Título: Dias melhores virão
Autor: Facchini , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2009, EU & Investimentos, p. D1

A mudança de humor dos investidores, que agora vislumbram melhores dias, desaguou nas ações das empresas de varejo, um dos setores que primeiro devem sentir os efeitos da retomada da economia.

Em que velocidade essa recuperação vai ocorrer, contudo, é uma dúvida que ainda preocupa os executivos das grandes cadeias de lojas, que não têm coragem, por enquanto, de rever seus investimentos ou acelerar o programa de expansão.

Os três primeiros meses do ano foram uma prova de fogo para os presidentes das grandes varejistas, que tiveram de andar na corda bamba para fazer previsões de vendas, estoques, capital de giro e políticas de parcelamento.

Timóteo Barros, diretor financeiro da B2W, maior operação de varejo eletrônico do país, admitiu que a empresa exagerou no conservadorismo nos dois primeiros meses do ano ao reduzir demais o número de parcelas aos clientes.

"Apertamos [o crédito] em demasia. Foi um aprendizado e já começamos a ajustar nossa estratégia. Tudo isso foi revisto e vai ser equilibrado", disse Barros.

Em fevereiro, a B2W já passou a flexibilizar a concessão de crédito. Para proteger o seu capital de giro, a varejista reduziu o prazo médio de suas contas a receber para apenas cem dias, o menor de sua história. Um ano atrás, o site trabalhava com prazo médio de recebimento de 132 dias.

Essa estratégia mais conservadora na concessão de crédito refletiu-se sobre as vendas brutas, que cresceram 6,3% no primeiro trimestre, percentual extremamente modesto para o comércio eletrônico e aquém das próprias previsões da companhia para 2009. A B2W espera elevar o faturamento entre 8% e 18% neste ano. "Em abril, já estamos dentro deste range (variação)", disse Barros.

A B2W não foi a única que se preparou para um cenário pior do que de fato ocorreu. A Marisa também declarou que errou na dose de pessimismo. A rede de vestuário acabou vendendo menos do que poderia por não ter produtos em estoque no início do ano.

A queda dos juros no Brasil e os sinais de vida na economia americana levam, agora, os analistas a acreditar que o futuro reserva melhores dias para o varejo, cujas ações voltaram a chamar a atenção dos investidores.

Na Bovespa, os papéis de muitas varejistas e redes de shopping centers acumulam valorizações acima do índice da bolsa neste ano.

A campeã é a BR Malls, maior proprietária de shoppings do país em área bruta locável (ABL), cujas ações já subiram 80,5% em 2009, enquanto o Ibovespa avançou 36,8%. Um comportamento semelhante pode ser verificado nos EUA, onde as ações da maior cadeia de shopping centers do país, o Simon Group, acumula alta de quase 70% desde 20 de março.

Na última sexta-feira, os papéis da BR Malls continuaram em alta e fecharam com uma valorização de 4% após a divulgação de bons resultados no primeiro trimestre.

A companhia reportou um lucro líquido de R$ 36,9 milhões, bem superior ao resultado de R$ 1,4 milhão registrado em igual trimestre de 2008.

Segundo Leandro Bousquet, diretor financeiro da BR Malls, a companhia tem sido bastante procurada por analistas de investimento nos últimos dois ou três meses, sobretudo estrangeiros. "O sentimento [entre os investidores] é que a retomada da economia vai acontecer mais cedo do que se esperava. Aparentemente, o pior já passou e o cenário começa a melhorar", disse Bousquet, ao Valor.

No pregão do dia 30 de abril, as ações da Renner subiram 7,5% mesmo depois de a empresa ter divulgado que as vendas caíram 12% no primeiro trimestre se comparadas aos três primeiros meses do ano anterior. O desempenho leva em conta só as lojas em funcionamento há mais de 12 meses.

A expectativa de que a economia começará a sair do fundo poço falou mais alto aos ouvidos dos investidores. Neste ano, as ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Renner acumulam uma alta 39%.

"Apesar do fraco desempenho, que foi pior que de seus concorrentes, a Renner deixou claro que os primeiros meses não servem de parâmetro para os demais trimestres de 2009", escreveu Marcel Moraes, analista do Credit Suisse.

Por vender produtos mais baratos que a Renner, a Marisa está se saindo melhor. Na varejista, a queda nas vendas foi de 3% no primeiro trimestre pelo critério "mesmas lojas", o que atraiu os olhares dos analistas. Neste ano, as ações da Marisa acumulam valorização de 60,3%.

Os números da Lojas Americanas, que foram divulgados na sexta-feira, confirmaram a percepção de que o consumo no Brasil não foi tão afetado como nos EUA. A varejista, que comercializa itens de baixo valor unitário, possui um tíquete médio (gasto por compra) de R$ 32.

Diferentemente de sua controlada, a B2W, cujas vendas decepcionaram os analistas, a Americanas trouxe boas notícias. Para incluir a Páscoa - o evento foi comemorado em março no ano passado, mas neste ano caiu em abril -, a Americanas divulgou as vendas em todo primeiro quadrimestre. E o crescimento foi de 11% sobre igual período de 2008 pelo critério "mesmas lojas".

Durante teleconferência, a analista do Itaú Unibanco, Juliana Rozembaum, perguntou ao diretor financeiro da Americanas, Roberto Martins, se já não era o momento de acelerar os planos de expansão para 2009 diante do bom desempenho das vendas.

E a resposta foi não. "Estamos ainda cautelosos. Nossa cabeça não mudou ainda", disse Martins. Segundo ele, ainda é cedo para abrir mão de uma política de preservação do caixa e de um plano de disciplina.

A Americanas programa inaugurar somente oito ou dez lojas em 2009 e desembolsar R$ 60 milhões, um dos menores investimentos já feitos pela varejista. Antes da crise, a rede tinha planos de abrir 40 unidades neste ano.

Mesmo que a economia volte aos trilhos, só será possível ter uma maior clareza sobre o ritmo dessa retomada no segundo semestre, disse o diretor da Americanas. "Assim, não dará mais tempo de abrir um grande número de lojas. Isso terá de ficar para 2010."

O clima de euforia já começa a preocupar economistas. "A ata do Copom trouxe um tom de cautela. Cautela com o excesso de euforia ao redor da velocidade de retomada da atividade econômica", escreveram os economista do banco Fibra, Maristella Ansanelli e Flávio Mendes, na sexta-feira.