Título: A crise financeira e o câmbio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2009, Opinião, p. A12
Geralmente, em crises financeiras internacionais anteriores, as taxas de câmbio em economias emergentes como a brasileira sofriam intensas desvalorizações. Essas crises financeiras podiam provocar crises cambiais, com consequências muito ruins para toda a economia, sempre com elevações nas taxas de juros domésticas e queda no produto interno. Havia, na verdade, uma perversa combinação de crises financeiras, com crises cambiais, bancárias e crises de dívida. Afinal, empresas e governos nestas economias estavam sempre financeiramente fragilizados, com elevadas dívidas internas e externas, denominadas em moedas estrangeiras, com baixo nível de reservas cambiais e sistemas bancários ainda não completamente consolidados.
Não somente crises financeiras em economias avançadas, como a crise do Sistema Monetário Europeu (1992), o de hedge funds (LTCM, 1998), o estouro do bolha do Nasdaq (2000/2001), entre outros, mas também crises nas próprias economias emergentes (México, Rússia, Ásia e Argentina, por exemplo) afetavam diretamente o comportamento da taxa de câmbio no Brasil; e quase sempre em movimento de sobredesvalorização (overshooting cambial). Parece não ser o caso desta vez, mesmo uma profunda crise financeira internacional, comparável à Grande Depressão de 1930. O gráfico mostra claramente que as alterações na taxa de câmbio no Brasil foram muito maiores na crise cambial de 1999 e na crise de confiança da política econômica de 2002 do que na crise financeira corrente.
A crise financeira atual, que teve início em agosto de 2007, provocou desvalorização do real somente após meados de 2008, quando a tendência à apreciação se reverte e passa por uma desvalorização nominal de, aproximadamente, 43% em apenas oito meses, de agosto de 2008 até março de 2009. Seria esta desvalorização nominal grande o suficiente? Esses 43% logo vão se mostrar pouco perante nossas contas. Mais interesse é o fato de que, não somente as taxas de juros vêm caindo, como também nossa moeda doméstica revaloriza de março para abril de 2009.
Neste caso, é preciso observar também as desvalorizações que acontecem mundo afora. Por isso, vale analisar, com ajuda do gráfico, o comportamento da taxa de câmbio real e efetiva, ou seja, descontando inflação e considerando uma cesta de moedas relevantes para o nosso comércio exterior. Assim, nestes termos, a taxa de câmbio se desvalorizou apenas 6,5%, logo após agosto de 2007 até março de 2009, chegando incrivelmente a se valorizar entre agosto de 2007 e agosto de 2008, em algo em torno de 12%, já sob forte crise mundial. Destaco que o próprio dólar americano se valorizou em relação ao cesta de moedas, próximo a 10% , desde agosto de 2008. Ou seja, não seria a nossa valorização do real apenas uma contraface de tal revalorização do dólar?
Contudo, com o segundo momento da crise, em agosto de 2008, o real passa por uma forte desvalorização não somente nominal, mas também real e efetiva na ordem de 18,5%. Muitos números e um só ponto: que a nossa moeda desvaloriza menos ainda do que tinha se valorizado ao longo dos cinco anos.
Em síntese, aqueles 43% de desvalorização nominal representou algo em torno de 18,5% de desvalorização real e efetiva, provavelmente porque muitas outras moedas também se desvalorizaram mundo afora, como, por exemplo, o peso mexicano, o rubro russo e a libra esterlina. Ou seja, nossa moeda se desvaloriza quando a de outros países também.
Será que tal desvalorização cambial, qualquer que seja ela, teria sido suficiente para trazer a taxa de câmbio para algum nível de equilíbrio de longo prazo? Ou mesmo, será que a crise financeira internacional teria facilitado o trabalho do Banco Central do Brasil e corrigido a distorção da paridade cambial manifestadas por um longo período de tempo no Brasil?
Certamente, o maior problema que se apresenta aqui é saber qual é taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo. Afinal, quando se afirma que uma moeda está ou não desvalorizada surgem problemas como: em relação à que taxa de câmbio? Ou mesmo, em relação a quando? Os economistas normalmente dizem que a moeda está ou não desvalorizada, mas eles não sabem qual seria a taxa de equilíbrio fundamental de longo prazo. Noutras palavras, se a taxa de câmbio vigente nos últimos dois meses - março e abril de 2009 - em torno de R$ 2,30 por dólar, é a verdadeira taxa de câmbio só saberemos daqui alguns anos. É sempre um problema de sabedoria ex-post.
Tudo indica, contudo, que o movimento recente de desvalorização cambial levando a taxa nominal de câmbio para próximo a R$ 2,30 por dólar, média de fevereiro a abril de 2009, ainda não teria sido suficiente para a devida correção, dada a intensa apreciação verificada até antes de agosto de 2008.
Assim, algo de surpreendente acontece no Brasil. Uma crise financeira internacional severa e prolongada não provoca a desvalorização excessiva da moeda doméstica, pelo menos quase 20 meses depois de seu estouro. Ou ainda não fomos atingidos em cheio pela crise, conforme a história nos ensina que deveria ser, ou realmente, algo de novo acontece no mundo das finanças internacionais.
Márcio Holland é professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV (FGV-EESP) e pesquisador CNPq
-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 11/05/2009 12:07