chávez, tentou mudar o destino democrático do país¿.

Posse Zelaya foi expulso do país em junho do ano passado e se refugiou na Embaixada do Brasil, em Tegucigalpa, quando conseguiu retornar a Honduras em 21 de setembro. Desde sua saída do poder, presidentes da América Latina e do Caribe insistiram em sua restituição à presidência, sob ameaça de não reconhecerem o novo governo.

Para tentar resolver o impasse, Lobo viajou à República Dominicana na quarta-feira e assinou um acordo com o presidente daquele país, Leonel Fernández. O texto prevê que Zelaya receba um salvo-conduto para deixar Honduras e viajar para a República Dominicana, onde seria recebido como hóspede. Fernández também pediu à comunidade internacional para reconhecer o governo de Lobo, levantando as sanções contra Honduras, que foi expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Zelaya se manifestou favorável à negociação dos dois países. ¿O acordo me permite manter a dignidade e a posição que me foi concedida pelo povo¿, afirmou em comunicado. Depois, em declarações a uma rádio hondurenha, avaliou o acordo como ¿um gesto positivo da parte de Porfirio Lobo, que se demarcou da ditadura¿.

O governo americano indicou na quarta-feira que assistirá à posse de Lobo, apesar de a administração de Barack Obama ainda não ter decidido quem comparecerá à cerimônia. ¿Estaremos representados. Em que nível não sei, vamos sabê-lo nesta semana¿, disse o embaixador americano em Tegucigalpa, Hugo Llorens. Micheletti, por sua vez, prometeu não aparecer na Casa Presidencial em 27 de janeiro, apesar de ter pensado em fazê-lo. ¿Na manhã daquele dia, vamos à igreja enquanto estiverem colocando a faixa presidencial no presidente eleito¿, prometeu Micheletti.

Volto a dizer: qualquer circunstância que me obrigue a voltar imediatamente à Casa Presidencial, vou fazê-lo¿

Roberto Micheletti, presidente interino de Honduras

Sob a bênção indígena

Ao som de pututus, berrantes da região dos Andes, centenas de indígenas vestidos com ponchos vermelhos e verdes lotaram ontem o complexo arqueológico de Tiwanaku, a 25km da capital boliviana, La Paz. Eles participaram da cerimônia ancestral para abençoar o novo mandato de cinco anos do presidente Evo Morales, cuja posse oficial ocorre hoje no Congresso em La Paz. O povo amawt¿a tratou de ¿purificar¿ o presidente boliviano. Colocaram-lhe um traje tradicional chamado uncku, feito este ano em lã de lhama branca, e lhe entregaram dois cetros, que representam o poder e o reconhecimento da unidade entre homem e mulher.

Descendente de aymaras(1), Morales pretende cumprir à risca a simbologia do ritual. Ontem, 20 ministros do mandato anterior apresentaram uma renúncia coletiva e fizeram uma foto de despedida nas escadas do Palácio Quemado. Morales quer pelo menos seis ministras para o novo gabinete, que tomará posse amanhã. Segundo a rádio Erbol, citando fontes do partido oficialista MAS, a quota feminina será de 50%, como estabelece a Constituição Política do Estado.

Na lista de possíveis candidatas, estão a ex-presidenta da Assembleia Constituinte Silvia Lazarte, a líder camponesa Leonilda Zurita e a ex-ministra de Microempresas Celinda Sosa. Outro nome mencionado seria a líder indígena do Departamento de Pando, Gladys Fariña. Julia Ramos, ministra de Desenvolvimento Rural, deve passar a outro ministério ou ser designada embaixadora no exterior. O presidente boliviano também tem sido pressionado por vários partidos e entidades civis que colaboraram com a sua reeleição para realizar essa reforma ministerial. No entanto, Morales resiste à ideia de mudar seus principais assessores. Entre os ministros que seriam ratificados, estariam Carlos Romero (de Autonomias), David Choquehuanca (Relações Exteriores), Roberto Aguilar (Educação) e Luis Arce (Economia).

O gabinete de Morales decretou o dia de hoje feriado nacional pela fundação do Estado Plurinacional da Bolívia e provocou críticas de líderes da oposição. O governo defendeu o feriado para que a população possa festejar a investidura do presidente para o mandato de 2010 a 2015. O senador de Pando, Róger Pinto, reclamou da decisão do governo e acusou Morales de querer distrair a população. O chefe da bancada de oposição do Senado, Germán Antelo, criticou ¿a intenção de mudar a história¿ com a fundação do Estado Plurinacional. ¿A Bolívia nasceu em 6 de agosto de 1825 e isso é parte da nossa história, que ninguém pode apagar. Essa intenção do MAS não é a mais correta¿, afirmou Antelo. (VV)

1 - Origens ela primeira vez desde que assumiu a Presidência, em 2006, Morales discursou em sua língua materna, o quechúa. O idioma é usado pelos agricultores de coca no Departamento de Cochabamba, base política do presidente. No discurso, Morales recordou que estava pela segunda vez no campo sagrado a pedido do povo boliviano e prometeu ser presidente de ¿dois Estados¿. ¿Um Estado que morreu; um Estado colonial que morre e o Estado Plurinacional que chega com muita esperança para os povos¿, ressaltou. Depois, voltou ao discurso em espanhol.