Título: Regime de metas do Brasil é consistente
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2009, Brasil, p. A4
Diretor de pesquisa do Banco Central do Chile entre 1996 e 2008, o economista Klaus Schmidt-Hebbel vê com bons olhos a experiência do regime brasileiro de metas de inflação. Ele ressalta a capacidade do Banco Central (BC) de manter sob controle as expectativas inflacionárias, mesmo num cenário de grave crise global. Segundo Schmidt-Hebbel, desde 2006, os desvios no Brasil entre a inflação observada e a meta têm sido menores do que outros 27 países que adotam o sistema, dos quais 8 industrializados e 19 emergentes.
Ele diz que a política conservadora adotada pelo BC brasileiro se justifica porque o regime de metas ainda está numa fase de consolidação, em transição para o nível final de meta inflacionária, que seria mais baixo que os atuais 4,5% perseguidos pela autoridade monetária. "Se o BC não tivesse sido conservador, a inflação teria sido muito mais alta e mais variável."
No Chile, que tem uma meta de inflação de 3% desde 2001, há mais liberdade para reduzir os juros, afirma Schmidt-Hebbel, professor da Universidade Católica do Chile. Essa diferença é fundamental para explicar, para ele, por que o BC chileno cortou as taxas de 8,25% para 1,25% desde o começo do ano enquanto o BC brasileiro baixou a taxa Selic de 13,75% para 10,25% no período.
Ex-economista-chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Schmidt-Hebbel participou na semana passada do XI Seminário Anual de Metas para a Inflação, promovido pelo Banco Central, no Rio. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Os países que adotam o regime de metas de inflação se saíram bem no ambiente de crise global?
Klaus Schmidt-Hebbel: A avaliação geral é que sim. Houve um duplo choque na economia global. Até meados de 2008, ocorreu uma forte alta dos preços de matérias primas, que causou muita inflação, acompanhado por um choque de preços de ativos nos países desenvolvidos. Depois, houve a reversão da alta de commodities. Foi um choque deflacionário, seguido por um segundo movimento deflacionário, causado pela recessão global. Os países que adotam o regime de metas se saíram bem. Contra as previsões de muita gente, as expectativas de inflação se mantiveram sob controle. Além disso, o câmbio, em geral flutuante nos países que adotam o regime de metas, funcionou na absorção de choques. Houve desvalorizações significativas no Brasil, em Israel, no Chile, na Colômbia, na Polônia, o que é muito importante para evitar uma queda maior do PIB. Isso estimula exportações e desestimula importações. E, com as expectativas de inflação bem ancoradas, os BCs puderam reduzir os juros, principalmente os países que já têm uma taxa estacionária e baixa. O desenvolvimento do regime tem sido de muito sucesso, no mundo em geral e especialmente no Brasil, quando se analisa o desvio entre a inflação efetiva e a meta.
Valor: Como se saiu o Brasil?
Schmidt-Hebbel: No Brasil, a partir de 2006, os desvios entre a inflação observada e a meta têm sido menores que os registrados por países que adotam o regime de metas, tanto emergentes como industrializados.
Valor: O que explica esse bom resultado?
Schmidt-Hebbel: É consequência de uma condução consistente da política monetária pelo BC brasileiro, que tem mantido as expectativas inflacionárias sob controle. A sensibilidade das expectativas o Brasil em relação ao choque do petróleo tem sido menor do que outros países, como o Chile. Mas eu não conheço em detalhes a formação de preços no Brasil, como a dos derivados do petróleo.
Valor: Os preços da gasolina e óleo diesel são controlados, não seguem as oscilações de curto prazo do petróleo no mercado externo.
Schmidt-Hebbel: É mais um fator que explica por que a inflação observada fica perto da meta. No Chile, os preços refletem a mudança do petróleo depois de uma semana. E eu estou falando do sucesso do Brasil em termos de política monetária e de desvios da inflação em relação à meta. Há outras dimensões que eu não conheço, como a questão do crescimento.
Valor: Muitos economistas brasileiros dizem que a política monetária brasileira é excessivamente conservadora. Como o sr. avalia essa afirmação?
Schmidt-Hebbel: No período de consolidação do regime de metas de inflação, como foram os 10 últimos anos no Brasil, é muito importante ter uma política conservadora. Se o BC não tivesse sido conservador, a inflação teria sido muito mais alta e mais variável. E é importante lembrar que o BC não controla todas as taxas de curto e de longo prazo. Ele só afeta fundamentalmente a parte curta da estrutura a termos da taxa de juros.
Valor: A crise global é uma oportunidade para o Brasil baixar significativamente os juros?
Schmidt-Hebbel: Eu não posso responder a essa pergunta, porque não sou um especialista na conjuntura brasileira. Eu posso falar qual a inferência da experiência internacional para o Brasil. No Chile, o período de transição de metas de inflação do nível de 20% para 3%, atingido em 2001, levou de 10 a 11 anos. Os juros reais médios no Chile ficaram em 6% entre 1990 e 2001. De 2001 para cá, estão entre 4% e 5%. A experiência internacional mostra que a taxa de juros tem que ser moderadamente alta para controlar as expectativas de inflação, de modo que a credibilidade do BC seja forte. Com uma política monetária conservadora, o BC guia as expectativas de inflação para níveis próximos da meta. Uma vez que o BC atinge o seu nível final de meta de inflação, na terminologia técnica chamada de meta estacionária ou fixa, o país pode ter juros mais baixos.
Valor: O BC brasileiro persegue o "índice cheio" de inflação e tem que cumprir a meta no ano calendário. O sr. acha recomendável adotar um núcleo de inflação (que exclua preços de alimentos e energia, por exemplo) e a extensão do horizonte para o cumprimento da meta?
Schmidt-Hebbel: Os poucos países do mundo que tinham uma meta de inflação expressa no núcleo têm mudado para o índice cheio. Esse é o índice que se usa no dia a dia, que é importante para o consumidor médio. Isso não significa que o BC não leve em conta o núcleo.
Valor: E o horizonte de convergência?
Schmidt-Hebbel: Durante a transição até a taxa estacionária, é impossível fazer outra coisa que ter metas para um período preciso, como o ano-calendário. Uma vez que você chega à inflação fixa, estacionária, a inflação de dezembro a dezembro perde importância. O horizonte de política que tipicamente se adota na média dos países com menor inflação é entre um ano e meio e três anos.
Valor: O Brasil está chegando perto de uma taxa estacionária?
Schmidt-Hebbel: A meta de 4,5% não é muito distante de 2%, 3% ou 3,5%, ou do intervalo de 2% e 4%. Qualquer que seja o nível final, não está muito distante para o BC brasileiro. Acho que daqui a poucos anos o BC poderá convergir para o nível estacionário.
Valor: Por que o BC chileno foi tão mais agressivo do que o brasileiro na redução dos juros? Desde janeiro, o BC chileno cortou os juros de 8,25% para 1,25% ao ano, enquanto o brasileiro reduziu a Selic de 13,75% para 10,25% no período.
Schmidt-Hebbel: A diferença é que o Chile tem há oito anos um nível estacionário de taxa de inflação de 3%, com horizonte mais amplo para a convergência do índice de preços para a meta. Isso dá mais flexibilidade para o uso da política monetária, com amplitude maior no uso do instrumento de juros.
Valor: O sr. acha que os BCs devem passar a monitorar também a evolução de preços de ativos como ações e imóveis, além da inflação de bens e serviços?
Schmidt-Hebbel: É uma pergunta para a qual ainda não tenho uma resposta. Até antes da crise, eu achava que não se deveria fazer isso, mas, depois de analisar a situação atual, que foi precedida pela bolha de preços de ativos, acredito que os BCs têm que pensar muito seriamente em compatibilizar objetivos de estabilidade de preços de bens e serviços com objetivos de estabilidade financeira.