Título: Construtoras renegociam aquisições de terrenos
Autor: Ambrosio , Daniela D
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2009, Empresas, p. B8

Os donos de terrenos viveram dois anos áureos e completamente atípicos - entre 2006 e meados de 2008. A disputa era tanta que construtora faziam leilões e, além de excelentes ofertas, não hesitavam em pagar os ativos em dinheiro. O tradicional pagamento em permuta foi temporariamente deixado de lado. O humor do mercado virou e, com ele, a disposição das empresas em honrar os contratos acertados nos tempos de euforia. Agora, construtoras e donos de terrenos sentam para renegociar. Pode ser em uma conversa amistosa ou nem tanto - já há casos na Justiça ou perto de chegar lá.

As empresas de capital aberto compraram, juntas, R$ 11,4 bi em terrenos, segundo dados dos balanços. Ainda falta pagar, no entanto, R$ 7,7 bilhões - entre dinheiro e permuta. Ou seja, as companhias têm um valor imenso a pagar em terrenos, justamente quando falta dinheiro no caixa e a prioridade é a construção das obras em andamento. Por conta disso, há todo tipo de acerto em curso: desde propostas de postergação do pagamento, redução de valor, troca de pagamento em dinheiro por permuta ou simplesmente desistência da compra.

A maior companhia do setor, a Cyrela, divulgou no último balanço que distratou sete terrenos que somavam 167,9 mil de m² e VGV potencial de R$ 571,0 milhões, "por não atenderem aos critérios mais rígidos de viabilidade exigidos pelo mercado atualmente" . De acordo com a empresa, não houve perdas ou indenizações significativas envolvidos nos distratos.

Do estoque de terrenos, segundo a Cyrela, 80% foram adquiridos através de permuta, sem a necessidade de desembolso de caixa. "Desde julho de 2008, as aquisições de terrenos se dão somente por meio de permutas. As aquisições atuais que envolvem qualquer desembolso de caixa tratam-se de compromissos assumidos anteriormente a essa decisão", afirmou em seu relatório de resultados. Segundo o Valor apurou, uma das renegociações da Cyrela envolveu um terreno de grandes proporções na Barra da Tijuca, no Rio, onde há um excesso de oferta de empreendimentos.

A Gafisa também reviu a aquisição de novas áreas. De acordo com Wilson Amaral, presidente da companhia, parte dos terrenos cuja compra já havia sido aprovada internamente foi revista. "Contratos que previam pagamento em dinheiro passaram a ser negociados visando o máximo possível em permuta e o menor desembolso em caixa", afirma Amaral.

Essas renegociações, porém, estão longe de serem tranquilas. Há uma parcela considerável de donos de terrenos com notas promissórias e, portanto, um poder de barganha enorme. "Houve muito negócio feito errado, não apenas pelo alto valor pago, mas também pelo modelo de negociação", afirma o diretor de uma construtora. Companhias com pouco dinheiro em caixa, que ainda não conseguiram renegociar prazos ou valores, não conseguem atrasar as parcelas por muito tempo sob pena de serem contestadas.

Poucos casos vão parar na Justiça porque o processo é moroso e pode levar anos para ser resolvido. Um deles envolve a WTorre que desistiu do terreno que pertencia à Monark. Antes da crise, a empresa havia comprado a área de 80 mil metros quadrados, onde faria um projeto residencial, por cerca de R$ 250 milhões. A WTorre não conseguiu financiamento para pagar o ativo, considerado caro demais na atual conjuntura. Os preços dos terrenos cederam em vários mercados. Na média, o recuo está na casa de 30%, mas há casos de desvalorizações muito maiores, sobretudo fora dos grandes centros.

Segundo o Valor apurou, a Inpar - uma das empresas do setor em situação delicada, comprada pelo fundo Paladin no final do ano passado - está tentando renegociar o contrato do seu principal ativo. Um terreno de 4,7 milhões de metros quadrados na Lagoa dos Ingleses, em Belo Horizonte, e um valor geral de vendas (VGV) estimado em R$ 5,8 bilhões. A empresa colocou o terreno (ou parte dele) à venda, mas não conseguiu comprador. Partiu, então, para renegociar o contrato, mas ainda não chegou a um acordo.

Há empresas que preferem desistir do negócio a carregar o "problema". No ano passado, a Eztec desistiu de um terreno no litoral paulista. Perdeu 10% do valor do terreno, cerca de R$ 2 milhões. A empresa já tinha tido problemas ambientais em terrenos similares e preferiu desistir da aquisição e contabilizar a perda no balanço. Outra companhia do setor já conseguiu acertar a postergação do pagamento de três terrenos.

Quando fizeram a abertura de capital, as empresas do setor gastaram boa parte do dinheiro levantado na bolsa para comprar terrenos. O importante era mostrar ao mercado - e, de certa forma, eram cobrados por isso - o seu potencial de crescimento, medido pelo VGV (valor geral de vendas). O valor geral de vendas é uma medida específica do setor que considera o potencial construtivo de cada terreno, de acordo com o projeto que poderia ser erguido ali. As empresas medem o seu banco de terrenos em VGV e os números são vultosos. No caso da Cyrela, chega a R$ 27 bilhões, na Gafisa, a R$ 17,8 bilhões e na Rossi, R$ 13,4 bilhões.

O custo do crescimento desenfreado nos tempos de bonança agora pesa - e muito. Muitas empresas se endividaram para comprar terrenos. Segundo fonte do setor, no ano passado antes da crise, a oferta de linhas de crédito para financiar a aquisição de terrenos era farta - e vinha tanto dos grande bancos, como dos pequenos. Do endividamento total das companhias, o passivo com terrenos (R$ 7,7 bilhões) corresponde a 41%. É mais do que a dívida com debêntures, que soma 19% do total, dívida de capital de giro (21%) com Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que corresponde a 17% e cambial, que responde por 2%. "Não dá para pagar CDI mais 4% ao ano para honrar compra de terreno, o mercado mudou completamente", diz um executivo.

A compra de novos terrenos, no entanto, não parou. Volta, aos poucos, por conta do pacote habitacional do governo. Há várias empresas procurando áreas para o mercado de baixa renda, sobretudo longe das principais capitais. Quem já possuía um banco de terrenos forte nessa área procura terras para atingir um público de renda ainda menor e quem atua na média e alta renda, estuda oportunidades de surfar a onda dos produtos populares. A palavra de ordem agora, porém, é a permuta - que pode ser financeira (quando o comprador recebe uma fatia da receita dos empreendimentos), mais usual em empreendimentos de baixa renda, ou física (troca por unidades).