Título: Chávez dá mais um passo para estatizar a economia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2009, Opinião, p. A10

A queda de mais de 50% nas cotações do petróleo no primeiro trimestre é, por si só, uma péssima notícia para a Venezuela, que depende quase que exclusivamente desta receita para sobreviver. Algo igualmente ruim se passa no país comandado por Hugo Chávez. Há indícios de que a produção de óleo é declinante e se aproxima dos 2 milhões de barris diários, bem abaixo dos 3,18 milhões extraídos em 1997. Os números da Agência Internacional de Energia apontam 2,36 milhões, mas o governo chavista não os reconhece e diz que a produção na verdade subiu. Nesta, como em muitas outras coisas, não é possível confiar nas informações oficiais.

Um dos sinais de que os negócios com o petróleo vão mal foi a nacionalização de 60 empresas prestadoras de serviços. A PDVSA, que tem de sustentar em suas costas os programas sociais do governo, enquanto administra receitas cadentes, começou a atrasar os pagamentos de seus fornecedores. Não há cifras confiáveis sobre a dívida - elas variam de US$ 3 bilhões a US$ 12 bilhões. Várias companhias anunciaram a decisão de deixar o país e outras reduziram seus serviços. A caminho de um impasse que teria grave efeito sobre a produção de petróleo, Chávez resolveu o problema da dívida encampando as empresas. "Vamos enterrar o capitalismo na Venezuela", disse o presidente, e em mais de um sentido a frase é verdadeira. Sem receber pelos serviços entregues, as empresas ficaram em difícil situação financeira antes da nacionalização, por um preço que será aquele que o governo resolva pagar.

À medida que a crise se aprofunda, o presidente venezuelano, que ganhou nas urnas o direito a reeleições ilimitadas, vai ampliando seu controle sobre todos os setores vitais da economia. Para isso, conta com um Congresso inteiramente chavista, que lhe deu em pouco tempo o direito de expropriar as prestadoras de serviços nos campos de petróleo. Para coroar mais esta obra, foi estabelecido que o único foro legítimo para controvérsias entre empresas e Estado será a Justiça venezuelana.

A estratégia de Chávez é a "cubanização" da economia. O domínio dos setores essenciais é feito com objetivos políticos e o resultado perceptível é uma perda de produtividade da economia como um todo - uma receita para o desastre. Dela não está dissociada a ofensiva frontal contra a até então ampla liberdade de que dispunha a oposição para se manifestar. O principal líder da oposição, Manuel Rosales, que concorreu contra Chávez nas últimas eleições, fugiu do país e das ordens de prisão expedidas pela Justiça controlada pelo governo. Governadores de importantes Estados, contrários a Chávez, perderam o direito de administrar portos, aeroportos, estradas e hospitais, em um movimento gradual e seguro de asfixia financeira e política.

Chávez está destruindo a democracia em seu país. Quanto mais poder concentra em suas mãos, mais quer controlar. Uma das próximas vítimas é o movimento sindical, segundo a revista britânica "The Economist". Apesar de apelos ao socialismo, o caudilho nunca morreu de amores por sindicatos organizados e nos últimos anos buscou mais o apoio dos trabalhadores da economia informal. Ele desmantelou o sindicato dos petroleiros durante uma greve na PDVSA e agora encara o início de movimentos de paralisação em algumas categorias do serviço público, estimulados pela crise. O plano de Chávez é tirar o poder legal de negociação dos sindicatos e entregá-los a "conselhos de trabalhadores" controlados pelo seu Partido Socialista Unificado da Venezuela. Já há um projeto neste sentido tramitando na Assembleia Nacional.

Não se pode negar coerência, e até previsibilidade, às ações de Hugo Chávez. Seu objetivo é a velha ditadura pessoal de todos os caudilhos latinos. Enquanto as receitas do petróleo permitiram, ele gozou de ampla popularidade. Os bons ventos deixaram de soprar na economia e o poder crescente que Chávez quer enfeixar em suas mãos tem o objetivo de impedir as manifestações de descontentamento e dispor de todos os instrumentos de repressão para o caso de a crise econômica se agravar. Assim o socialismo bolivariano torna-se cada vez mais parecido com os regimes ditatoriais que destruíram o país - e tende a ter o mesmo fim deles.