Título: Economistas contestam validade das previsões do FMI para o Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2009, Especial, p. F3
O FMI projetou contração de 1,5% para o PIB do Brasil neste ano. A dispersão das expectativas neste momento é a mais alta da série histórica apurada pelo Banco Central (BC). O presidente do BC, Henrique Meirelles, acredita que a recuperação deve começar neste trimestre.
Valor: Já ultrapassamos o pior momento da crise?
Delfim Netto: O FMI não é bom para fazer projeções. Nunca foi, e menos ainda na gestão Strauss-Kahn. O relatório do FMI sobre a economia mundial para 2008/2009 ainda falava de um mundo estupendo, sendo que os sinais de desaceleração mundo afora já estavam colocados. As projeções do FMI não valem nada.
Valor: Mas qual é sua projeção?
Delfim: É impossível prever o que vai acontecer. O comportamento da economia é cíclico, embora o ciclo atual seja diferente. Há uma quebra de confiança e esse é o risco. O Brasil tem um ritmo de decréscimo menor. O Meirelles provavelmente não está muito errado. No quarto trimestre já veremos a economia levantando. Poderíamos estar melhor se o BC tivesse utilizado a musculatura que tem para reagir com mais rapidez.
Valor: De que forma?
Delfim: O BC podia ter dado mais conforto ao sistema bancário. O primeiro erro foi quanto ao capital subordinado. O BC poderia ter dado garantias aos bancos, completando o que faltasse às empresas nos vencimentos dos empréstimos. O segundo erro foi no fornecimento de funding aos bancos. O BC errou ainda ao inaugurar uma nova teoria, segundo a qual, banco grande é melhor que pequeno e banco público é melhor que banco privado.
Samuel Pessoa: Estou relativamente otimista com o desempenho da atividade. O choque externo não nos desorganizou. O estrago que a inovação provocou no sistema financeiro mundial não chegou aqui. As estatísticas até meados do terceiro trimestre mostram cenário de desaceleração, mas sem desorganizar o sistema de trocas. Os preços das commodities agrícolas em 2008 subiram muito com a especulação. E a queda, por causa da crise, colocou os preços no nível de 2006, que já era alto. As exportações já começam a reagir. O emprego também não mostra um desastre.
Valor: O sr. concorda com as previsões do FMI?
Pessoa: Os números do FMI são inconsistentes. É difícil olhar para o PIB ano a ano, é melhor olhar para uma média de três anos. Se o PIB for muito ruim em 2009, será muito bom em 2010. Se cair os 1,3% do FMI, então, vai crescer 4,5% em 2010 porque a base será muito baixa. Não faz sentido essa previsão do FMI de que o Brasil vai crescer muito pouco dois anos seguidos. Na época da bonança internacional, crescemos 6%. Sem a ajuda do exterior, voltamos para a média de 4% e não de algo como 0,8% que o Fundo espera.
Candido Bracher: O crescimento neste ano pode ficar próximo do número do FMI. Se crescermos zero já vai ser bom. O importante é que esta é a primeira vez que o país pode reagir, numa crise, com redução dos juros. Nas outras crises, a dependência externa fez com que a primeira preocupação fosse a atração de capitais externos. O país reagia aumentando os juros. Essa reação criava uma dificuldade adicional para as empresas, que já precisavam lidar com a retração do mercado externo. O cenário de hoje lembra muito 2003, quando viemos de uma forte elevação do dólar e de queda da atividade. Uma série de empresas e setores estava endividada e enfrentou queda de lucratividade. Dois ou três anos depois, as empresas e os setores já estavam reequilibrados, lucrativos, muito bem financeiramente. Naquele momento saímos da crise engatados no crescimento internacional, mas tínhamos juros muito mais elevados. Hoje, nossas taxas de juros são muito menores.
Valor: O sr. acha possível sair mais rapidamente da crise?
Bracher: Vamos sair bem da crise, mas isso não quer dizer que sairemos rapidamente. Já está se formando um consenso no mercado de que as coisas pararam de piorar. Ninguém mais espera que esta seja uma recessão em V e nem mesmo em U. Teremos uma recuperação muito lenta. E não será gradativa porque haverá volatilidade.
Valor: Já há colocação de dívida por parte das empresas?
Bracher: Sim. O Itaú-BBA liderou esse retorno. Tivemos a colocação de US$ 200 milhões da Odebrecht por cinco anos e de US$ 750 milhões da Telemar por dez anos. Li no Valor a notícia da emissão do JBS.
Valor: Um dos componentes da crise é a postergação e o cancelamento de investimentos. O país estava em um dos mais longos ciclos de investimento de sua história recente e isso foi abortado. Isso afeta a capacidade de crescer no futuro?
Delfim: Nos grandes projetos de infraestrutura, não há queda. O BNDES tem feito um acompanhamento e não há queda nessa área, mas em bens de capital, sim. Os projetos só vão voltar quando tiver demanda. Estávamos muito bem porque foi a crença no crescimento do produto que despertou o espírito animal do empresário e fez elevar o nível dos investimentos nos últimos três anos. Mas o investimento público está crescendo muito, e ele é vital para recapturar o ânimo dos investidores privados. As obras do PAC continuam em bom ritmo e há o estímulo do programa de construção de moradias que deve crescer bastante, o que obviamente aumenta o consumo de produtos de toda a natureza na escala das obras civis e cria as condições de expansão da demanda.
Pessoa: Devemos ter uma retomada da demanda no princípio de 2010. No começo, a recuperação da economia vai se dar com ocupação da capacidade ociosa. Pela primeira vez, em muito tempo, não teremos risco de oferta. Será um ano tipicamente keynesiano. Hoje, temos vários seguros. Nos últimos cinco anos, nossos termos de troca estiveram equilibrados quando olhamos exportações, importações e destinos.
Delfim: Fui a Maringá (PR) e lá não há crise na soja, na cana, no açúcar, porque o câmbio corrigiu o efeito da queda dos preços das commodities.
Bracher: Algumas das nossas ineficiências se tornaram virtudes. A situação lembra um conto do Jorge Amado (Os velhos marinheiros), em que um sujeito que não sabia navegar assume um barco. Como ele não tem a mínima ideia do que fazer, usa todas as amarras para prender o barco e vira alvo de gozação dos marinheiros. Durante a noite, vem uma tremenda tempestade e no dia seguinte só sobra o barco dele no cais. O Brasil tem uma taxa de compulsório sobre depósito à vista de 50%, quando o mundo tem 10%; tínhamos juros reais de quase 10% ao ano, quando o mundo tinha zero, 2%, 3%, 4%. Essas ineficiências permitiram irrigar o mercado de liquidez e permitiram um alcance à política monetária que outros países não puderam ter porque já tinham juros próximos de zero. A pequena participação das exportações no PIB, de 15%, nos tornou menos sensíveis à retração externo.