Título: BCs poderão também monitorar evolução de ações e imóveis
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2009, Brasil, p. A3
O regime de metas de inflação tem se saído bem no cenário de crise global, tanto no Brasil como no resto do mundo, mas a forte turbulência econômica tende a provocar mudanças na forma de atuar dos bancos centrais. Uma das alterações possíveis para o futuro próximo é que as autoridades monetárias não se limitem a acompanhar o comportamento dos índices de preços de bens e serviços, passando a monitorar também a evolução das cotações de ativos como ações e imóveis - o estouro da bolha no mercado imobiliário foi o estopim da crise nos EUA.
Essa foi uma das principais discussões que tomaram conta do primeiro dia do Seminário Anual de Metas para a Inflação, promovido pelo Banco Central (BC) no Rio. O regime de metas brasileiro, que faz dez anos em 2009, foi elogiado pelos participantes, composto por economistas favoráveis ao sistema. Segundo eles, o regime no Brasil tem mostrado flexibilidade para reagir ao quadro de crise.
O mesmo rumo traçado na discussão de ontem tem aparecido em debates internacionais, foi defendido por Martin Wolf, colunista do "Financial Times", e está discutido no suplemento EU& Fim de Semana, que acompanha esta edição do Valor.
Na abertura dos debates, o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, disse que o regime de metas, "com seu foco na preservação da estabilidade de preços, é perfeitamente capaz de lidar com a situação atual". Ele observou, porém, ser provável que alguns bancos centrais sejam mais atuantes em relação a certos movimentos de preços de ativos. Cauteloso como de costume, Mesquita ressaltou que não há "consenso profissional" sobre o assunto, mas também sublinhou que o "custo da atual crise financeira é tal que a sociedade tende a esperar que os BCs tenham uma atitude mais vigilante" quanto a oscilações rápidas de ativos como ações e imóveis.
Segundo ele, é possível que as autoridades monetárias fiquem mais atentas "à relação entre a evolução dos agregados monetários e de crédito e os preços de ativos". O crescimento exagerado do dinheiro em circulação na economia e do crédito muitas vezes precedem a formação de bolhas, disse ele. "Em suma, as interações entre moeda, crédito e preços de ativos devem passar a ser parte ainda mais relevante do esforço de pesquisa dos bancos centrais", disse Mesquita, que não indicou se o BC brasileiro estuda a adoção de alguma meta ampliada. Hoje, a instituição tem como único alvo fazer o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) convergir para a meta de 4,5%.
Uma questão controversa é se o BC deve ou não ter uma meta explícita para a variação dos preços de ativos. O ex-presidente do BC Armínio Fraga, sócio da Gávea Investimentos, é contra à adoção de um alvo formal nesse sentido. "Acho que o sistema tem que ser administrado levando isso em conta, mas é difícil criar uma fórmula que resolva essa questão. O regime tem flexibilidade suficiente para incorporar isso como uma prioridade do BC, mas sem chegar ao extremo de definir alguma fórmula de índice, que estaria sujeita a um erro." Para Arminio, é importante deixar um espaço para "o julgamento qualitativo de fatores que são pouco previsíveis, de incerteza genuína."
Já o ex-diretor do BC Sérgio Werlang, hoje diretor do Itaú Unibanco, acha viável que o BC reaja mais diretamente à variação das cotações de ativos financeiros e não financeiros na hora de definir a política monetária. Em caso de uma alta muito abrupta de determinado ativo, a autoridade monetária poderia elevar os juros mesmo que a inflação de bens e serviços se mostre comportada, acredita ele.
O ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, mostrou mais ceticismo em relação à possibilidade de se usar a taxa de juros como instrumento para combater a inflação de ativos. "Talvez o caminho mais promissor para fazer isso seja por meio da legislação prudencial", disse ele. Para Schwartsman, pode ser mais eficiente combater uma eventual formação de bolhas de ativos pela elevação dos requerimentos de capital dos bancos. Ele também considera difícil determinar qual variação das cotações de ações ou imóveis que pode ser considera uma bolha.
Os elogios ao regime brasileiro de metas de inflação também deram o tom dos debates. Arminio disse que o sistema se mostrou um arcabouço adequado para o país reagir à atual crise global - e também a outros momentos de turbulência. "Não creio que seja exagerado dizer que a experiência brasileira é o maior teste de estresse para o regime de metas já registrado." Segundo ele, o teste mais difícil para o sistema na verdade foi em 2002 e 2003, quando houve uma transição política e uma crise de confiança. "Acho que o mais recente, da crise global, também está sendo superado dentro do possível. O Brasil passou por uma recessão, mas que não se compara a essa loucura que está acontecendo lá fora."
No almoço, um grupo mais reduzido de participantes do seminário acompanhou a apresentação do economista Klaus Schmidt-Hebbel, da Universidade Católica do Chile, sobre os desafios do regime de metas num momento de crise. Uma dos gráficos exibidos por Schimdt-Hebbel mostra que, a partir de 2005, a diferença entre a inflação observada e a meta no Brasil caiu rapidamente, tornando-se menor que a de outros países desenvolvidos e emergentes a partir de 2008.
O ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, acredita que o regime de metas mostrou-se flexível na crise atual, permitindo que o BC reduzisse a Selic a um ritmo forte para padrões brasileiros. Hoje, a taxa está em 10,25% ao ano, podendo encerrar o ano na casa de 8,5%, acredita. "O regime não é uma panaceia, mas é melhor que as outras opções", afirma Goldfajn, para quem a novidade é que dessa vez o BC pode fazer política monetária anticíclica no meio de uma crise -- nas anteriores, a instituição tinha que elevar os juros, acentuando a desaceleração econômica.