Título: Temporada do consumo
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2009, Eu& Investimento, p. D1

Ao se debruçar sobre as mensagens aos acionistas da Gerdau e da AmBev a respeito dos resultados do primeiro trimestre, o leitor pode ter a impressão de serem companhias de planetas diferentes. Enquanto a siderúrgica teve queda expressiva de receita, corte nas margens e viu o lucro quase virar prejuízo não fosse o diferimento de impostos, a companhia de bebidas ampliou o faturamento líquido e o lucro em dois dígitos.

Mas, de fato, no atual momento da crise internacional, essas companhias pertencem a mundos diferentes. A vantagem de uma sobre a outra é a ligação direta ao setor de consumo doméstico, que surpreendeu as expectativas, apresentando-se mais aquecido do que o esperado.

Os balanços divulgados ontem relativos ao intervalo de janeiro a março confirmam o que essa safra já vinha apontando: as companhias de commodities e indústrias de base sofreram intensamente. Já o consumo surpreendentemente manteve-se em níveis razoáveis e trouxe até crescimento.

Segundo o diretor-presidente do grupo, André Gerdau Johannpeter, a companhia foi atingida pela crise "como a grande maioria das empresas no mundo" no setor siderúrgico. Na comparação com o mesmo intervalo de 2008, a receita líquida consolidada caiu 22%, para R$ 7,0 bilhões. Com preço menor do aço e perda de escala, a companhia teve prejuízo operacional de R$ 53,3 milhões.

Assim como a siderúrgica, outras companhias de commodities saíram machucadas dessa temporada. O lucro operacional da Vale do Rio Doce caiu 22%, para R$ 4,1 bilhões, depois que a receita líquida recuou 8%, para R$ 12,9 bilhões.

Na fabricante de componentes automotivos Iochpe-Maxion, a receita líquida teve retração de 27%, para R$ 291 milhões, e o lucro do primeiro trimestre de 2008 virou prejuízo de R$ 3,2 milhões.

Enquanto isso, as empresas de consumo tiveram uma quebra positiva nas expectativas. A Marisa só não cresceu porque pecou ao ser muito pessimista. O próprio presidente da empresa , Marcio Goldfarb, admitiu ter errado ao apostar num cenário "catastrófico", que não se confirmou.

A receita da rede de vestuário da Marisa (excluindo serviços financeiros) foi apenas 2,2% menor nos três primeiros meses deste ano em relação a igual período de 2008, totalizando R$ 236,3 milhões. O excesso de conservadorismo afetou os estoques e foi percebido já na terceira semana de janeiro.

O professor de ambiente econômico global do Ibmec São Paulo, Otto Nogami, explicou que a diferença de desempenho está relacionada aos mercados de atuação das companhias. Enquanto as commodities estão relacionadas ao mercado externo, o consumo reflete um ambiente doméstico melhor que o internacional.

A AmBev argumenta que a expansão de suas vendas refletiu, além do clima quente e um calendário de Carnaval favorável, o aumento da renda disponível ao consumidor pela primeira vez em seis trimestres, com o aumento de 12% do salário mínimo. O faturamento líquido da empresa avançou 11%, para R$ 5,6 bilhões.

Já o setor de base sofreu interna e externamente por conta de paralisação de projetos de expansão de capacidade mundo afora, pelo fato de as companhias não saberem o que esperar para o consumo após o estouro da crise.

No Brasil, segundo Nogami, o consumidor postergou grandes compras, como casa e carro, mas as trocou "por pequenos prazeres", ou seja, consumo de menor valor agregado. Ele destaca que apesar da alta na taxa de desemprego doméstico, as demissões ocorreram em setores específicos. Não foi algo generalizado.

pQuem deixou de fazer financiamento para trocar de apartamento ou de carro investiu em pequenos luxos. A despeito do momento para contensão de gastos, a operadora de telefonia Vivo atraiu 696 mil novos assinantes de janeiro a março, contra 925 mil em igual intervalo do ano passado, quando o setor atravessava uma fase de grande expansão. Os clientes da operadora falaram mais tempo ao celular e assim o lucro líquido da empresa subiu 27%, para R$ 123,5 milhões, e a receita líquida aumentou 9%, para R$ 4 bilhões.

pPara Eduardo Roche, analista da Modal Asset Management, outro fator que manteve o consumo interno em patamares surpreendentemente bons foram as medidas do governo para melhorar a liquidez do sistema financeiro e manter o ambiente de crédito positivo. "Aqui as medidas tiveram efeito mais rápido do que no mercado internacional porque os bancos estão em situação muito melhor e puderam reagir prontamente."

A Cia. Hering é mais exemplo desse ambiente. A receita líquida da empresa subiu 33%, para R$ 137,3 milhões, e o lucro operacional subiu 60%, para R$ 16,3 milhões. Fábio Hering, presidente da empresa, ressaltou que o resultado foi maior do que o esperado.

Para as exportadoras de commodities, o desempenho só não foi pior pelo inesperado consumo da China no período. Na Vale do Rio Doce, o país teve a participação no faturamento elevada de 19% para 44% na comparação anual do primeiro trimestre. A Suzano Papel e Celulose não detalhou mas também atribui à China o aumento no volume vendido de celulose. Com isso conseguiu que a receita líquida recuasse somente 3%, para R$ 943 milhões. Mas o lucro teve queda de 28%, para R$ 90 milhões.

Nogami, do Ibmec São Paulo, afirmou que a melhora de ambiente externo para o Brasil está fortemente relacionada à China. Para ele, caso o governo daquele país invista mesmo na ampliação do consumo da população chinesa rural, o impacto será positivo.

Assim, as perspectivas são positivas, com base no primeiro trimestre, para todos os setores.

Além disso, o comportamento do consumo pode liberar alguns projetos paralisados e atrair investimento direto internacional, de multinacionais, sem muitas alternativas de crescimento para o Brasil. Com isso, também o setor industrial de base e de commodities pode sentir melhoras.

Sem ter notícias boas sobre os três primeiros meses, as companhias ressaltaram a percepção de alguma melhora sobre meses de março e abril, frente aos dois primeiros meses deste ano.