Título: Laboratórios oficiais terão plano de ação conjunto, diz BNDES
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2009, Empresas, p. B9

A rede de laboratórios públicos, formada por 17 unidades controladas pelo governo federal, Estados, universidades e Forças Armadas, passará por um raio-x. Diagnóstico a ser feito por consultoria independente indicará formas de melhorar a gestão da rede - tão heterogênea e sujeita a influências políticas. O trabalho também vai propor melhoria na qualidade da produção de remédios e buscará o foco na inovação para atender a demanda do Sistema Único de Saúde (SUS). A iniciativa é resultado de parceria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o Ministério da Saúde, inserida no Programa de Apoio ao Complexo Industrial da Saúde, o Novo Profarma, lançado originalmente em 2004.

Na nova versão, lançada há dois anos, o programa passou a avaliar o sistema público de produção. "Acreditamos que é preciso uma melhoria de gestão em muitos dos laboratórios oficiais", diz o chefe do departamento de produtos intermediários químicos e farmacêuticos do BNDES, Pedro Palmeira. As consultorias terão de oferecer ao BNDES relatórios sobre aspectos administrativos, de gestão, de competência produtiva e de pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos laboratórios oficiais. Além disso, vão reportar a rotina de planejamento estratégico, além de levantar um histórico do atendimento da demanda do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais. A maioria dos laboratórios da rede já aderiu à ideia do diagnóstico. O BNDES pretende apoiar os laboratórios públicos com recursos não-reembolsáveis do fundo social e do fundo tecnológico (Funtec) do banco. Os valores do apoio dependerão dos resultados apontados no diagnóstico.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirma que o diagnóstico servirá para fortalecimento do complexo industrial do país. Temporão reconhece que há heterogeneidade entre os laboratórios da rede pública e avalia que até há alguns anos a visão deles era " tímida e pequena". Os laboratórios oficiais terão de conviver em igual situação que as farmacêuticas do setor privado: atuar em um ambiente de regulação de preços, ter padrões de qualidade e novas tecnologias. A expectativa de Temporão é de que em 2010 o diagnóstico da rede esteja concluído.

Consultores do setor farmacêutico entendem que houve uma "proliferação" de laboratórios com viés político. "É interessante para o cacife de um prefeito, de um governador ter um laboratório oficial", disse uma fonte que preferiu não se identificar. Existem avaliações de que não seriam necessários 17 laboratórios para cumprir o papel hoje desempenhado pela rede pública. Mas nem Temporão nem o BNDES dizem qual seria o número ideal de laboratórios e se será preciso fechar parte das unidades existentes. Hoje nem todos os laboratórios da rede têm produção ativa de medicamentos.

A rede pública enfrenta a duplicidade de funções com vários laboratórios interessados em produzir os mesmos medicamentos, diz outra fonte. A consequência, afirmou, é a falta de escala industrial e a saída é a gestão da rede em conjunto. O problema é agravado pelo fato de que os Estados, que controlam muitos dos laboratórios, podem mudar de orientação a cada troca de governo, levando à descontinuidade na estratégia.

"Hoje a gestão do Ministério da Saúde em relação a esses laboratórios tem mais clareza", diz Eduardo Costa, diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), ligado à Fundação Oswaldo Cruz. Costa acredita que os laboratórios oficiais têm função de regulação de mercado e também o papel de trazer novos medicamentos para o sistema SUS. "O ministério precisa que a gente tenha capacidade de produzir redução de preço", diz Costa.

Segundo ele, Farmanguinhos fez um plano de reorientação estratégica que permitiu identificar pontos a serem melhorados antes mesmo do diagnóstico a ser encomendado. "Não podemos querer competir com multinacional. Temos de entrar em nichos que não interessam à iniciativa privada." É o caso de endemias que atingem pessoas pobres, como malária e equistossomose, as chamadas doenças negligenciadas. "É uma área que requer inovação e que é mais natural que a gente atenda, embora (o laboratório) não sobreviva só com isso", diz Costa.

Segundo ele, a descentralização das compras de medicamentos da chamada atenção básica para Estados e municípios, a partir de 2006, criou ociosidade em parte da fábrica da Farmanguinhos, no bairro de Jacarepaguá, zona oeste do Rio. A ociosidade foi motivada porque a descentralização de recursos federais levou Estados e municípios a responderem por grande parte da compra desses medicamentos, priorizando encomendas aos próprios laboratórios. A atenção básica pode incluir remédios de grandes programas do SUS como anti-hipertensivos, drogas contra diabetes, antibióticos e analgésicos.

Como resultado da descentralização, Farmanguinhos teve redução de receita de R$ 100 milhões de um ano para o outro e a produção do laboratório, que era de mais de 2 bilhões de unidades (frasco ou comprimido) em 2005, não deve chegar a 600 milhões em 2009. O ministro da Saúde defende a descentralização dizendo que muitos dos produtos incluídos na medida são commodities. A descentralização mostrou, segundo Temporão, que o portfólio de produção não era o mais adequado. "Queremos trabalhar com produtos de maior valor agregado", diz o ministro.