Título: Gasto de famílias evita o pior
Autor: Verdini, Liana; Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 12/03/2010, Economia, p. 13

conjuntura

Consumo elevado, estimulado por isenções de impostos, respondeu por 62,8% do PIB e segurou a economia

O consumo das famílias foi o grande responsável pelo resultado do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Isso porque a demanda das pessoas físicas pelos bens e serviços produzidos no país gerou 62,8% do valor do PIB. De acordo com a gerente de Contas Trimestrais do IBGE, Rebeca Palis, todo esse volume de negócios sozinho, sem considerar os demais componentes da demanda, já teria produzido um crescimento de 2,4 pontos percentuais.

O Brasil acertou ao focar suas ações de combate à crise no estímulo ao consumo do mercado interno, avaliou Douglas Uemura, economista da LCA Consultores. Ele ressaltou que, enquanto as grandes economias mundiais têm 25% de suas riquezas provenientes de suas exportações, no Brasil esse indicador é de 15%. Portanto, 85% da economia brasileira é resultante do mercado interno, explicou.

Preocupação

Em todo o ano de 2009, o consumo das famílias cresceu 4,1%. Fator de preocupação para a economista do Banco Santander Luiza Rodrigues. Comparado com as nossas previsões, o consumo privado cresceu um pouco mais e o investimento um pouco menos do que esperávamos, disse ela, para quem o impressionante crescimento do consumo privado é uma fonte de preocupação para a inflação neste primeiro trimestre, considerando que já há indicadores apontando a desaceleração do investimento no mesmo período.

Mas o Índice de Confiança do Consumidor, calculado pela Fecomércio de São Paulo, apresentou em março queda em relação a fevereiro, o mesmo ocorrendo com o Índice de Expectativa ao Consumidor, que mede a percepção dos consumidores em relação a médio e a longo prazo. Para Uemura, com a redução do IPI, muitos consumidores anteciparam suas compras. Na margem, já se observa uma desaceleração do consumo das famílias, bem como do consumo da administração pública.

O Brasil acertou ao focar suas ações de combate à crise no estímulo ao consumo do mercado interno

Douglas Uemura, economista da LCA Consultores

Renda do brasileiro encolhe

Os brasileiros ficaram mais pobres em 2009. A combinação entre a queda do Produto Interno Bruto e o crescimento da população em 0,99% fez o PIB per capita cair 1,2%, a primeira redução desde 2003, quando ficou negativo em 0,2%. Encolhimento tão grande quanto esse só foi apurado pelo IBGE em 1999. Mesmo assim, dividindo o saldo das riquezas pela população brasileira, é como se cada pessoa tivesse sido responsável pela geração de R$ 16.414 no ano passado. Este PIB per capita é resultado de um efeito estatístico, disse Douglas Uemura, economista da LCA Consultores. Mas não se trata de uma tendência. Na verdade, este indicador deve continuar aumentando, como nos últimos anos. Segundo ele, o fato de o indicador ter apresentado uma queda pouco acentuada contribui para reafirmar que a crise mundial afetou os principais países emergentes de maneira menos acentuada.

Governo vê 2010 com otimismo

Deco Bancillon

O desempenho negativo amargado pela economia brasileira no ano passado não chegou a abalar o governo. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o recuo do Produto Interno Bruto (PIB) decorre da combinação de dois resultados: um negativo, em razão da forte recessão do primeiro semestre; e outro positivo, devido à retomada econômica do segundo semestre. Portanto, esse número é a média disso, resumiu.

Ainda que tenha fechado o ano em queda, avaliou Mantega, há sinais de crescimento forte e sustentável, disse Mantega. A retomada do crescimento verificada no fim do ano passado, conforme a equipe econômica, deve persistir em 2010, com a indústria expandindo-se entre 7% e 8%, e o consumo puxando o investimento. Fechamos 2009 com chave de ouro, com um crescimento anualizado de 8% no último trimestre do ano. Como a economia não está parada, vamos ter um crescimento de 5,7% em 2010, afirmou o ministro, que depois tentou consertar a previsão feita no calor do momento. A previsão oficial da Fazenda é de crescimento de 5,2%. Mas acredito que esteja mais para 5,5%. Qualquer coisa acima disso, entre 5,6% e 5,7%, é um detalhe, disse.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com explicações do ministro da Fazenda, teria classificado o resultado do PIB em 2009 como satisfatório. Mas o que ele quis saber mais não foi do número do passado, mas o do presente. Perguntou como anda a economia e se o crescimento de 2010 é sustentável, sem risco de inflação. Disse a ele que sim, que houve alguma inflação em janeiro e fevereiro, mas que em março já estará tudo normal. E que vamos crescer com investimento, reforçou Mantega.

INCENTIVOS AO COMÉRCIO EXTERIOR

O pacote de estímulos voltado ao setor exportador que o governo se prepara para lançar no fim do mês, mesmo que seja bem-sucedido, não irá reverter o tombo das contas externas em 2010, admitiu ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em suas palavras, a retomada do crescimento econômico supera de longe a de outros países, que ainda enfrentam recessão. Com isso, as importações para atender o consumo deverão superar as exportações, fazendo com que as contas externas fechem com um deficit que irá roubar até dois pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.(DB)

Tombo no investimento

Vicente Nunes

Fundamentais para garantir o crescimento da economia sem pressões inflacionárias, os investimentos produtivos (formação bruta de capital fixo) registraram, em 2009, o maior tombo anual da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1996. A queda chegou a 9,9%, o que tirou 1,9 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), segundo cálculos da gerente de Contas Trimestrais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Realmente, foi um resultado muito ruim. Quando abrimos os dados dos investimentos, todos os seus componentes caíram. As máquinas e os equipamentos tiveram recuo de 13,1% e a construção, de 6,4%, disse.

Com isso, a taxa de investimento do país em relação ao PIB fechou o ano passado em 16,7%, o patamar mais baixo desde 2006 (16,4%). Os números preliminares os investimentos avançaram 6,6% na comparação do quarto trimestre de 2009 com o terceiro indicam que essa taxa subirá em 2010. Mas não atingirá os 20% que todos apontam como um patamar razoável para que o país cresça de forma sustentada, afirmou Ingo Plöger, presidente da IP Desenvolvimento. Para ele, a taxa de 20% poderá ser atingida nos próximos três anos, quando o país estará tocando o grosso das obras para a Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas do Rio de 2016.

O preocupante, acrescentou o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto, é que não há poupança suficiente no país para tocar esses investimentos. Pelos cálculos do IBGE, a taxa de poupança, de 14,6% do PIB, voltou aos níveis de 2002, já que as famílias e o governo estão gastando muito. Como não se pode e não se deve privar a população de satisfazer suas necessidades, o economista-chefe da Gap Asset Management, Alexandre Maia, recomendou que o governo reduza os seus gastos. Uma boa sinalização nesse sentido foi o compromisso de se fazer superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) de 3,3% do PIB neste ano, destacou. Em 2009, o consumo do governo aumentou 3,7%.

No entender do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, a redução do consumo do governo não será importante apenas para ajudar o controle da inflação e evitar que o Banco Central force a mão no aumento da taxa básica de juros (Selic) a partir deste mês. Também contribuirá para o controle do crescente deficit nas contas externas do país.