Título: Desemprego sobe, mas sobra vaga nos EUA
Autor: Coy,Peter
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2009, Especial, p. A14

Uma estatística surpreendente: em meio à pior recessão em uma geração ou mais, que deixou 13 milhões de pessoas desempregadas nos Estados Unidos, há aproximadamente 3 milhões de vagas que os empregadores vêm se esforçando para preencher, mas até agora não conseguiram. É um número maior que toda a população do Estado do Mississippi.

Parece uma boa notícia? Não é. Na verdade, é uma evidência de uma mudança estrutural que está surgindo na economia dos EUA, que vem criando desigualdades sérias entre trabalhadores e empregadores. As pessoas que estão sendo expulsas de setores que estão encolhendo, como o da construção, o financeiro e o de varejo, carecem das habilidades e do treinamento para as vagas que estão surgindo em áreas em crescimento, como em educação, contabilidade, saúde e no governo. Ao mesmo tempo, a pior crise no setor imobiliário residencial em décadas deixou os desempregados congelados dentro de casa. Eles não podem se mudar para conseguir trabalho porque não podem vender suas casas.

Por pior que a situação esteja agora, essa desigualdade vai criar problemas maiores quando a economia começar a crescer novamente. Em primeiro lugar, a taxa de desemprego provavelmente continuará dolorosamente alta porque muitas pessoas que querem emprego não possuem as qualificações adequadas. Segundo, a inflação poderá aumentar antes do esperado se os empregadores forem forçados a entrar em leilões para recrutarem umas poucas pessoas qualificadas para o trabalho. Terceiro, se o desemprego permanecer alto, ele colocará uma pressão política adicional sobre o Congresso e o governo Obama, para que eles apresentem soluções que no longo prazo poderão piorar as coisas - como isolar os trabalhadores do custo do desemprego no longo prazo, ao ponto em que eles perdem a vontade de trabalhar.

O perigo é o mercado de trabalho dos EUA se tornar menos flexível, justo no momento em que o mercado de trabalho da Europa finalmente ganha uma maior flexibilidade. Para evitar essa situação, empregadores e governantes terão que acelerar a reciclagem. Enquanto isso, trabalhadores em patrões terão de aceitar novas e duras realidades: salários menores para os trabalhadores que estão começando novas carreiras, e encaixes imperfeitos para os patrões que estiverem preenchendo vagas.

No geral, uma perspectiva nada agradável. Bruce Kasman, economista-chefe do JP Morgan Chase, diz: "Está sendo uma recessão muito nociva. Muitos trabalhadores em tempo integral relativamente capacitados estão perdendo empregos que deixarão de existir. Provavelmente haverá um desequilíbrio de habilidades incomumente grande".

A economia dos EUA mudou dramaticamente nos últimos dois anos - mais rápido, ao que parece, do que a força de trabalho está conseguindo se adaptar. Esta evidência está clara em um subestimado relatório do Birô de Estatísticas Trabalhistas dos EUA conhecido como Jolts, de Job Openings & Labor Turnover Survey (Pesquisa Sobre Vagas de Emprego & Rotatitivade no Trabalho), que é divulgado todos os meses desde dezembro de 2000. Ele contém uma estatística chamada taxa de empregos disponíveis, que é a porcentagem de todos os empregos existentes nos EUA que não estão preenchidos. Um empregador precisa estar recrutando ativamente do lado de fora para que uma vaga possa ser contada. No último dia útil de fevereiro, 2,2% de todas as vagas de emprego existentes nos EUA estavam em aberto - 3 milhões de empregos no total. Este número é corroborado pelo relatório do Conference Board, que aponta 3,2 milhões de vagas anunciadas online em março.

É verdade que a desarticulação acontece em toda recessão (embora não na escala atual). É verdade também que o excedente de vagas não preenchidas é menor agora do que era no começo da recessão, segundo o Birô de Estatísticas Trabalhistas e o organização Conference Board. A 2,2%, a taxa JOLTS está abaixo dos 3% registrados em fevereiro de 2008. Mas uma certa queda deveria ser esperada. A surpresa é a quantidade de vagas ainda não preenchidas, uma vez que no mesmo ano a taxa de desemprego aumentou de 4,8% para 8,1%.

Assim como a taxa de desemprego mede os problemas no mercado de trabalho da perspectiva dos trabalhadores, as vagas de emprego medem a dificuldade que os empregadores têm para cobrir posições. Normalmente, os economistas se concentram na taxa de desemprego, mas de muitas maneiras, as vagas disponíveis têm a mesma importância.

Para ter um quadro completo do mercado de trabalho, a "BusinessWeek" criou uma nova medida que chamamos de "índice de miséria dos empregos". Ele é simplesmente a soma da taxa de desemprego com a taxa de empregos disponíveis. Esta soma ficou estável em cerca de 8% durante anos, incluindo a recessão de 2001. Mas, do terceiro trimestre de 2008 para cá, ela começou uma linha ascendente para mais de 10%. A dúvida é se retornará aos 8% quando a economia americana se recuperar, ou se ficará elevada durante anos.

Um dos motivos do índice de miséria dos empregos estar tão alto: o estouro da bolha imobiliária residencial reduziu a mobilidade dos americanos. O Censo dos EUA informou em 22 de abril que a porcentagem da população que se mudou foi a menor desde que os registros começaram, em 1948. O Censo constatou que os proprietários de moradias com possibilidade de mudarem para casas de aluguel representavam apenas um quinto do total pesquisado. O resultado é os bolsões de desemprego graves e persistentes - coincidente com lugares como Dakota do Norte, onde a taxa de desemprego de 4,2% é a menor dos EUA. A Sykes Enterprises pretende fechar em 10 de maio uma central de atendimento que emprega 200 pessoas em Minot, naquele estado, por falta de trabalhadores, e lanchonetes estão colocando funcionários para fazer horas extras e cobrir turnos.

Às vezes, a imobilidade é uma questão de escolha. Dean Drako, presidente executivo da Barracuda Networks, uma companhia de ferramentas de segurança e rede, vem procurando um vice-presidente de vendas globais há meses, além de estar tentando preencher outras posições importantes. Desesperado, ele abriu mão de uma noite de sexta-feira com a família em abril, para participar de uma festa de apresentação promovida por universidades tradicionais no University Club de San Francisco, certo de que conseguiria achar algum talento lá. Quando Drako entregou seu cartão de apresentação para um potencial recruta que estava sem trabalho há seis meses, ele olhou para o endereço da empresa, em Campbell, na Califórnia e disse: "Esqueça. Você é geograficamente indesejável.". Drako diz: "Ele me devolveu o cartão!".

Até mesmo pessoas de cidades duramente atingidas como Detroit e Cleveland vêm recusando empregos bem pagos em companhias de equipamentos médicos em lugares como a Carolina do Norte, porque não querem se mudar, afirma Lisa Mesnard, uma recrutadora de executivos da Wellington Group, de Fuquay-Varina, na Carolina do Norte. "Vejo isso diariamente", diz ela. "Essas pessoas estão entranhadas na comunidade. Embora estejam desempregadas, elas estão preferindo esperar."

Mesmo assim, em lugares onde a mudança de endereço não é um problema, os empregadores estão irritados com a dificuldade de preencher vagas quando tantas pessoas estão desempregadas. Pergunte a Irina Lutinger, que está desesperada para contratar funcionários para o laboratório do Langone Medical Center da Universidade de Nova York. Esta administradora administrativa sênior da área de laboratórios clínicos diz que 10% das vagas sindicalizadas estão abertas, o que está diminuindo o ritmo de trabalho do laboratório. Técnicos laboratoriais ganham de cerca de US$ 45 mil a US$ 60 mil por ano, com benefícios médicos bons e quatro semanas de férias anuais. Isso está atraindo pessoas que estão mudando de carreira e querem fazer uma reciclagem profissional e fazer exames de licenciamento? "Ainda não estamos vendo isso", diz Lutinger.

Defensores dos trabalhadores não aceitam o argumento de que os EUA estão sofrendo com a falta de profissionais. Eles afirmam que os patrões simplesmente não estão pagando o suficiente para atrair interessados. "Sempre que os patrões querem uma força de trabalho mais vulnerável, eles declaram uma falta de mão-de-obra", diz Ana Avendaño, conselheira-chefe e diretora do programa de imigração de mão-de-obra da AFL-CIO. Ela tem razão. Por exemplo, a falta de clínicos gerais que o presidente Barack Obama vem mencionando, provavelmente se resolveria se os clínicos gerais recebessem salários próximos dos médicos especialistas.

Mas salários maiores não representam uma panaceia. Alguns empregos exigem habilidades especiais, pelas quais nenhum dinheiro vai gerar uma oferta maior de mão-de-obra enquanto uma nova geração não for treinada. A demanda por contadores, por exemplo, deverá continuar forte mesmo depois da crise financeira. No momento, "as empresas especializadas em reestruturações e os advogados especializados em falências e concordatas...estão incrivelmente ocupados. E não dá para você simplesmente inventar essas pessoas de uma hora para outra", diz Brian Sullivan, presidente-executivo e presidente do conselho de administração da CTPartners, uma firma de Nova York especializada em recrutamento de executivos.

A IBM está sentindo o problema da capacitação no momento em que muda seu foco para os serviços e as análises de dados. Em 28 de abril, a companhia anunciou que pretende contratar 4 mil especialistas para a área que chama de "analytics" (analítica). Ela espera conseguir o maior número possível deles via reciclagem, usando parte de seu orçamento anual de US$ 1 bilhão para reciclagem de profissionais. Consultorias que instalam softwares poderão aprender a ajudar empresas a detectarem padrões em seus dados que melhorem a eficiência. Mas a IBM ainda continua demitindo milhares de funcionários que não têm espaço na nova companhia. "É realmente fácil encontrar pessoas que são 50% do que você está procurando", diz Jim Spohrer, diretor de programas universitários da IBM. "O difícil é encontrar pessoas que sejam 90% do que você está procurando. Este é um dilema real."

Além disso, uma boa ajuda pode ser difícil de ser encontrada na ponta mais baixa da escala de pagamentos. No condado de Dorchester, Maryland, onde a taxa de desemprego está em 11,5%, processadoras de carne de caranguejo estão tentando preencher 300 vagas que pagam de US$ 6,71 a US$ 14 por hora, dependendo da rapidez com que a pessoa consegue tirar a carne dos caranguejos de suas carapaças. A maior parte desse trabalho é feita por mexicanas com vistos de trabalho temporário. As companhias de processamento de carne de caranguejo realizaram em abril uma feira de empregos, mas apenas dois moradores locais se inscreveram. "As pessoas não querem descer na escada econômica", afirma Bill Sieling, diretor-executivo da Chesapeake Bay Seafood Industries Association.

Será que a persistência da oferta de empregos, junto com as altas taxas de desemprego, significa que os Estados Unidos correm o risco de se tornarem parecidos com a Europa no passado recente, com seus mercados de trabalho rígidos? Pode ser. O pacote de estímulo de Obama aumenta os benefícios aos desempregados, o que embora justificável do ponto de vista humanitário, faz com que os trabalhadores tenham uma disposição menor em aceitar a primeira oferta de emprego que recebem. O crash do setor imobiliário residencial aumentou a imobilidade. E o próprio tamanho desta recessão está tornando os americanos desempregados mais "enferrujados" e menos aptos ao trabalho, segundo afirma o economista Laurence M. Ball, da Universidade Johns Hopkins. Para combater essa calcificação, a Casa Branca está usando US$ 3,5 bilhões do pacote de estímulo em programas de reciclagem, ao mesmo tempo em que aumenta o apoio às faculdades públicas. As aulas para trabalhadores de chão de fábrica que estão tentando iniciar carreiras no setor de saúde vêm apresentando um certo sucesso.

A verdade é que os trabalhadores deslocados poderão ter de descer alguns degraus enquanto mudam de carreira, porque suas habilidades são irrelevantes em suas novas posições, afirma David H. Autor, um economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Muitos engenheiros financeiros de Wall Street que perderam seus empregos ainda não absorveram isso, afirma Fred Wilson, sócio da Union Square Ventures, uma firma de capital de risco de Nova York. "Para eles aceitarem um emprego que paga muito menos, será preciso uma mudança significativa no estilo de vida. E isso é um problema."

Os empregadores também precisam ceder, reconhecendo que os candidatos que buscam podem não existir. Mark Mehler, um dos fundadores da CareerXRoads, uma consultoria de Kendall Park, Nova Jersey, especializada em estratégias de staff, diz aos patrões: "Vocês estão contratando potenciais funcionários... Vocês precisam treiná-los".

Um desajuste entre trabalho e trabalhadores nunca é uma coisa boa. Mas políticas inteligentes - combinadas com realismo da parte dos empregadores e das pessoas que estão em busca de emprego - podem minimizar a ruptura.