Título: O preço de crescer 6%
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 23/01/2010, Economia, p. 16

Ritmo de crescimento forte expõe fragilidades do país, como alta da inflação e baixo nível de investimentos. Pressão recai sobre BC

Alimentos mais caros: problemas climáticos contribuíram para que os preços subissem 0,81% em janeiro

O forte crescimento da economia já está cobrando a sua fatura ao expor as fragilidades do país. Depois de o Banco Central mostrar uma piora significativa nas contas externas, o que empurrou os preços do dólar para o patamar mais elevado em quase cinco meses, ontem foi a vez de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmar um temor latente: a alta da inflação. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) cravou 0,52%, levando os analistas a projetarem taxa de até 0,70% para o mês fechado, patamar incompatível com uma meta inflacionária de 4,5% para todo o ano.

¿É sempre assim. Basta a economia mostrar fôlego para a conta chegar¿, disse o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto. ¿Vimos isso em 2004, 2007 e 2008, quando o BC teve que arrochar a política monetária para evitar desequilíbrios¿, afirmou. Apesar de ainda manter a sua estimativa para o IPCA deste ano ancorada no centro da meta definida pelo governo, Campos Neto admitiu a possibilidade de a inflação ficar acima de 4,5%, o que já é dado como certo pelo economista-chefe da Corretora Concórdia, Elson Teles. Os dois, inclusive, acreditam que o BC começará a elevar a taxa básica de juros (Selic) a partir de abril. A alta deverá ser de 2,5 pontos, dos atuais 8,75% para 11,25% ao ano.

Gastos No entender da economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, o aumento dos juros poderia ser evitado se o governo não tivesse ampliado tanto os seus gastos e, mais importante, piorado a qualidade dos desembolsos. Para ela, ao reduzir as metas de superavit primário, o Ministério da Fazenda jogou todo o peso do controle da inflação para o BC. ¿O que todos esperam é que o governo não só cumpra a meta de superavit primário de 3,3% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, como reduza os gastos. Não adianta dizer que cumpriu a meta contando apenas com o aumento da arrecadação¿, assinalou.

Na avaliação da Carlos Thadeu Filho, economista-chefe da SLW Asset Management, as fragilidades da economia decorrem, também, do baixo nível de investimentos. Com o consumo crescendo aceleradamente, a indústria fica sem capacidade de atendimento e os preços sobem. É a clássica inflação de demanda. ¿Felizmente, ainda não chegamos a esse estágio. E para que ele não se confirme, o BC aumentará preventivamente os juros¿, explicou. Essa perspectiva, por sinal, levou os bancos a reajustarem as taxas das principais modalidades de crédito, ponto que pode até jogar a favor do BC, pois ajudará a conter um pouco o consumo.

Reajuste Parte da alta do IPCA-15 de janeiro deve ser atribuída a fatores pontuais, como o reajuste das passagens de ônibus urbanos, incluindo São Paulo. Além disso, houve uma arrancada dos preços dos alimentos, que ficaram 0,81% mais caros por causa de problemas climáticos, e das despesas pessoais, com alta de 0,95%, puxada pelos serviços, contaminados pela correção do salário mínimo.

Todos esperam que o governo não só cumpra a meta de superavit primário de 3,3% do PIB, como reduza os gastos¿

Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING

Macumba no Banco Central Leitor do Blog do Vicente Nunes/Divulgação/D.A Press

Os funcionários do Banco Central foram surpreendidos ontem por um despacho de macumba em frente à sede da instituição. Uma galinha (foto) com fitas coloridas, muito parecidas com as que levam o símbolo do Senhor do Bonfim, foi encontrada debaixo de um coqueiro próximo à entrada do prédio. A ave movimentou a sexta-feira e gerou piadas. Muitos perguntavam se o despacho havia partido do ministro da Fazenda, Guido Mantega, para tentar evitar a alta da taxa básica de juros (Selic). Um grupo menor atribuía a ação a concurseiros pedindo aos santos uma vaga no BC, cujo salário inicial é de R$ 12 mil mensais. Havia, ainda, os que jogavam a responsabilidade ao presidente da Câmara, Michel Temer, do PMDB, que disputa, com o presidente do banco, Henrique Meirelles, a vaga de vice na chapa presidencial liderada pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. (VN)

Acordo com o FMI

O Brasil assinou ontem acordo para a compra de US$ 10 bilhões em notas emitidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O dinheiro sairá das reservas internacionais, que totalizam US$ 241 bilhões. A aquisição dos títulos será feita ao longo de dois anos e o país deverá ficar com os papéis por, no máximo, cinco anos, prazo que poderá ser estendido caso o FMI requisite. A operação faz parte do reforço de capital do fundo de até US$ 500 bilhões para socorrer países em crise, processo acertado em abril de 2009 em reunião do G-20, o grupo das 20 nações mais ricas do mundo. Na avaliação do governo, será uma forma de diversificar as reservas do país. Essa é a primeira vez que o fundo emitirá tais notas e a transação marca uma mudança radical na relação do país com a instituição: de devedor contumaz para credor (VN)