Título: Estados voltam à carga para reduzir sua dívida
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2009, Opinião, p. A14

Por mais de uma década os Estados não se entenderam sobre como reformar o iníquo e labiríntico sistema tributário do país e praticaram uma guerra fiscal para obter vantagens à custa de seus vizinhos. Mas eles se mostram surpreendentemente ágeis e em harmonia quando o que está em jogo é a possibilidade de se livrar de dívidas a expensas do Tesouro. Desperto, esse interesse é capaz até de realizar milagres, como, por exemplo, a unanimidade em uma reunião do Conselho de Política Fazendária (Confaz), o órgão que reúne os secretários estaduais de Fazenda. Foi o que ocorreu na quinta-feira passada em Teresina, quando os Estados não apenas concordaram com uma lista de 10 reivindicações a ser apresentada à União como também aprovaram o texto de uma minuta de Medida Provisória a ser levada ao Executivo e ao Legislativo, em que o carro-chefe é a mudança do indexador de suas dívidas refinanciadas em 1997 do IGP-DI para o IPCA, que é tomado como base para a meta de inflação ("O Estado de S. Paulo", 4 de abril).

Não falta senso de oportunidade aos governos estaduais. Aproxima-se a sucessão presidencial e o governo Lula, interessado em fazer seu sucessor, está envolvido novamente na criação de um grande arco de alianças que torne possível a eleição da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Essa aliança, cujo eixo é o PMDB, é de péssima qualidade, como era de se esperar e se revelou, por exemplo, nos acordos feitos para o comando do Senado, mas não se esgota nele. Grandes programas do governo, cujo subproduto é ampliar o cacife eleitoral, podem ter maior resultado se contarem com o apoio de Estados e municípios. É o caso do programa de habitação popular, que a União quer consolidar com o apoio de Estados governados por partidos rivais ou candidatos à Presidência, mas monopolizando os dividendos políticos que poderiam ser colhidos. Nestas circunstâncias, os municípios primeiro, e os Estados agora, viram que era a hora certa para mais uma vez tentar reduzir o peso de uma dívida já financiada com vastos subsídios pelo Tesouro.

Sempre há chances de que consigam algo. Ministros petistas e vários não petistas nunca morreram de amores pela Lei de Responsabilidade Fiscal e alguma ajuda em troca da permanência no poder é bastante provável. A mudança do indexador, segundo cálculos dos Estados, daria uma economia de 30% do saldo devedor, hoje de R$ 319,1 bilhões (só a parte refinanciada pela lei 9.496, de 1997 e Proes). O débito dos municípios ao fim de fevereiro era de R$ 50 bilhões. Se o cálculo estiver correto, apenas para os Estados o abatimento seria de R$ 106 bilhões, quantia semelhante ao subsídio que já haviam recebido no período de 10 anos ao pagarem juros de 6% ao ano mais o IGP-DI e não os de mercado, segundo estimativas do Ipea.

A reestruturação da dívida estadual foi vital para a estabilização econômica. Foi preciso privatizar bancos estaduais e acabar com a farra dos governadores de imprimir dinheiro para que as finanças públicas brasileiras começassem a ser levadas a sério. Uma vez que foram subsidiados para se tornarem solventes, agora os Estados querem mais subsídios para, prometem, usar a economia dos ganhos financeiros obtidos pela MP, se ela for aprovada, em investimentos - às vésperas de um ano eleitoral. Como não se inicia uma negociação pedindo-se o mínimo, os secretários acrescentaram outros penduricalhos dispendiosos, como a exclusão da receita líquida real das verbas empregadas no Fundeb (educação), no Fundo de Combate à Pobreza e no Fundo Nacional de Saúde. Os Estados têm que recolher de 11% a 13% da receita corrente líquida para o pagamento dos débitos refinanciados.

Pode até fazer sentido a discussão pontual e exclusiva da troca do IGP-DI, indexador que reflete diretamente as variações do câmbio - os Estados pagaram menos quando o real se valorizou e agora, com a desvalorização, pagam mais. Os juros de 6% até poderiam cair se o país entrar na era da taxa Selic abaixo de 10%. Ainda assim, durante dez anos Estados e municípios foram poupados das mais altas taxas de juros reais do mundo. O momento - arrecadação em queda, baixo crescimento e campanhas eleitorais a caminho - não é adequado para que os cofres públicos sejam sujeitos a mais uma pressão.